Ambas jovens entraram na sala, e ali se encontraram com Isabel e Sebastián dançando uma música lenta em um canto da sala. Nem se quer perceberam a presença das jovens, os viam muito cômodos e felizes, na realidade faziam um belo par.

A convidei a vir comigo? Merda. Por que me ponho tão estúpida com ela? Nada de amizades eu disse.

-Não acha que fazem um belo par? – Xênia olhou para o lugar onde Gabriela indicou.

-Se você diz.

-Não acha? – Gabriela a olhou incrédula.

-Para mim dá no mesmo, na verdade você vê beleza em tudo.

-Não acredito que tenha dito isso, e que me diz da química? A onda que podem ter duas pessoas? Uma não tem química com todos.

-Eu não tenho química com ninguém, isso quer dizer que não me daria bem com ninguém? – Xênia se encolheu os ombros enquanto acendia um cigarro.

-Você não quer ter química com ninguém que seja diferente, quando encontrar alguém com quem a tenha não poderá negar. – Seus olhares se cruzaram por um instante.

-Sabe? Estou um pouco farta desta música e esses dois armando escândalos, acho que vou dormir. –Xênia fez um gesto de ir para seu quarto.

-Mas ainda é muito cedo.-Xênia sentiu a mão de Gabriela tomá-la pelo braço. Virou-se até ela e a loira desfez em seguida o contato.

-Me dê uma boa razão para eu ficar acordada e eu fico. – Os olhos azuis se cravaram nos da jovem mais baixa com interesse enquanto cruzava os braços.

-Bem…-Gabriela começou a gaguejar- Poderíamos dançar um pouquinho, ou conversar. –Os olhos verdes olhavam fugazmente a jovem mais alta. Ou eu poderia ler as cartas se você quiser.

-Dançar? Eu não danço. Conversar? Já está estamos fazendo isso todo esse tempo e ler as cartas? Por acaso me dirá o dia de minha morte? Porque se for assim para mim não faz diferença morrer amanhã ou hoje mesmo. – Os olhos verdes a olharam com desilusão.

-Por que sempre todos relacionam o tarot com o dia de sua morte? Detesto isso, suponho que não posso lhe oferecer nada que seja de seu interesse. – A jovem loira se sentou enquanto observava Sebastián e Isabel. Xênia sentiu como se rompesse esse pequeno laço que havia criado entre elas.

-Vem comigo. – Xênia estirou a mão para Gabriela, esta a olhou receosa enquanto a tomava entre a sua.

Que merda suponho que estou fazendo? Por que tenho que me importar com essa garota?

-Aonde vamos? – Xênia não soltou a mão de Gabriela por alguns instantes.

-Conversar. Não era isso que você queria? Além disso, acho que você na realidade é a única que pode me oferecer algo interessante. Eu disse isso? – Seus olhos azuis viraram para se encontrar a uns verdes olhando-a com atenção, conseguiu perceber um sorriso formando-se nesse rosto, nesses olhos. Eram lindos sem dúvida, eram…Tinham uma doçura que os fazia irresistíveis, como que a essa pessoa que não se podia negar nada que pedisse, como se fossem familiares, verdadeiros. Havia algo na jovem loira que a estava atraindo perigosamente. Há tempo havia aceitado sua condição sexual, e não podia negar que a jovem era linda, mas estando ali, debaixo dos olhos de milhões de pessoas, não podia arriscar-se a começar a sentir algo por ela. Começar a sentir? Ou já estava sentindo algo diferente por ela. Xênia…Nem se quer sabe coisas importantes sobre ela.

-Gabby, quer dançar comigo? – A voz de José a tirou de seus pensamentos, e se deu conta que havia ficado olhando por muito tempo Gabriela.

-Mais tarde, está bem? – Gabriela lhe deu um efusivo abraço e um beijo no pálido jovem.- Agora vou conversar um pouco com Xênia, logo volto.

-Posso lhe acompanhar? – O jovem reconheceu a cara de fastidio em ambas. – Está bem, converse de mulheres, já entendi a indireta. – José dirigiu-se até o par que dançava. Olá meninos querem companhia?

-Conversa de mulheres? Que merda é isso? – Xênia olhou para Gabriela levantando uma sombracelha.

– O que vamos fazer você e eu, suponho. – Gabriela sorriu e ambas se dirigiram ao quarto que Xênia estava compartilhando com José.

Você e eu…Soa bem…Chega Xênia!

 

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-Posso lhe fazer uma pergunta? –Gabriela olhou timidamente Xênia que nesse momento estava trocando um cd.

-Sim, pode, agora se vou responder ou não é outra coisa. – Xênia lhe devolveu o olhar tão inexpressivo como Gabriela havia visto todo esse tempo. Havia momentos, instantes em que lhe parecia ver alguma emoção nesses olhos azuis, mas nunca estava realmente segura.

-Por que entrou nisso? Se gosta tanto de manter sua vida privada somente para você, não entendo por que está aqui.- Gabriela viu a figura de Xênia se aproximando da cama sobre a qual deitou. Finalmente seus olhos azuis pousaram na jovem loira.

-Pelo dinheiro. – Disse francamente.

-Só pelo dinheiro? E sua vida? Logo que saia daqui todos vão lhe conhecer e adeus vida privada.

-Logo que sair daqui vou embora do país, assim dá no mesmo. – Seus dedos largos começaram a alisar uma ruga no cobertor.

-Vai embora? Para onde? – Gabriela sentiu uma pontada no estômago e a sensação refletiu em sua voz. Sentiu o poder do olhar de Xênia em seu rosto, e começou a se sentir realmente coibida. Deixa de ser tão expressiva, por deus, até quando.

-Para o Canadá, tenho uns amigos lá que me ofereceram hospedagem pelo tempo que eu quiser.

-Mas, por quê? Ou seja,…Quando decidiu isso? – Sua voz seguia delatando-a e nem se quer estava certa por que sentia esse estranho sentimento.

-Já tive vontade de ir a mais tempo, então fiquei sabendo do reality e decidi tentar a sorte, já sabe quanto nos vão pagar. De qualquer forma, me sinto péssima por isto, me dá vergonha. – Os olhos azuis olharam Gabriela.- E você? Perdão, mas você tampouco é do tipo que gosta de aparecer, não é como Carla ou Andrés, por exemplo.

-Você vai rir quando lhe disser.-Gabriela corou levemente ao recordar o porquê de estar ali dentro, não somente da aposta, senão que teria que ser honesta consigo mesma e aceitar que Xênia influenciou na decisão final. Claro que isso não ia mencionar.

-Eu já lhe disse os meus motivos, agora é justo que você também me diga. – Xênia pressionou vendo a hesitação da jovem.

-Minha irmã me desafiou dizendo que jamais me aceitariam em algo assim. – Gabriela escondeu a vergonha bebendo coca-cola de um copo.

-Sua irmã lhe desafiou e por isso está aqui? – Xênia começou a rir com vontade.

-Vai, não ria, será que não vê que me sinto bastante envergonhada não me enfie mais a faca. – Gabriela deu pequeno empurrão na jovem mais alta.

