Cap 19 – Melosa
por MNS“Canto a coragem de uma jovem rainha que ascendendo ao trono após a morte de sua mãe em combate, tudo fez para estabelecer a paz de seu povo e manteve seu caráter guerreiro e as tradições em concordância com a prosperidade e o futuro. Uma rainha justa e sábia. A Representante de Artemis na Terra. Canto a história de Melosa das amazonas Trácias e sua viagem para encontrar a sabedoria do Norte. Desde cedo ela fora preparada para o momento em que assumiria o lugar de sua mãe. Melosa ia adivinhando a amazona que cavalgava à frente que apresentara-se como enviada da rainha Cyane e seria a responsável pela segurança do grupo até chegarem na vila. Acostumada com as deferências devidas aos membros da Casa Real, a princesa trácia ia avaliando a missão que a trouxera para estas paragens, mas seu pensamento firmara-se na guarda. Ela era simplesmente linda. Seu cabelo negro abaixo dos ombros contrastava com sua pele branca. Seus olhos escuros realçavam o vermelho de seu lábios que usavam algum tipo de tintura, conferindo a eles um tom mais noturno. Usava ter a sobrancelha fina delineando um olhar firme. Seis pés de altura e seu corpo torneado e forte deixam explicito não ser fácil vencê-la em qualquer confronto. Afrodite assim seria, se seus cabelos negros fossem. Irina era um membro destacado da guarda real e as conduziam à presença da rainha que era a mais jovem a assumir tal posto. Cyane assumira aos dezesseis verões e a cada estação deixava mais aparente sua ligação com a Caçadora que tinha nela uma escolhida. Melosa ia ladeada por quatro amazonas fortemente armadas seguida de quatro jovens da tribo pessoalmente escolhidas por sua mãe para esta viagem enquanto cinco guerreiras fechavam a formação. O restante do cortejo era formado por amazonas do norte. Ela olhava o caminho com atenção buscando identificar os fios invisíveis que sustentavam os alarmes e armadilhas pelo caminho e Eucadia ia conversando com Irina sobre a melhor forma de proteger quando em comboio. Um fio de energia perpassava o cortejo das amazonas trácias. Suas anfitriãs as buscaram no inicio do território após as vilas portuárias e já estavam em meio às estepes. Ephiny gostaria de saber quando aquele vento cessaria e Assoyde ia silenciosa, buscando mentalmente corrigir as flechas que sairiam de seu arco aos mais diferentes alvos do caminho. Conseguia imaginar e visualizar a trajetória de cada seta que pudesse ser disparada.
– É conhecida a sabedoria de tua rainha Eucádia, mas penso temerário trazer amazonas tão jovens em uma viagem tão desgastante.
– A rainha tem seu próprio pensamento Irina, mas acredito que toda viagem é uma ótima oportunidade para qualquer guerreira. Elas são jovens e estão tendo o devido acompanhamento.
– Não duvido . Certamente são um orgulho para a Nação ou não estariam acompanhando a princesa.
– Melosa tem uma maturidade que seus verões não deixam adivinhar e as quatro saberão portar-se a altura. Como é a rainha Cyane?
– Uma rainha justa e sábia. A princesa dá muito trabalho?
– Melosa é muito confiante e como guerreira é totalmente dedicada. Esta viagem fechando o terceiro ciclo a deixará pronta para assumir o trono quando chegar a ocasião. Treina arduamente e sabe controlar seu temperamento, mas ainda tem muito a aprender quanto ao uso de armas ou do poder.
– Tenho certeza que será proveitosa sua estada conosco. Tranquiliza-te Eucádia que o caminho está guardado até a tribo.
Melosa nada dizia e a jovem Solari andava com olhar atento a escritura no solo e muitas vezes se perguntou que animais habitariam tal vastidão. Eponin apenas cavalgava manuseando o punhal de um dedo para outro, marcando os passos do cavalo com a troca de empunhadura. Chegaram na aldeia e tudo fazia sentido. Cyane era um assombro como persona e lenda. Sua aura de liderança podia ser sentida no brilho de cada amazona da tribo. Seu nome era reverenciado não com idolatria, mas com paixão. A rainha das amazonas do norte aguardava a comitiva vinda da Tracia com a tranquilidade de que tudo estava sendo feito conforme fora ditado por Artemis e assegurara de enviar Eucádia para conduzir suas visitantes o que significava sucesso. Não havia espaço para erros. Desejava conhecer Melosa, pois a jovem princesa era uma grande promessa na Nação.