-Hey! Sem agressões. – Xênia levantou uma sombracelha ameaçadoramente.

-Está me ameaçando? – Gabriela levantou com as mãos na cintura, seu vestido estava um tanto enrugado nessa hora, e sua fita de cabelo estava meio frouxa.

-O que você pensa? – Xênia ficou a escassos centímetros da jovem mais baixa. Vendo-a assim tão perto, com semelhante altura, seu escuro cabelo bagunçado observando esse rosto privilegiado, e esses olhos azuis, Gabriela só pode pensar em uma palavra “deusa”.

-Não vale isso, estou descalça. – Gabriela tinha que levantar a vista para ver a cara de Xênia.

-Eu também estou. – Seus olhares se mantiveram por alguns segundos.

-Acho que é melhor eu me sentar, já vi três vezes suas façanhas com os maus, não gostaria de ser alvo da sua fúria. – Gabriela sorriu levantando os braços em sinal de redenção.

-Covarde.

-O que foi que você disse? – Gabriela tentou levantar uma sombracelha, sem conseguir o resultado esperado.

-Disse que é tarde. – Xênia a olhou com um gesto de inocência em seu rosto.

Está baixando suas defesas Xênia, está me mostrando outra parte sua, e eu gosto.

-Sim, mas nunca é muito tarde para um pedacinho de torta, me espere aqui, volto num piscar de olhos. –Gabriela mostrou um sorriso travesso, levantou e saiu pela porta.

 

-Será que não se cansa de comer? – Xênia observou Gabriela levantar a colher a boca carregada com um pedaço enorme de torta de chocolate.

-É a minha favorita. – A jovem loira disse com a boca cheia. – E não, nunca me canso de comer, e você? Não se cansa de fumar?

-Fumar? Se apenas fumo. – Xênia recebeu um olhar de “sim, como não” da loira. – Mas é isso aí. – Encolheu os ombros.

-Sabe quantos já fumou enquanto estávamos aqui? – Xênia fez contas mentais.

-Dois?

-Dez isso é bem mais que dois, não acha?-Gabriela mostrou dez dedos a Xênia a centímetros de sua cara.

-Tenha cuidado com essas mãos, elas podem arrancar um olho de alguém.

-Já me disse isso, e na verdade não gostaria de ficar com um olho seu grudado no meu dedo. – Gabriela fingiu um tremor no corpo que para Xênia pareceu mais que terno.

Que merda, que acontece comigo com ela, umas horas de conversa e já aceito que me empurre e até encontro ternos seus gestos?

-Sabe, agora sim está tarde, agora eu quero dormir. – O tom de Xênia mudou e Gabriela a olhou surpreendida, como decidindo se dizia de verdade ou não.

-Bem, se você quer. – Xênia percebeu um pequeno toque de desilusão em sua voz.

-Espera. – Gabriela voltou com um gesto que para Xênia parecia de renovado entusiasmo. – Não se esqueceu de algo?

-O quê? – Disse a loira logo depois de pensar o que poderia ser.

-Aí estão meus cds, procure o que lhe disse hoje à tarde.

-Ah, sim! – Gabriela virou e deu um pequeno salto antes de voltar a sentar-se na cama de Xênia com o estoque de cds que a morena lhe passou.

-Veja você mesma, mas logo vou ver também os seus.

-Claro. Vejamos que temos aqui. – Os olhos de Gabriela mostravam entusiasmo e curiosidade. -Fiona Apple. Vai me dizer qual é sua canção favorita dela. – Olhos azuis alçaram pensativamente. – Bem, pode me dizer daí, pense por enquanto. Alanis Morissette, os desta eu tenho eu gosto muito. – Seus olhos se elevaram com emoção cada vez que encontrava algum cd que gostava. –Rasputina? Que tipo de música é esta? – A loira lhe mostrou o cd com um gesto de pergunta.

-Por que não leva e não vê por si mesma? É música como hardcore com violoncelos e uma cantora, é belíssimo.

-Soa interessante, ok eu levo. Vamos ver o que mais temos aqui. – Xênia sorria enquanto veia o entusiasmo de Gabriela, e a expressão de concentração em sua cara enquanto ia passando cada cd, franzia o cenho quando se concentrava em algo. Era um fato, lhe caia bem, e a estava deixando por mais que não quisesse, entrar em seu mundo.

-Leve todos os que quiser, você tem cara de ser curiosa.

-Você está louca? Os cds não se emprestam. – Logo meditou no que acabava de dizer. Bem, talvez pra mim…- Xênia não pôde segurar um sorriso no rosto. Viu que Gabriela a olhava com interesse e também sorria.

Mas que merda, estou sorrindo para ela a cada minuto, que está acontecendo? Xênia acendeu outro cigarro, viu Gabriela lhe dar uma olhada e logo voltar a se concentrar nos cds, enquanto movia sua cabeça em negação.

-Que foi? O que tanto nega? – Xênia levantou uma sombracelha.

-Nada. –Os olhos verdes lançaram um olhar no cigarro na sua mão e voltou a sua tarefa.

-Já os encontrou?

-Espere, ainda não. Aqui estão. – O rosto de Gabriela se iluminou completamente. Para Xênia ela lhe pareceu mais linda ainda, era tão natural.

Merda…

-Já achou?

-Sim, mas aqui lhe faltam muitos, só estão os dois últimos e os outros? – A morena viu como a jovem loira a olhava com uma expressão de serenidade no rosto.

-Você é comediante? Por acaso eu tenho a obrigação de ter todos os cds de Red Hot Chili Peppers?

-Para mim sim. – Seguiu repassando o resto dos cds.-Então prefere as vozes femininas, eh? Empresta-me esses? –Lhe mostrou vários cds.

-Vamos ver o que você escolheu. Vou lhe recomendar algum de Bjork não pode não ouvir, toma este, é seu segundo disco, é meu favorito.

-Amanhã se quiser pode ver os meus e escolher algo de seu gosto. – Xênia acenou com a cabeça. – Já pensou qual é sua canção favorita?

-Sim, estou entre duas, Never é a primeira e Sullen Girl.

-Pela letra ou pela música?

-Ambas. E a sua qual é?

-Não posso dizer que todas?- Xênia moveu a cabeça. – Ok, então seria Soul To Squeeze. – Disse depois de meditar. Gabriela levou um dedo ao queixo e fazia uma expressão com a boca cada vez que pensava em algo.

-Não conheço. Pela letra ou pela música?

-Ambas, e certamente conhece sim, só que não por nome. Bem creio que já vou.

-Eu também saio, vou ao banheiro. –Xênia agarrou sua escova de dentes e a mostrou a Gabriela.

-Vermelha? Minha cor favorita.

-Não é a minha, mas não tinha de outra cor quando comprei. – Xênia encolheu os ombros.

Ambas saíram do quarto, e uma música soou em seus ouvidos. Na sala estavam Carla e Andrés, a primeira estava dançando sedutoramente sozinha, enquanto Andrés morto de bêbedo estava jogado no sofá rindo enquanto aplaudia freneticamente. Nem Sebastián nem Isabel se viam em nenhum lugar, certamente já tinham ido dormir a algum tempo. José chegou ao lado de ambas.

-Já posso dormir? – O jovem lhes disse entre bocejos. Ambas se olharam sentindo-se culpadas.

-Aii meu menininho, pobrezinho. – Gabriela o abraçou consolando-o enquanto cuidava de não derrubar os cds. -Você deveria ter nos dito que queria dormir tonto. – Lhe deu um empurrão, ao qual logo se dirigiu ao quarto que estava compartilhando com Xênia, parecendo um sonâmbulo.

-Até amanhã garotas. – E entrou dentro do quarto.

Gabriela entrou em seu próprio quarto e saiu em seguida com sua escova de dente na mão.

-Veja. A minha também é vermelha. – Gabriela colocou a pasta na escova e começou a escovar os dentes enquanto olhava no espelho do banheiro. – Detesto lavar os dentes.- disse com a boca cheia de pasta.

-Com tudo que você come, deveria lavá-los a cada 20 minutos. – Xênia a seu lado estava concentrada na tarefa de escovar seus próprios e brancos dentes.

-Engraçadinha. – A loira cuspiu a pasta e lavou sua escova.

-Xênia meu coração, que fez todo este tempo? – Ao sair do banheiro ouviram Andrés gritando-lhes da sala. A jovem morena o olhou com fastidio.

-Não viu querido? Estava compartilhando seu quarto com a loirinha. – Carla passava seu olhar entre Xênia e Gabriela enquanto sorria amplamente.

-Compartilhando? Por que não vem compartilhar um pouquinho do seu tempo comigo Xênia, venha vamos dançar um pouco. – Andrés tentou levantar-se, mas as pernas não lhe respondiam.

-Aii Andrészinho não se incomode, não vê que você não é o tipo de Xênia? –Carla falava com seu costumeiro tom de voz lascivo, dirigiu um olhar de zombaria a Xênia, para logo cravá-lo em Gabriela quem a olhava sem entender o que a ruiva estava tentando dizer com esse olhar.

Filha da puta.

Carla recebeu uma olhada assassina de Xênia, a qual seguiu dançando sem se dar por aludida.

-Amanhã nos vemos, durma bem. – Gabriela hesitou se dava um beijo de boa noite a Xênia ou não.

-Boa noite. – Xênia adivinhou a intenção de Gabriela e abaixou um pouco para sentir o beijo da loira em seu rosto. O toque dos lábios em sua pele foi fugaz, mas a morena percebeu a suavidade deles, sentiu algo no seu estômago, sentia que este se apertava, e seu coração começou a acelerar-se. Sentiu-se confusa, rapidamente abriu a porta de seu quarto, onde José já dormia profundamente e a fechou detrás dela.

 

 

 

-Eu não penso em limpar nada. Captas? – Carla se dispunha a sair para o jardim, enquanto Sebastián tentava persuadi-la a ajudar a organizar um pouco a casa.

-Você e Andrés foram quem fizeram a maior desordem à noite, o mais justo é que cooperem em algo. – A suave voz do jovem soava mais a uma súplica que a uma ordem.

-Justo? Quem lhe disse que a vida é justa? Não me aborreça. – Carla ajustou à canga que cobria a parte inferior de seu biquíni preto, colocou os óculos de sol e saiu para o jardim, os raios solares refletiam em sua pele branca.

-Você, venha aqui. – Uma mão agarrou fortemente em seu braço e a ruiva se encontrou frente a uns olhos azuis olhando-a fixamente.

-Ouch! Isso doeu. Esfregou o braço aonde lentamente iam desaparecendo umas marcas vermelhas em forma de dedos na sua pele.

-Vai ajudar como todos a limpar esta desordem ouviu? – Xênia a olhava severamente, sua voz soava grave.

-Aii Xênia, está me dando ordens? –Um sorriso de deboche cruzou os lábios da ruiva. –Se você não sabe ninguém me dá ordens. – Os olhos castanhos de Carla viajaram pelo corpo de Xênia quem vestia uma bermuda e uma camiseta justa.- Ainda não sei. –Sua vista vagou ao redor. –Que acontece se eu não ajudar? Me açoitará? – Pões uma mão na sua cintura e começou a deslizar um dedo por seu peito enquanto observava o rosto da morena provocativamente.

-Vai ajudar e pronto. – Os olhos de Xênia se entrefecharam perigosamente.

-Bem, mas só porque você me pediu. – Carla caminhou diante de Xênia, voltou seu rosto para morena e piscou um olho.

-Como trouxe esta com você? – Sebastián se aproximou de Xênia enquanto ambos observavam a ruiva que começava arrumar a desordem fazendo exagerados movimentos.

-Não importa, o importante é que está limpando. – Xênia encolheu os ombros e se dirigiu a cozinha.

-Como dói minha cabeça! – Andrés saia nesse momento de seu quarto, agarrando a cabeça com ambas as mãos.

-Isso acontece porque bebeu igual a um condenado. –Gabriela saia do banheiro, com uma toalha na cabeça.

-Você. – Xênia surgiu da cozinha e apontou com um dedo ao jovem moreno. –Vai limpar com sua amiguinha Carla, a vassoura está lhe esperando.

-Mas, nós homens não limpamos, eu jamais fiz isto, isso é trabalho para vocês mulheres. – Uma expressão de arrogância cruzou seu rosto.

-Pois a partir de hoje começará a fazer então. – Xênia repetiu o olhar com o jovem. Andrés levantou as mãos em sinal de rendição e se dirigiu a sala.

-Está bem, está bem.

-Olá? Como dormiu? – Gabriela afastou o olhar de Andrés e se encontrou com os já conhecidos olhos azuis observando-a. Um sorriso cruzou por seu rosto.

-Bem. E você?

-Bem, estava aqui preparando um café embora já sejam mais de meio dia.

-Posso lhe acompanhar? – Gabriela hesitou um pouco, sentia essa sensação estranha que vinha logo que dividia muito tempo com alguém, e não estava certa que a próxima vez que o visse voltaria a dar-se a química.

-Não vai secar o cabelo? – Xênia apontava com um dedo a toalha que Gabriela levava na cabeça.

-Logo, agora tenho muito apetite, e de toda maneira não gosto de usar secador, queima muito o cabelo.

Ambas ingressaram na cozinha. Xênia serviu duas xícaras de café e se sentaram frente a uma mesa.

-Sabe? – Gabriela deu um bom gole em seu café. – À noite fiquei ouvindo os cds que você me emprestou.

-E? – Xênia estava mordendo um pedaço de pão.

-Eu gostei muito. Sobretudo do Bjork, tinha toda razão. – Gabriela agitava suas mãos dando ênfase às frases.

-Viu? Eu tenho muito bom gosto. – A morena passou um guardanapo por seus lábios.

-Bom gosto para tudo? Oh oh creio que essa pergunta ela não gostou. Está me olhando tão fixamente.

-Para tudo? O que quer dizer com tudo? – Os olhos azuis não mostraram nenhuma reação.