“Da Grécia será a amazona que levara a Nação à sua grandeza e tu vais conduzi-la no caminho da Caçadora. Tua é a responsabilidade de transmitir segredos que nas Estepes são guardados. Acolhe com sabedoria Cyane.”
Estas foram as palavras que ouviu nos vapores após o banho quando assumiu no lugar de sua mãe. Estava curiosa sobre o que esta princesa carregava de tão especial para a própria Caçadora manifestar-se, se é que seria sobre Melosa o aviso. O grupo se aproximava calmamente e tinha certeza que Irina e Eucadia haviam conversado sobre as principais diretrizes. Todas desmontaram em grupo com a guarda abrindo posição e apenas Melosa e suas acompanhantes se aproximaram de Cyane e colocando o joelho direito no solo se fizeram conhecer.
– Saudações majestade, que longo seja seu reinado e próspero o seu povo. Minha rainha envia seus cumprimentos e respeitosamente solicitamos permissão para sermos aceitas e aprender entre nossas irmãs.
– Ergam-se amazonas e que sua estada entre nós seja proveitosa. Patro irá se responsabilizar pelas jovens que iniciarão imediatamente seu treinamento entre nós. Tua cabana já está preparada e Irina que você já conhece, irá servi-la pessoalmente Melosa. Tua guarda está sendo esperada para instruções com nossa mestre de armas e terá aposentos na cabana junto a tua, no outro lado da praça principal. Todas estão convidadas para a festa em sua honra que iniciará quando a lua estiver a meio caminho do ponto mais alto. Descansem agora. Sejam bem vindas.
Todas se ergueram e foram realizar seus deveres e tomar ciência da hospitalidade do Norte. Cyane volta para sua cabana e solta os cabelos, largando suas armas sobre a mesa.
– Como foi a viagem Slyana?
– Tranquila e sem ocorrências maiores. Irina veio conversando com a comandante da guarda e o restante do grupo veio em silêncio. As jovens estavam observadoras do caminho e a princesa se manteve calada todo o trajeto.
– Converse com todas da comitiva, desejo um relatório antes da festa. Diga a Patro que as jovens devem ser ensinadas sobre filosofia, leis, ciência, história e funções de armas. Não as quero perto da princesa em nenhum momento antes de duas luas. Ela tem quatro noites pra descobrir qual a melhor arma de cada uma delas e principal habilidade.
– Certamente.
– Descanse até o inicio da noite e diga para Irina fazer o mesmo.
Antes do cair da noite as jovens guerreiras da Tracia estavam alojadas, alimentadas e sendo instadas a contarem de suas experiências na tribo. Patro ia conduzindo a conversa para o treinamento do dia seguinte que iniciaria com o alvorecer e ao mesmo tempo dando indícios de que a festa será memorável. Seu amor pela vida não deixava em nada transparecer a feroz guerreira presente. Seu sorriso iluminava como a lua dirigia as andarilhas no caminho da noite. Morena, de estatura mediana estava sempre a olhar o entorno antecipando o revoar dos pássaros e sabendo em antemão o caminho do vento. Era um espírito livre, de mente aguda e autodeterminada. Deixou claro que dispunha de seu tempo como melhor lhe conviesse e somente uma fala de Cyane ou sua comandante faria ela modificar seus planos. Embora tenha assentido como esperado, seus olhos contrariavam a concordância que emitia, pois ser guardiã de cinco visitantes não era como pretendia passar a primavera. Esperava transformar este dever em fonte de prazer como fazia com tudo que lhe caia nas mãos. Eponin estava encantada com a liberdade que irradiava desta que lhe indicaram ser sua tutora e isso não lhe passou despercebido.
A cabana destinada a Melosa era ampla, com dois cômodos e uma área de privacidade para atender aos chamados da natureza. No primeiro cômodo estavam cadeiras, uma mesa, uma lareira e o tapete de um enorme urso e no segundo aposento a maior cama de peles que já havia visto. Alta, daria para sentar confortavelmente e ainda apoiar os pés no chão. Camadas e mais camadas de almofadas cobertas por várias peles costuradas conferindo uma firmeza que impedia de afundar na maciez, o que dificultaria os movimentos rápidos e precisos em caso de emboscada ou outras situações. Com um sorriso leve ao pensamento de quantos outros movimentos lhe ocorria experimentar, Melosa tinha em mente sua recente acompanhante e certamente Eucádia não diria nada em contrário. Afinal, a própria rainha Cyane formulou a designação. Pensando em Irina, a princesa trácia jogou-se na cama e buscou descansar enquanto seu equipamento era transportado.