-Já sabe, rapazes. Não vai me dizer que não tem uma fila de homens atrás de você, certamente se diverte escolhendo. – Gabriela apontava graciosamente com um dedo e uma expressão travessa em seu rosto.

-Me divirto? Por que eu teria que me divertir?

-Ah e não faz isso? A loira deu uma palmadinha em seu braço. Você é tão bonita, alta, olhos azuis, é muito atraente de verdade. – Xênia a olhou diretamente nos olhos e Gabriela se arrependeu imediamente de ter dito a última frase. Sentiu um leve rubor crescendo em suas bochechas. Eu e minha bocarra, agora o que vai pensar de mim? Manera Gabby. – Lhe digo com boa intenção, ou seja…Quero dizer…Como amiga. – Gabriela ocultou seu rubor detrás de sua xícara.

-Sei de que forma me diz, e obrigada pelo elogio. – Xênia afastou o olhar da jovem loira. -Assim como amigas…

-Só se você quiser. Então? Como está esse seu coração? Tem alguém na sua vida?

-Bem,…-Sentiu que Xênia hesitava um pouco.

-Olá, meninas. Como dormiram? – José apareceu na cozinha nesse instante, se aproximou da mesa onde elas estavam.- Hummm, que delícia, estou com muita fome, me dá um ladinho aí?

-Olá José, agora é tão velho como eu. – Xênia quase agradeceu a interrupção do jovem.

-E você? Por que está me olhando assim? Estão ocupadas? – José passou o olhar entre a morena e a loira.

-Assim como? –Gabriela colocou seu melhor sorriso de inocência ao sentir o olhar de Xênia sobre ela.

-Não sei, assim como que “não é bem-vindo José”.

-Ai não seja tonto, é só imaginação sua. – Lhe deu um pequeno empurrão, sem se atrever a olhar a Xênia.

Tenho de deixar de ser tão expressiva.

 

——————————————————————————————————————————————

-Que aconteceu? Você está bem? – Gabriela se abaixou e se colocou ao lado de Isabel e esta parecia estar chorando.

-Sim, estou bem, não se preocupe. – Isabel esquivou o olhar da jovem loira.

-Hey, não me diga que está bem, se está chorando. – Sua mão branca levantou o queixo da jovem magra.

-É só que tenho saudades de meus pais. – disse Isabel.

-Sinto muito, mas não acredito. – Os cálidos olhos de Gabriela olhavam incrédulos a jovem. – Vamos confie em mim.

-É… É que meus pais estão aborrecidos comigo, acabo de falar com eles. – Isabel baixou o olhar até suas mãos que descansavam em seu colo.

-E por que estão aborrecidos com você?

-É que.

-Olá meninas. Querem a companhia de um varão? – Andrés põe suas mãos ao redor da cintura de Gabriela.

-Solte-me, e nos deixe em paz, estamos ocupadas. –A loira empurrou o jovem.

-Uy melhor que me vá, não vou gostar se sua defensora venha e me agarre o pescoço de novo.

-Me dizia? – Gabriela concentrou sua atenção em Isabel, que continuava soluçando.

-Me disseram que estão envergonhados de mim. – Isabel rompeu em pranto novamente.

-E por que disseram isso? – A voz de Gabriela soava suave enquanto acariciava o cabelo da jovem.

-Já estreou o primeiro episódio do programa. Sabia?

-Já? Não tinha idéia. – A jovem loira a olhou surpreendida.

-Sim, é que…Eles são bons, me querem muito. – Isabel escondia sua cara entre suas mãos.

-Claro que lhe querem muito. Você é uma boa jovem e…

-Não sou boa, não sou suficientemente boa, lhes prometi…Prometi-lhes que não ia os envergonhar.

-Mas, o que você fez de tão mal? – Gabriela a olhava com espanto.

-Meus pais são pessoas boas, para eles é muito importante à igreja, e para mim também, desde pequena me ensinaram a fé e o amor por nosso senhor Jesus Cristo. Quando eu me inscrevi para isto, fiz com a intenção de trazer a mensagem da Bíblia para os jovens que viveriam nesta casa, como prometi a meus pais.

-Trazer uma mensagem? – Gabriela a olhava incrédula.

-Sim, meus pais disseram que a juventude está corrompida, que ninguém vai mais a igreja que é a casa de Deus, que os jovens andam pecando pela vida a cada minuto, e que alguém tem que guiá-los pelo bom caminho.

-E você? Pensa da mesma forma?

-Claro que penso. – Isabel a olhou indignada. – A igreja é a coisa mais importante para mim na vida. – Voltou a romper em pranto. – Mas em vez de lhes dar a boa mensagem, me disseram que ando me comportando como uma rameira brincando com Sebastián em todo lugar, que passo rindo, comendo e paquerando com os homens, que se envergonham de mim.

-Quê? Isabel, isso não é verdade, você é uma boa pessoa, faz coisas normais para todos os jovens da sua idade.

-Vê? Você não entende. Eu sei que diz a palavra de Deus, sou encarregada de lhes dar a mensagem.

-Acalme-se, assim não são as coisas. Por que entrou aqui? Se seus pais são tão religiosos não entendo que estejam de acordo com isto.

-Eles me disseram que para entrar, que minha missão era vir e falar sobre a Bíblia e a igreja, que eles estariam muito orgulhosos de mim se me vissem fazendo isso diante de toda a juventude chilena.

-Mas não tinha que entrar no reality para entregar uma mensagem, basta que dê as pessoas que lhe rodeiam.

-É fácil falar a seus amigos e familiares, tem que buscar as pessoas que não tem nada haver com você, caso contrário estaria fazendo do modo mais fácil. – Isabel havia deixado de chorar.

-Para começar muita coisa escrita na Bíblia não está em sentido literal, há uma mensagem sim, mas para você, para que você tire algo para si, não para metê-los a força na cabeça dos outros.

-Mas…

-Olha vou ser sincera, eu não creio nas igrejas, em nenhuma, tampouco estou contra elas, é algo que simplesmente deve existir para as pessoas que necessitam, entende?

-Como as pessoas necessitam dela? – Isabel a olhava incrédula.

-Isabel somos todos seres humanos iguais, e todos nós merecemos o mesmo respeito e a oportunidade de ser feliz na vida. Mas estamos em diferentes níveis, cada um, e o que temos em comum é que o destino de todos é o mesmo. Você tem razão quando diz que devemos aprender uns com os outros, por isso estamos aqui, mas a mensagem que entregamos não é lei para todos me entende? Se você necessita ir a igreja para ter fé, vá, porque isso é bom para você neste momento de sua existência, mas para outras pessoas não é uma necessidade ir a uma igreja para crer, e ter fé, não é algo que se adquire indo a um lugar específico, nem lendo um livro, é algo que se sente aqui dentro.

-A que se refere?

-Sua existência se divide em várias vidas, quando disse sobre você e Sebastián. – Isabel corou. – Em cada vida vamos avançando, nosso ser vai evoluindo. – Gabriela movia as mãos expressivamente.

-Não acredito, a Bíblia não permite crer em reencarnação. – Isabel parecia aborrecida.

-A isso me refiro, eu estou lhe dizendo em que eu acredito, você decide em que acreditar.

-Pões eu não acredito.

-Ok então, porque está aborrecida? Se crer em algo firmemente, ainda que lhe digam o contrário você não mudará seu parecer, simplesmente não vai se importar porque sente que a verdade está dentro de seu coração, sabe que não pode obrigar a outro a crer em algo que para ele não é certo. Agora tudo que posso lhe dizer, é que queira ou não, você é uma pessoa boa, e o que lhe disseram seus pais não é certo, eu lamento. – Gabriela ameaçou levantar-se.

-Sabia que não ia entender, não devia ter lhe dito nada.

-Pode confiar em mim, eu digo o que penso, ou prefere que não seja honesta e lhe diga algo só para que você se sinta melhor?

-Não. Se seus pais reagiram assim com o primeiro episódio, como reagiram quando verem os outros? A festa…A leitura do tarot…- Isabel baixou a cabeça e os soluços regressaram.

-Só foi uma festa.

-Nos beijamos, Sebastián e eu.

-Que legal!- Gabriela disse com entusiasmo.

-Não é legal. – Isabel a olhou com fúria. Se me disseram que estou me comportando com uma rameira só por conversar, imagine o que dirão por ter beijado ele depois de uma semana. Estive mal.

-Deixa de viver por seus pais. Se sente alguma coisa em seu coração, então sabe que é bom, Sebastián é um bom jovem, gosta de você, que você lhe corresponda não é nenhum pecado, pelo contrário, é algo bom. Antes de receber o telefonema de seus pais, estava feliz, não acha que esse sentimento tem mais valor que o que as palavras negativas de terceiros?

-São meus pais…

-É sua vida.

-Mas…

-Uma pergunta. Que vai fazer com o dinheiro que lhe pagarem? – Gabriela a olhou com interesse enquanto esperava a resposta. – Isabel guardou silêncio alguns segundos.

-Darei a meus pais, eles necessitam para comprar algumas coisas. Não é que eles tenham me pedido, é que necessitam. – Isabel disse defensivamente.

-Não disse o contrário. Se quiser falar sabe que posso escutar sempre, agora lhe deixo um momento. – Gabriela se levantou e se afastou dali.

Pobre jovem.

 

 

 

-Já viu como deixaram isto? – José fingia equilibrar-se com os braços enquanto caminhava pela linha imaginária do piso.

-Horrível. – Gabriela fez uma expressão de desaprovação. Vamos ter que fazer nós mesmos goste ou não.

-Eu lhe ajudo. Disse-lhe que você está linda hoje? – Um pequeno sorriso se desenhou no pálido rosto do jovem.

-Linda? Fazem-lhe falta óculos, tenho cara de sono, olheiras, e tudo isso e nem se quer dancei.

-Estou aborrecido com você, já mencionei, esperei toda à noite para dançar com você como você me prometeu, eu estava fazendo aniversário, sabia? E você nem se quer me deu bola. – O jovem começou a pôr os móveis no lugar sem olhar para Gabriela.

-Sinto muito. – A jovem loira recordou a noite anterior. Tem razão, é que não vi a hora passar conversando com Xênia, e logo você já ia dormir então…- Gabriela começou a se sentir culpada.

-Não tem que me dar explicações, olha eu sei que não sou divertido, nem atraente para as pessoas, estou acostumado. – A voz de José tinha um tom de tristeza.

-Mas…Não é isso, só que…

-Está bem, de verdade, para a próxima festa que tivermos, vou lhe cobrar uma dança. – José a olhou timidamente. -Pelo menos os outros se divertiram.

-Trato feito. – Gabriela estirou a mão para José.

-Crianças. Virão Isa? – Sebastián tinha um sorriso no rosto.

-Está no jardim. – Gabriela o olhou com preocupação. Sebas…

-Sim?

-Não nada, logo nos veremos. – O jovem saiu alegremente em busca de Isabel. – Gabriela preferiu não advertir Sebastián, temia intrometer-se no que não era da sua conta.

-Que merda estão fazendo? Deixem isso. Quem tem que limpar essa desordem são Carla e Andrés. – Xênia arrebatou o aspirador da mão de Gabriela.

-Deus, me assustou. – A jovem levou a mão ao peito.

-Sinto muito.

-Está bem Xênia, já quase acabamos, e se nos sentamos e esperarmos que eles façam, sentados ficaremos. – Os olhos verdes se alçaram e a expressão da morena se suavizou notavelmente.

Merda, gosto dela. Por que, por que, por que, por que tinha que entrar nisto justamente você…

Xênia passou horas durante a noite acordada antes de conciliar o sono. A imagem de Gabriela sorrindo, empurrando-a suavemente, fazendo gestos com o rosto, movendo as mãos, lhe aparecia uma e outra vez na sua mente. Não tinha nenhum problema gostar de uma garota, não era esse o problema, mas havia feito uma promessa a si mesma de não se fixar em ninguém nessa casa. E agora? Estava começando a se sentir perigosamente atraída pela jovem de olhos verdes, sua presença a inquietava, lhe era de tudo menos indiferente, não era como o resto das pessoas que estavam vivendo ali. Carla lhe caia mal, era irritante, enquanto se mantivesse longe dela esta lhe seria indiferente. Andrés era outro estúpido mais até do que qualquer outro que se encontrava na casa, sua presença era inócua para Xênia, e os outros dois jovens, falavam menos que ela mesma, José lhe caia bem, mas jamais chegaria a considerá-lo um amigo. Mas Gabriela, Gabriela era diferente, diferente de todas as pessoas dessa casa, diferente de todos seus amigos. Em menos de uma semana havia conseguido fazê-la sorrir continuamente, havia conseguido fazer com que ela mantivesse uma conversa por mais de uma hora. Era algo estranho sem sê-lo ao mesmo tempo. Xênia esteve se lembrando da primeira vez que a havia visto, ali sentada no chão olhando-a quase hipnotizada, se via tão frágil, a lágrima rolando por seu rosto, o sol brilhando em seus olhos verdes, esse rosto quase infantil, seu cabelo…Sua voz…Seu sorriso, seus olhos…O que sentiu, essa mistura de familiaridade e nervosismo diante de sua presença. Que está acontecendo? Gabriela o que está me fazendo?

-Xênia? Xênia? Você está bem? – dirigiu o olhar para o lugar aonde vinha essa voz, um par de olhos verdes a olhavam com uma cara de pergunta, e um cenho franzido.

-Sim, estou bem, só estava pensando. – Xênia recobrou a compostura no instante.

-Pensava? Em que se pode saber? – Gabriela sorria. Xênia começou a sentir uma sensação estranha no estômago.

Mariposas? Ai que merda sou patética.

-Xênia está vermelha. Sabia? Melhor não quero saber em que está pensando. – Gabriela levantou os braços e seguiu com seu labor de aspirar à sujeira do chão.

-Não diga besteira, eu não estou vermelha, é que faz muito calor. Era só que me faltava.