– Estaremos na cabana ao lado se precisares de alguma coisa. Deixarei uma das guardas em tua porta. A festa será em cinco marcas de vela.
– Não! Vocês estão sendo aguardadas junto a mestre de armas e não é necessário guardas entre irmãs. Já tenho minha acompanhante permanente Eucádia. Nos veremos na festa.
– É o protocolo Melosa, sabes disso.
– É o comando de Cyane, não se fala mais no assunto. Até a noite.
– Até a noite Alteza.
Duas marcas de vela depois Melosa acorda e percebe a presença de outra pessoa na sala ao lado. Levanta sabendo de antemão de quem se tratava.
– Conseguiste descansar Irina?
– Sim Alteza, obrigada.
Por muitos instantes ficam uma olhando a outra sem nada dizer.
– Seu banho está preparado Alteza.
– Obrigada Irina, você me acompanha?
– Claro.
O espaço para banhos era confortável com uma banheira que caberia uma pessoa em todo seu comprimento e havia uma esponja com produto para banho. Melosa ficou nua e entrou nas águas tépidas. Esperava algo gelado e foi uma agradável surpresa esta quebra no frio, embora não chegasse perto das águas termais da Casa Real da Trácia. Irina tomou a esponja e o sabão de banho e começou a esfregar o corpo da princesa, sempre do alto para baixo e das extremidades para o centro do corpo como manda a boa medicina, auxiliando a circulação do sangue para o coração.
– Entre meu povo, não é de bom tom estar vestida quando se acompanha a realeza no banho Irina. Convidei-te para participar do banho e não para usar ser uma serva.
– É necessário que minha atenção esteja voltada para suas necessidades princesa. Meu corpo pode e deve esperar.
– Entre nas águas comigo e farei que minhas necessidades sejam conhecidas.
Irina não esperou um segundo convite, se é que poderia ser chamado assim. Rapidamente deixou as roupas no canto mais seco do ambiente e entrou nas águas tirando a poeira da estrada de sobre seu corpo. Foi uma experiência estranha ver sua visitante insistindo em lavar seu cabelo como ela havia feito. Estavam frente a frente quando Melosa resolveu demonstrar pessoalmente o que significava mapear o corpo. Buscou os seios de Irina com sua boca, não sem antes um olhar profundo solicitando permissão, que foi dada num silenciado respirar.
– A lareira está acesa, talvez seja melhor irmos experimentar o que o amigo urso tem a nos oferecer.
Lentamente Melosa conduziu a amazona para a sala ao lado fixando-se no tapete frente a lareira e começou a explorar o território. Irina não era uma inexperiente. Sabia exatamente onde tocar e levar seu tempo. Por muitas contagens o prazer foi revezando entre vendavais e brisas, ondas e labaredas. As sombras que as chamas faziam nos corpos dançando iam sendo percorridas por dedos, línguas e olhares.
– Creio que é momento de tomarmos um banho a sério. Falta pouco para a festa. Está tudo bem?
– Sim alteza.
– Então irei dormir e sugiro que faças o mesmo. Me acorde em uma marca de vela por favor.
– Sim alteza, mas não poderei dormir agora. Tenho algo a preparar para a festa. Durma tranquila que chamarei.
A música chamava para a reunião e os pratos servidos iam passando entre as convidadas com os cortes previamente feitos. Frutas, pães, queijos e caça em abundância faziam parte desta festa com os peixes estando no topo da lista de especialidades e o ritmo marcado convidava pra um movimento em grupo.
A rainha Cyane circulava entre suas irmãs sem grandes espalhafatos, fazendo parte da conversa nos pequenos grupos. Eucádia e suas cinco acompanhantes tentaram formar um grupo para trocar impressões, mas de maneira sutil suas atenções foram chamadas para este ou aquele evento, não possibilitando uma reunião. As quatro pequeninas foram espalhadas nos cantos da festa e não estavam próximas o suficiente para trocar uma palavra e nem desejavam. Tudo era novo e tudo era diferente. Patro havia sido muito específica sobre suas funções na festa: Se divertir. Tudo era permitido dentro da capacidade de seus corpos e desejo de seus corações. O vinho corria solto e peles de carneiro estrategicamente colocadas nos cantos mais privados da praça convidavam a descansar ou realizar uma dança mais horizontal. Os vários tambores criavam uma memória e estranhas flautas feita de osso traziam uma melodia harmoniosa e ao mesmo tempo frenética. Um instrumento com cordas esticadas e tocado com um arco produzia um som mais agudo que ia se modificando dependendo do movimento dos dedos de quem o manuseava.