-Está bem, como você quiser. – Conseguia ver um sorrisinho zombador no perfil de Gabriela.

-Você está rindo de mim? – Uma sombracelha se levantou ameaçadoramente.

-Não de você, do seu rubor que é diferente. – O sorriso não pensava em minguar.

-Detesto que riam de mim, e já sabe o que acontece as pessoas quando eu me enfureço. – Os olhos azuis se cravaram no rosto de Gabriela.

-Quero ver o que vai me fazer? – A loira a encarou com as mãos na cintura, coisa que desarmou por completo Xênia. O sorriso permanecia e os olhos travessos a olhavam na expectativa.

-Desta vez eu vou deixar passar. – Xênia meditou nas possibilidades que tinha, se a tocasse seria perigoso, já que com um só toque de seus lábios em sua bochecha havia sido capaz de transmitir tantas coisas, o que aconteceria se a agarrasse e a loira se defendesse, não, melhor não arriscar.

-Covarde…

-Que disse? – A sombracelha voltou a se levantar.

-Que é tarde, foi isso que disse, que é tardíssimo e meu estômago está clamando por comida, ouviu? Os olhos a olharam fingindo inocência enquanto indicava seu próprio estômago com a mão.

-Ah, sim, esse estômago é voraz. E o almoço? Quem faz hoje?

-Andrés. – José disse encolhendo os ombros. Xênia e Gabriela se olharam.

-Nós vamos ficar sem almoço hoje. Ambas disseram juntas.

 

 

 

-Preciso urgentemente de pinguinhos, vou morrer se não comer um pinguinho. – Gabriela dizia amargamente.

-Pinguinhos? Os pinguinhos se comem?

-Não são esses pinguinhos, tonta. São docinhos de chocolate recheados com creme. – A jovem de olhos verdes recriava a forma com as mãos. –Se não comer um vou morrer.- Gabriela se deliciava ao imaginar a imagem de sua guloseima predileta.

-Desculpe. Mas acaba de me chamar de tonta? – Uma escura sombracelha se elevou inquisitivamente.

-Sabe, Xênia, essa sombracelha levantada já deixou de me intimidar faz alguns dias, já não consegue mais seu objetivo comigo, que pena! – A loira fez uma expressão de fingido pesar.

-Ah! Não consegue seu objetivo? – Os olhos azuis se entrefecharam perigosamente.

-Viu? Acabo de ver em seu rosto. Você perdeu o toque Xênia, não funciona mais comigo esse levantamento de sombracelha. – A loira levantou a própria com ajuda de seu polegar. –Se nem se quer consegue manter o rosto sério. – O sorriso a delatou.

-Lhe informo que desde hoje lhe odeio. – Xênia se colocou séria à medida que pôde, ouvia as risadinhas de Gabriela e não queria olhar para ela, porque sabia que seria incapaz de não rir junto com ela.

-Me odeia? Sabe Xênia, se me odeia a partir de hoje, quer dizer que antes me queria, porque se fosse indiferente simplesmente não teria sentimentos de ódio por mim.

Xênia abriu a boca com a intenção de dizer algo, mas não emitiu nenhum som. – Abriu a porta do quarto de Gabriela que a partir de hoje compartilharia com Sebastián. – Tenho que ir.

-Xênia! Volta, por favor, estou morta de cansaço. Vou contar até três e você vai voltar por essa porta…Um…Dois…Três…Nada. A loira saiu correndo pela porta.

-Estava me procurando? – Se assustou ao ouvir a voz de Xênia a seu lado. Seus olhos azuis a olhavam intensamente.

Faz dias que já havia deixado de se sentir tão coibida por eles, havia se acostumado em uma semana a olhá-los sem abaixar o olhar, havia momentos como este em que tinha necessidade de escapar desse olhar, mas como justificaria o fato de se envergonhar com eles? Eram praticamente amigas. Se bem que ainda havia muitas coisas que não sabia da morena, coisas importantes. Havia conseguido pouco a pouco destruir esse muro que Xênia tinha construído tão bem ao redor de suas emoções. Gabriela sabia desse muro, ninguém exceto ela mesma parecia dar-se conta na casa que não era simplesmente que a personalidade de Xênia fosse parca, senão que havia um ser diferente que se podia descobrir, se tivesse paciência suficiente para derrubar esse muro, quase tão poderoso como seus olhos azuis.

-A você? Que nada, eu ia ao banheiro. – Gabriela fingiu estar segurando a vontade de urinar.

-Ah, estou vendo. E eu que estava certa que vinha desesperada atrás de mim. Se até contei até três esperando que você aparecesse por essa porta. – Xênia soprava as unhas despreocupadamente.

-Lhe odeio. – Um sorriso começou a se formar no rosto de Gabriela. – Na realidade contou igual a mim?

-Me odeia? Sabe Gabby? Se me odeia quer dizer que antes me queria, porque se fosse indiferente simplesmente não teria sentimentos de ódio por mim. – Os olhos azuis se cravaram nos verdes com um brilho travesso.

-Você se lembra bem de minhas palavras, eh? – A jovem loira pegou a mão de Xênia e a dirigiu de volta a seu quarto. Você tem as mãos geladas?

-Você não ia ao banheiro? – A voz de Xênia soou em seus ouvidos com fingida inocência.

-Acreditaria se lhe dissesse que ao lhe ver eu perdi a vontade? –Isso não soou tão bem como esperava.

-Você disse que eu lhe tiro a vontade de mijar?

-Algo assim, você é perturbadora. Outra vez não soou como eu esperava. – Sentiu o olhar de Xênia.

-Do mesmo modo que são esses tais pinguinhos? – Xênia estava coçando um braço, eram magros, mas fortes.

-Isto é um absurdo. Nunca os provou? Não posso acreditar, você está perdendo a metade de sua vida. – Gabriela virou os olhos ao céu com uma expressão de desespero no rosto enquanto movia a cabeça de um lado a outro em negação.

-Outra vez a mesma coisa. Primeiro, porque não tenho os primeiros cds dos Red Hot, e agora que é um absurdo que não tenha comido pinguinhos. Vou lhe lembrar que a glutona é você, e a mim deixe com meus cigarros nada mais.

-Havia me esquecido. – Disse Gabriela com entusiasmo. –Não viu ainda meus cds, venha ver agora.

-Que cômica que você é. Por que poderia se entusiasmar com alguém remexendo em suas coisas? Eu não deixo ninguém remexer nas minhas coisas. – Xênia olhava com interesse os cds.

-Eu você deixou. – A voz de Gabriela soou doce. – Xênia adivinhou o sorriso no rosto, da garota mesmo que não o visse. E começou a sentir-se perturbada, realmente incomoda.

-Deve ser porque estamos fechadas neste lugar que eu esteja fazendo coisas extraordinárias. – Xênia tentou que sua voz mostrasse casualidade, mas foi incapaz de levantar o olhar.

Envergonhou-se? Olha para mim Xênia, por que não olha para mim? Quero ver seus olhos quando se sente perturbada. Na realidade deixou que eu remexesse em suas coisas. Por quê? Por que fez isso?