Diferente de sua tribo, perceberam que as amazonas do norte dançavam em grupo, tocando-se e fazendo o movimento andando em um círculo ou vários. Em determinados momentos se desligavam e o movimento dos corpos no espaço formavam várias figuras. As mãos eram batidas no ritmo dos tambores e uma amazona adentrava ao centro, mostrando habilidade, coordenação e equilíbrio sem perder o ritmo. Estas demonstrações ritmadas do controle corporal também era feito em duplas. Finda a apresentação eram substituídas por outras e assim avançava a dança por muitas marcas de vela. Repentinamente os tambores cessaram. Uma pequena marcação era feita de forma suave com instrumentos feitos apenas de madeira oca e as flautas juntamente com o instrumento de corda ficaram mais lentos, quase um lamento, acompanhado pela voz de quatro amazonas que cantavam ao mesmo tempo uma melodia que jamais haviam ouvido, uma melodia que se repetia indefinidamente. A língua lhes era desconhecida.
Ratznavêra a a aa ierá ri áa ro.
Iakemaketsuuuierá ri á rô.
Kaioozt vikânáuierákavêriáaaa.
Ratznavêra a a aa ierá ri áa ro uhuhuhuuuuuuuu uhuhu uuuuuuu uuuu
Iutsáaa maielôkiaveriá maseia ireatzuveiko kiaveriá maseiá. Iatuso maielkioveriá
Ratznavêra a a aa ierá ri áa ro uhuhuhuuuuuuuu uhuhu uuuuuuu uuuu
Cyane mira fixamente uma amazona de sua guarda real que conversava com a mestre de armas e Eucádia. Melosa acompanha o olhar da rainha que parara na amazona ruiva de cabelos ondulados. Seus olhos verdes eram de uma limpidez impressionante. Deixando suas interlocutoras para tras, a amazona se aproxima da rainha que a enlaça pela cintura e seguindo a música faz passos certos, sincronizando movimentos e a batida do coração. Foram tomando conta do espaço central do paço de danças. Os corpos estavam tão unidos que seria interessante pensar que não se soltariam mais. As mãos da rainha passeavam pelas costas de sua acompanhante e levemente estendeu-se por sobre o contorno dos braços que enlaçavam seu pescoço. Aproximando seu rosto, Cyane começa a beijar suavemente o rosto, fixando seus lábios junto a boca num beijo prolongado. Agiu como se fosse um sinal. Vários pares assomaram ao centro e dançavam abraçadas. Algum tempo depois esta canção deu lugar a ritmos mais excitantes e os tambores voltaram a marcar em ritmo frenético as danças coletivas.
Puxando sua acompanhante pela mão Cyane das Estepes apresenta-a às suas visitantes que haviam se reunido para melhor assistir a dança.
– Conhecias a capitã de minha guarda Eucádia?
– Apenas de nome majestade. Foi uma digna performance minha irmã.
– Cyane me concede esta honra de tempos em tempos. Minha rainha é uma mulher muito sábia. Tão sábia quanto bela.
– Esta é Melosa das amazonas da Trácia. Melosa, esta é Amarice, capitã de minha Guarda Real.
– Foi uma linda dança.
– Vocês não dançam na Trácia?
– Sim mas não como isso. Foi… vamos dizer… empolgante !
– Sinta-se livre para se empolgar entre nós Melosa. Amarice não estará disponível mas certamente Irina irá auxiliar no que precisar. Se teu coração acelerar por outra, basta manifestar tuas intenções. Todas são livres para aceitar um convite. Você também está livre Eucádia.
– Agradeço majestade, mas minha noite está inteiramente voltada para a princesa.
– Deixe disso Eucádia. Não preciso de uma fiscalização constante e tenho Irina por perto. Aproveite a noite.
– A princesa está certa Eucádia. Muitas de minhas irmãs gostariam de ter um contato mais prolongado com as visitantes. Circule mais pela festa e seja feliz. A guarda está muito bem estabelecida e as escoteiras fecham os acessos até a vila perfeitamente. Aproveite a noite por que amanhã o dia será longo e difícil.
– Obrigada Amarice, mas Melosa é responsabilidade minha.
A voz de Cyane não deixou dúvidas.
– Não Eucádia, Melosa é responsabilidade minha. Vá se divertir e deixe ela em paz. Amanhã poderás voltar a manter teu olhar de falcão. Tu Irina, apresenta nossas danças pra Melosa. Boa noite senhoras.
– Boa noite majestade.
Levando Melosa até a área de dança, Irina convidou a princesa trácia a ouvir a música e buscar realizar seus próprios movimentos. Ambas estavam neste fazer quando uma segunda amazona ingressou no grupo e começou a imitar os movimentos e uma terceira, quarta e quinta. Quando Melosa percebeu eram mais de quarenta amazonas realizando o mesmo movimento no mesmo ritmo. Repentinamente o grupo se abriu em um círculo mantendo apenas a princesa ao centro. Eucádia estava pronta pra intervir no que entendia ser uma exposição desnecessária quando foi segura pelo braço por uma Patro sorridente.
– Não se meta, sua princesa irá se sair bem.
– Eu devo protege-la Patro.
– Ela não está sendo ameaçada. Fique tranquila e desfrute o momento.
Melosa começou de modo tímido e os tambores marcavam um ritmo tranquilo acelerando gradativamente e a coreografia que estava sendo criada ampliava em dificuldade. Quando a música cessou uma arquejante e feliz Melosa foi ovacionada e aplaudida por suas irmãs. Novamente a canção lenta começou a ser tocada e as amazonas lado a lado esperavam que a jovem princesa escolhesse quem teria a honra de acompanhá-la. Melosa ergueu-se e encaminhou-se para Eucádia com um semblante ainda sério. Abriu seu sorriso e tomando a mão de Patro voltou ao centro, criando um movimento uno com a morena. Assinalou à Irina que se juntasse a elas e agora era um trio que movia-se como um só ser. Ao final da música Melosa pegou as mãos de ambas e dirigiram-se para sua cabana, passando por alguns pares que estavam descansando nos velos.
O carro de Apolo recém estava dando mostras de seu andar quando Eucádia entrou na cabana de Melosa sendo barrada por uma Irina já desperta sinalizando o caminho lateral.
– O que traz você aqui tão cedo Eucádia?
– As instruções começarão logo mais e vim ver se Melosa estava acordada ou precisava de alguma coisa.
– Ela está bem. Dorme agora o terceiro sono, mas brevemente acordará. Recebi instruções de deixá-la dormir e Cyane vai ter com ela apenas no almoço. Até lá ela tem seu tempo livre.
– Isto está errado Irina e sabes disso. Não viajamos tão longe para que Melosa passe a dormir até mais tarde. Uma guerreira não é nada se não estiver atenta e pronta pra batalha antes do carro de Apolo sair no céu.
– O tempo é medido diferente por aqui e se Cyane deseja que Melosa descanse como quiser é assim que será sem interferências. Pelo que sei vocês cinco deveriam estar com a mestre de armas e as jovens irão ter com Slyana daqui a algumas contagens. Patro se encarregará disso.
– Não quis ofender Irina, apenas cumprir meu dever.
– Cyane disse ontem Eucádia que a princesa é nossa responsabilidade e todas são na verdade. Vieram ter conosco e aprenderem nossos modos, então te sugiro que esqueça a maneira como fazem as coisas na Trácia e se foque totalmente em seguir as diretrizes que são dadas. Isso será impossível se continuarem a agir como se estivessem em suas terras.
– Está bem Irina e obrigada pelo conselho. Até mais.
– Que a Caçadora esteja com vocês minha irmã.
Três luas haviam se passado e as amazonas da Tracia mostraram em nada ficar atrás de suas irmãs. Seja na caça ou na guarda dever todas eram capazes e resolutas. As quatro jovens e a princesa Melosa eram ávidas por aprendizados e camuflar-se naquele terreno arenoso e seco fundamentava uma nova forma de se portar. Ficou determinado e evidenciadas as armas preferenciais: Melosa usaria chobos, Ephiny a espada curta, Assoyde o arco, Solari o bastão e Eponin os punhais. Assim, seria ao menos duas horas no dia o treinamento específico desde a quinta noite em terras do norte por ordem de Cyane. O arvorismo estava na ordem do dia e seguir pistas era prioritário. A caça se tornou obrigação das cinco jovens que passaram a dormir apenas quatro horas initerruptas e o que mais conseguissem durante o dia e muitas vezes a fome e a sede foram suas companheiras. Após a caçada o esfolar a presa e preparar a carne era função de uma delas alternadamente. Não sairiam das terras do norte sem este conhecimento. Patro mostrou-se uma grande mestra e era no convívio que tinha sua maior arma para o ensino. A lua foi encontrá-la sobre o posto de observação acompanhando uma Eponin cada vez mais encantada com os costumes do norte.