-Talvez seja realmente o confinamento. – Gabriela disse sem acreditar na realidade que fosse verdade.

-Sabe? Você tem bom gosto musical depois de tudo. Empresta-me estes? – Xênia levantou por fim o olhar com vários cds em sua mão.

-Vejamos o que temos aqui. – Gabriela arrebatou os discos.- Os primeiros cds do Red Hot? – Os olhos verdes olharam a morena.

-Sim, já que pareceu ser tão absurdo para você eu não os ter, vou levá-los para saber o que tanto estou perdendo.

-Muito boa escolha. – Gabriela sorriu satisfeita. – Vejamos o que mais temos por aqui. – A jovem loira levantou o olhara para Xênia. –Já viu que vários você tem? – Um sorriso que para Xênia pareceu adorável cruzou por seu rosto.

-Sim, já vi.

-Bem e, além disso, eu lhe recomendo este de John Frusciante, é genial. Ele é o guitarrista dos Red Hot, é um mestre, sem mencionar que é lindo, lindo, lindo. Você já se deu conta que os quatros integrantes são lindos? – Gabriela levantou o olhara pensativa, e quando o dirigiu a Xênia percebeu uma expressão que não foi capaz de interpretar, era diferente das que já havia visto, como quando tentava ocultar um sorriso, ou sua vergonha, esta não havia visto antes. Dê alguma pista Xênia. Que expressão é essa? Previno-lhe que descobrirei todos seus segredos.

-Ok, vejamos como é a tal Frusciante.

-Ah e também leve este do Nirvana e este outro de Lucybell, e este de…

-É suficiente. Você quer que eu fique ouvindo música pelo resto de meus dias nesta casa? – Gabriela lhe dedicou um sorriso.

-Sabe Xênia? Tem que provar dos pinguinhos. – Xênia girou os olhos.

Acho você linda quando faz isso, sempre acho você linda na verdade.

 

 

-Xênia? Posso falar com você?

-Está certo? Já que sabe muito bem que a faladeira não sou eu. – Xênia levantou a vista da leitura e olhou incrédula o jovem pálido na sua frente. Trazia uma atitude tímida.

-Assim como que estúpido que sou, não, mas não tenho alternativa.

-Então, me diga. – Xênia deixou o livro que estava lendo e se concentrou na pessoa que tinha a frente.

-Me dá um pouco de vergonha, mas não posso contar com os outros jovens porque necessito de uma opinião feminina. A Carla por razões óbvias não posso recorrer e a Isabel, não sei, ela é meio estranha.

-Tá bom! José minha paciência está chegando ao limite. -Os olhos azuis se endureceram. Que tal com Gabriela? É com quem você se dá melhor.

-É que…Bem…Ou seja,…Vocês duas parecem combinar bem e tudo isso. – Xênia começou as sentir incomoda.- Preciso que me dê um conselho, veja…Ou seja,…Ela é muito linda e é muito simpática comigo, e é tão doce, e bem…

-Você gosta dela. – José se viu golpeado por esses olhos azuis.

-Sim, não só gosto, me encanta Xênia. Ela é a jovem ideal. Sabe que diria minha mãe se eu a levasse em casa como minha namorada?

Que milagres existem?

-E o que eu tenho que ver com isso? – A voz de Xênia soava fastidiada. Começou a sentir uma sensação estranha. O que pensava José com vir fixar-se em Gabriela? Ou seja, claro Gabby era linda e doce, estava de acordo, mas era intocável para ele. E por que era intocável para ele? Porque você gosta dela? Abra os olhos e veja a realidade, Gabby é hetero, jamais em sua vida se fixaria em você, inclusive este tem mais possibilidades que você de conseguir algo com ela.

-Pois é, você é sua amiga, talvez possa me dar algum conselho, ou algo, não sei. – Xênia percebia a incomodidade do jovem.

-Não sei, sinto muito, se gosta tanto dela como você diz, vá e diga, fale com ela nunca se sabe o que pode acontecer. – Xênia ficou meditando em suas próprias palavras.

Vá e diga? Pergunto-me que aconteceria se eu lhe dissesse que gosto dela…

-Graças, Xênia, vou pensar, não creio que me atreva, sou muito torpe.- Sim, já havia me dado conta. -Mas de verdade vou tentar, logo lhe conto como foi. Está bem? – O jovem levantou os dois polegares e se afastou alegremente do lugar.

Seu imbecil me contará como Gabriela lhe mandou plantar macacos na África…Merda, até quando Xênia é sua amiga, tem direito de estar com quem quiser. Mas você animal não vai pescá-la. Ouviu? Olhou com fúria o jovem que se afastava. Que ridícula que eu sou…

-Aiii Xênia tão linda como sempre, que está fazendo? Recuperando-se das estúpidas palavras que deve ter lhe dito esse imbecil? – Carla apareceu a seu lado com seu costumeiro tom de voz. -Xênia não sabia se era assim como falava, ou se fingia.

-Por acaso não se nota? – Agitou o livro que estava lendo diante dos olhos da ruiva.

-Xênia, Xênia, Xênia, tão clara, para tudo é igual?

-O que quer Carla? – A morena olhou a jovem com uma expressão clara de desgosto.

-Tenho que querer algo? Só estava passando por aqui, sou livre para estar aonde quer que queira ir, não é Xênia? – Carla marcava um X de uma maneira que Xênia se irritava enormente.

-Já que está se dirigindo a mim, é óbvio que quer algo, assim fale. – Xênia cruzou os braços sem afastar o olhar dos olhos castanhos, para ver se a ruiva se coibia como já havia acontecido antes.

-Nisso você tem razão Xênia, me encanta sua percepção. – Carla se apoiou na grade do terraço e levou seu olhar a frente.

-Então? – Xênia não afastava seu olhar dela, esperando impaciente.

-Sabe bem que lhe quero amorzinho. – Carla cravou seus olhos castanhos nos azuis de Xênia.

-Não, não sei, assim fale rápido porque estou perdendo a paciência.- Merda será que na realidade pensa em se lançar sobre mim?

-Não tente se fazer de desentendida comigo. – Carla encurtou a distância que a separava da morena.- Eu sei de quem você gosta, e também sei que não tem possibilidades com esse alguém, pelas razões que já sabemos, mas isso não quer dizer que tenha que passar o resto das semanas que nos resta nessa casa adorando a uma pessoazinha que não está interessada em você dessa maneira.

-Não sei do que você está falando. – Xênia manteve o rosto inexpressivo, mas sentiu uma pontada no estômago ao ouvir as palavras da ruiva, não está interessada em mim dessa maneira. Ai merda será que ela notou alguma coisa? Ou só supõe.

-Sim, sabe, mas não se preocupe darling não vou andar por aí gritando a quatros ventos, minha única intenção aqui é me divertir, e este maldito confinamento já está me sufocando, e quando me sufoco necessito de algo refrescante. Captas?

-Então vá e tome uma coca-cola ou dê um mergulho na piscina. – Xênia estava se sentindo incomoda, mas não estava disposta a demonstrar, não ia dar munições a Carla para que esta encontrasse seu ponto fraco.