-Tu tens andado muito calada Eponin. Algo a preocupa?
– Não sei se o que sinto é apropriado Patro. Estou cada vez mais interessada nas armas e tudo que envolve isso. A maneira como Slyana utiliza o tempo no manejo das armas curtas é impressionante e é útil na caça como na defesa. Espero aprender o suficiente para continuar meu treinamento quando retornar à Tracia.
– Isso é louvável Eponin e os indícios de observação que aprendeste até aqui já será útil na jornada de retorno, mas não é isso que a preocupa. Queres partilhar teus pensamentos? Sinta-se livre para isso.
– O que nos foi ensinado esta tarde sobre esfolar… realmente falavam de uma pessoa?
– Desligar a pele do corpo, sem ferir a carne requer muito treino. Existem maneiras de se obter informações ou justiça que são mais cruéis que isso Eponin. Temos de ter em mente as amazonas que salvamos se utilizarmos este processo.
– O que alguém teria de fazer para merecer um tratamento tão violento? Não me entenda mal Patro, eu o faria se fosse necessário, mas que crime mereceria tal punição?
– Qualquer um que a rainha decidir assim. Esta é a maneira pela qual nós temos nos estabelecido nestas terras por gerações. O batismo de sangue tem sentido quando é no sangue das gerações passadas que firmamos nosso modo de vida e nossa liberdade. Sem esta luta poderíamos ser escravizadas ou transformadas em objetos como ocorre nas cidades onde o homem comanda. Nossa força também é vida, alegria e vitalidade Eponin. Ser guerreira é muito mais que lutar para não morrer.
– Eu sei, mas me parece tão errado. Parece coisa de Hades ou Ares e não das filhas de Artemis.
– Assim é a vida da guerreira Eponin, mas há algo mais. Fique certa que o que disser aqui será apenas entre eu e tu. Tomo Artemis como testemunha.
Eponin mediu a sinceridade de sua orientadora e jogou os cuidados ao vento. Já havia prometido a si mesma que não deixaria passar a oportunidade se ela surgisse.
– Quando estou perto de ti meu corpo treme. Muitas vezes perco o foco e esqueço das instruções prestando atenção apenas no som de tua voz. Fico imaginando como seria se nós tivéssemos criado o momento mágico em que deixaria de ser uma cria e formasse com as guerreiras da tribo.
– Eu não tenho paciência com iniciantes Eponin. Este momento deve ser mágico para ambas as mulheres e não um espaço onde uma guiará e a outra será guiada. Realmente eu não sou boa pra isso. Provavelmente haverá momento em que Suaguini será ofertado e tu poderias te arrepender de não ter esperado.
– Falei com a princesa Melosa e ela não se opõe. Eu não sou iniciante. Não tenho vasta experiência, mas suaguini se deu pouco antes de alcançarmos tuas terras. Eucadia me disse que uma guerreira sabe o momento de segurar e o momento de lançar o punhal e que é somente dela a decisão. Eu te quero Patro, quero como nunca quis nada na vida.
– Tu és jovem e tua vida é muito curta para teres esta medida. Espera para tomares a decisão com o coração livre.
– Eu estou livre. Posso morrer hoje. Posso morrer amanhã e não terei vivido ou experimentado coisas que apenas o reino de Afrodite nos trazem. Quero experimentar contigo.
– Veremos. Termina teu turno de observação e se teu desejo ainda se mantiver, vá ter comigo junto as pedras na beira do lago atrás do terreno sagrado.
– Estarei lá. Espere por mim que estarei lá.
– Veremos Eponin, veremos.
Patro entra na cabana que dividia com Slyana parecendo um vendaval.
– O que está acontecendo Patro? Teu potro fugiu novamente?
– Antes fosse Slyana. Aquela morena que veio da Tracia está querendo que eu a conduza no campo de Afrodite. Ela está cheia de ideias românticas e desejos. Cyane não verá com bons olhos eu deitar com uma amazona que me foi confiada para orientar. Estou na caça de campo sem cavalo isso sim.
– Fale com Amarice. Certamente ela terá algum conselho para lhe dar nesta situação. O que você fez?
– Já falei com a capitã e ela autorizou duas noites de aprimoramento nas cavernas. Marquei com a menina no lago quando terminar seu turno de guarda. Se tem idade para lutar, tem idade para ser feliz.
– Entre elas como será? Suaguini? Ela é tão jovem.
– Creio que não será problema. Ela é muito dedicada e tem tempo e tamanho pra isso. Sua princesa autorizou. Ela quer, então vou fazer as honras.
O nascer do sol encontrou uma Eponin ansiosa adentrando a margem do lago. Não demorou muito Patro chegou puxando dois cavalos pelo cabresto.
– Vamos Eponin, quero te levar onde os céus encontram a terra.
Cavalgaram em direção às montanhas e uma cadeia de montanhas era vista até sumir no horizonte. De igual forma o planalto se fazia notar ao longe.
– Esta é nossa terra e nos abriga tanto na guerra quanto na paz Eponin. Venha comigo.
Uma caverna na encosta da montanha deixava claro que não era a primeira vez que Patro usava o local. Uma fogueira já estava armada e velos colocados estrategicamente ao fundo faziam saber ser esta a Caverna de Afrodite que tanto Eponin ouvira falar.
– Ao fundo tens uma fonte. Banhe-se e venha pra cá usando esta toalha ou não. É tua a escolha.
– Certo.
Enquanto Eponin ia se banhar, Patro providenciava algo de alimento para ambas. Eponin voltou pensando em como iriam driblar o frio que começava a dar sinais de sua presença e como fariam a segurança de um lugar tão amplo e longe da aldeia.
– Cuide para que o assado não queime de um lado enquanto eu vou até a fonte e não te preocupes que o caminho está guardado. Breve estarei de volta.
Foram duas noites e dois dias em que ambas as mulheres visitaram o Reino de Afrodite. Patro estava descobrindo o prazer de tocar um campo nunca antes cultivado, pois certamente a experiência de uma noite com Melosa não qualificava Eponin com a mais requintada das amantes. O que ela não tinha em conhecimento superava em muito com entusiasmo e dedicação. Todo seu corpo estava alerta para os sinais de sua companheira e os vários toques possíveis e posições alcançáveis a jovem amazona grega estava descobrindo e oportunizando. Certamente as filhas de Artemis honraram Afrodite. Eponin encontrou com Melosa e suas irmãs trácias duas marcas antes do almoço do terceiro dia. Eucadia sabia impossível, mas Eponin parecia meio pé mais alta e com as costas ainda mais largas. Sua postura modificou, seu andar era mais forte e suas mãos não paravam de fazer bailar o punhal. Algo havia ocorrido. Ela estava mais segura, decididamente mais feliz e mesmo que não falasse nada era nítido que alguma coisa havia mudado Eponin para melhor. Seja lá o que Patro dirigiu a jovem morena a fazer, despertou nela uma segurança e foco que ainda não havia nas demais componentes da comitiva. Nem Melosa havia alcançado tal desempenho. Na manhã do quinto dia da lua crescente, Melosa havia sido convocada à cabana de vapores da Rainha Cyane e todas as amazonas dispensadas. A guarda de Melosa estava em treinamento com a mestre de armas quando Eucadia viu a jovem princesa encaminhando-se para lá e o movimento de debandada que dali partiu chamou sua atenção. Fazendo um sinal para sua acompanhante, Eucadia abandonou a área de treinamento e deu uma corrida até o local sendo barrada por uma Irina que já a aguardava escorada no portal de acesso, enquanto Amarice fazia um sinal circular com a mão direita e a guarda real fechava o perímetro da cabana de vapores.
– Onde é o incêndio Eucadia?
– O que está acontecendo aqui? Por que estão todas se afastando e está sendo fechado o perímetro?
– Ordens da rainha: somente ela e a princesa na cabana. Até as atendentes saíram.
– Não vou ficar parada e ver Melosa ser utilizada para conforto de ninguém e não chame sua espada Irina, pois você não é páreo pra mim. Nem você Amarice.
– O perímetro da cabana está sendo feita pela guarda, mas não temos permissão para levantar contra as visitantes Eucádia e sabes disso. Pretendes ignorar a rainha? Amarice não permitirá, nem que tenha de responder por suas ações mais tarde.
– Saia da minha frente Irina e eu irei impedir o que estiver acontecendo lá dentro, nem que eu tenha de responder por minhas ações mais tarde. É como tem que ser.
Irina se desencosta do portal e olhando para Amarice dá um sorriso ao divisar Patro junto à capitã da guarda real. A guarda abre espaço para um avanço resoluto de Eucádia que tem sua passagem bloqueada por quatro amazonas de sua própria tribo.
– Eu sinto muito mamãe, mas você não passará . Estas são nossas ordens e juro pela Caçadora que seja o que for que está para ocorrer na cabana de vapores irá transcorrer sem interrupções. Mirem nos joelhos.
Uma Ephiny empunhando uma espada barra o caminho de Eucádia, seguida por uma Solari com seu bastão ladeada por uma Eponin armada com dois punhais e por uma Assoyde empunhando um arco de curta distância um pouco mais afastada . A seriedade das jovens deixava claro que não era um exercício e ela conhecia sua filha o suficiente para saber que ela não estava blefando.
Elas ficaram frente a frente imóveis por muitas contagens até que Eucádia afastou-se andando para trás alguns passos voltando a seu treinamento sem olhar pra trás e cinco marcas de vela depois Melosa e Cyane saíram da cabana de vapor em direção ao campo de treino sem se aperceber da tensão que pairava entre suas súditas.
Cyane rapidamente convida Eucadia para um treinamento mão a mão tendo seu convite imediatamente aceito antes que Slyana fizesse qualquer gesto para impedir.
Foi uma luta veloz e violenta. Os golpes de Eucádia não eram moderados e buscavam sempre as pernas da rainha das Estepes. Apenas a grande forma física de Cyane conseguiu mante-la afastada dos chobos que a guarda manipulava com perfeição e Melosa entrevia no olhar de Eucadia algo mais que simples concentração de treino. Por uma marca de vela o ritmo não esmoreceu e Cyane resolveu por fim à contenda. Afastando-se o suficiente para não ser atingida ela levanta a mão direita e faz o sinal que interromperia a luta. Eucádia abaixa os chobos mas não tira o olhar da Rainha das Estepes.
– Foi uma boa luta Eucádia e vejo que a Tracia esta produzindo guerreiras de valor como sempre. Descansa agora e nos veremos no jantar. A ordem de separação está revogada, vocês podem interagir como bem desejarem. Vamos Slyana e tu Amarice treine Melosa por meia marca, mas não use este ritmo de combate’.
Com estas palavras Cyane dirige-se à cabana cozinha para tratar de outras diretrizes com o Conselho.
Passaram-se cinco noites e na última manhã a comitiva para o porto estava preparada. Usariam a cidade portuária de Uriev na Cólquida que levaria até o porto de Abdera. Dali seguiriam a cavalo. Patro, Slyana e a jovem Kantua seguiriam até a Tracia e lá ficariam até serem chamadas de volta.
– Sigam com as bênçãos da Caçadora e lembra-te sempre Melosa que devemos seguir os ditames de Artemis ao guiar seu povo, mesmo que doa em nosso coração. Fiquem bem.
– Seguiremos com o povo das Estepes em nossos corações e os ensinamentos de sua grande rainha se farão notar na Tracia. Fiquem bem majestade e que a Caçadora possa sempre brilhar seus caminhos.
Assim foi o encontro de duas gigantes do povo amazona e neste encontro que firma a amizade e a unidade da Nação fica claro que a Caçadora faz conhecer seus desígnios e eles são exercidos na terra.
Por vários instantes se ouvia apenas o respirar dos presentes até que uma salva de palmas que mais parecia ter o Tonante trazido seu poder a terra se estendeu por várias contagens. Silvos, assovios, batidas na mesa e todo som que pudesse demonstrar o apreço pela história recém ouvida deram esperança e alegria ao coração da barda.
Gabrielle ergue sua mão e o barulho vai diminuindo até não ser mais ouvido.
– Foi uma grande história esta e sua maneira de contar traz a certeza que os diretores da Academia de Bardos de Atenas estão loucos em deixar partir tal talento. Farei tudo ao meu alcance para que tenham a acolhida merecida neste centro de aprendizado, mas garanto que nos templos de Artemis vocês terão palcos abertos para serem ouvidas sempre que desejarem. Basta tratarem com a Sacerdotisa local e este é um decreto para todo o Império e Nação Amazona.
Novamente as palmas ecoaram e as lágrimas que escorriam pelo rosto das jovens davam a medida de sua felicidade.
A recepção terminou sem mais surpresas e a Sacerdotisa de Artemis em Corinto ficou aliviada de saber que agora o tesouro do Império iria prover de recursos as atividades usadas para auxiliar os necessitados e não apenas junto ao templo de Atena.
Tamar foi agraciada com um colar e a certeza de que onde precisasse encontraria nas amazonas auxilio e conforto e uma princesa muito preocupada sentiu uma ponta de tristeza ao pensar que seu amor estava demorando muito em voltar. Queria Xena em seus braços o quanto antes.