-Não, não, não amorzinho, me refiro a outro tipo de sufocamento, um que talvez uma alta morena de olhos azuis poderia acalmar um pouco.

É um fato, está dando em cima de mim diante de todo o Chile.

-Olha, já lhe disse e repito, você não é meu tipo, entende? Não estou interessada. – Xênia pensou na possibilidade de ir embora dali, mas não queria parecer que estava fugindo por temor, isso só fazia com Gabriela.

-Está bem Xênia, entendo, mas ainda nos restam sete largas semanas para estarmos aqui, e dessas sete, mais cedo ou mais tarde a terei como companheira de quarto, e lhe juro que você não irá escapar de mim tão facilmente, estou esperando por isso, eu conheço as do seu tipo e você não é apática.

-Não me interessa o que você pensa, por mim pode esperar tudo o que quiser, pois esperando ficará. – O tom de fastidio se mostrou na voz da morena.

-A paciência é uma virtude. – Carla soltou a frase, deu meia volta e desapareceu da vista de Xênia.

Uma semana inteira com ela toda noite no mesmo quarto? Em que eu estava pensando quando me meti nisso? O rosto de Gabriela apareceu em seus pensamentos, recordou a voz da loira dizendo que era atraente, o rubor em suas bochechas. Envergonhou-se de dizer, por quê? E se senti algo por mim? Que merda. Que faço eu analisando situações? Desde o primeiro momento em que havia entrado nessa casa, Xênia sentiu a necessidade de ir-se dali, esse não era seu lugar, mas logo a proximidade entre ela e Gabriela seus desejos de abandonar a casa haviam ido minguando até desaparecer por completo. Gabby…E a semana que compartilharia o quarto com ela? Um sorriso cruzou por seu rosto.

 

 

 

 

-Bom dia. – Gabriela se deixou cair no sofá e deu um beijo rápido na bochecha de Xênia. – Está em tempo?

-Em tempo de quê? – Xênia havia se sobressaltado ao sentir o beijo da jovem que foi fugaz, mas a sensação permaneceu em seu corpo por um longo tempo.

-Como de quê? Já sabe, “Os Morgendorfers”, “os comentários irônicos”, “O clube de Moda”. É nosso dia de Daria, não lembra?

-Você quer dizer que é “Meu” dia de Daria, você está entrando por fora. E desde quando o clube de Modas conta de toda maneira?

-Não seja egoísta Xênia, é mais divertido ver os programas de tv com alguém mais, assim pode comentar e trocar idéias. – Gabriela gesticulava alegremente. – E o “clube de modas” é parte do programa, não foi eu quem o fez, além disso, não me diga que não acha graça ver essas quatro tontas discutir sobre a atuação das não plebéias como se fosse uma tragédia.

-Não acho graça, me irrita é diferente, me dá vontade de agarrá-las no pescoço e matá-las, sobretudo a mais invejosa. – Xênia fingiu estar estrangulando o ar. – Veja? Este vídeo de música, por exemplo, também me irrita muito, já não agüento mais. – A morena agitava as mãos a altura dos olhos bloqueando a imagem da tela do televisor.

-Devo começar a me preocupar com essas amostras de agressões Xênia? – Gabriela olhou a morena com uma fingida expressão de preocupação no rosto. – Além disso, este vídeo é muito bom, ganhou as premiações do MTV e outras mais.

-Bom? – Xênia a olhou com uma divertida expressão no rosto. – Entontece, que é diferente, todo o tempo se vê imagens em cima, e essa combinação de vermelho e branco me irrita ainda mais, troca isso.

-Sabia que os entendidos no assunto dizem que as pessoas que participam em realities terminam com graves transtornos mentais? – Gabriela deu uma grande mordida em seu sanduíche.

-Sim, sabia. – Xênia a olhou com fastidio. – Comendo de novo? – Os olhos azuis olharam o que a jovem estava engolindo.

-E você? Já está fumando de novo?

-Apenas fumo, ao contrário de você que passa o dia todo enchendo o estômago.

-Não é verdade Xênia, você fuma demais, e isto eu estou falando sério, ao menos eu vou engordar até arrebentar, de toda maneira meu metabolismo funciona a mil maravilhas. Veja? – Parou e deu um gracioso giro. – Mas você vai fumar até que lhe dê um câncer no pulmão ou alguma outra coisa. Nunca pensou em deixar de fumar? – Gabriela a olhou seriamente.

-Fumo desde que tinha treze anos, quando eu tiver um câncer aí me preocuparei. E sim, vejo que seu metabolismo funciona bastante bem até o momento. – Xênia deu uma fugaz olhada no corpo de Gabriela.

-Não brinque com isso Xênia, é sério deveria deixá-lo. Por que não tenta? Use esse confinamento ao menos para algo útil como deixar esse vicio tão daninho. Depois de tudo aqui não dá para chegar e sair para comprar cigarro na esquina.

E esse olhar que foi? Na realidade se fixou em mim? Já, de novo com suas besteiras Gabriela, mas que importa se outra mulher se fixe em meu corpo? O confinamento me confunde.

-Trouxe vários maços. – Um sorriso de satisfação cruzou pelo rosto da morena.

-Sabe o que eu vou fazer? Vou pegar todos quando você não ver e vou enterrar no jardim.

-Não se atreva a fazer isso, verdade. É assunto meu e faço com meu corpo o que quero, você não tem o direito de se meter. Se fizer isso nunca mais falo com você. Ouviu? – A voz de Xênia soou ameaçadoramente e seus olhos se cravaram em Gabriela com fúria.

-Tem razão, é sua vida, não tenho por que me meter, é só que me preocupo com você. – Gabriela sentiu uma pequena dor em seu coração ao ser receptora do olhar de Xênia, já havia se acostumado a ver esses olhos mais sorridentes ultimamente.

-Olha, sinto muito. Não quis falar tão duro, mas compreenda que esse vicio não se pode deixar assim, eu gosto de fumar. – Xênia olhou o perfil de Gabriela concentrado na tela do televisor, viu uma pequena expressão de dor cruzando por esse rosto.

-Está bem, mas não vou me render tão fácil, algum dia lhe tirarei desse vicio, pode crer. – O brilho voltou aos olhos da jovem.

-Algum dia? Lembre que só temos sete semanas para me tirar desse vicio. Ou por acaso pensa seguir tentando quando sairmos daqui?

-Claro, mesmo sabendo que irá ser mais difícil já que você irá embora do país. – Gabriela voltou a sentir essa opressão no coração e desta vez foi ainda mais intensa.

Deus, que está acontecendo? Já lhe tenho tanto carinho que sofro antecipadamente porque só a terei em minha vida por umas poucas semanas?

-Está certo. – Xênia observou com interesse o perfil de Gabriela, seus olhos estavam brilhantes.- Já havia esquecido que pensava em deixar o país depois que saísse da casa.

-Veja, já está começando Daria, e que demônios é isto? Não é a apresentação habitual. – Gabriela se sentiu aliviada que nesse momento começou do programa e que este atraia a atenção de Xênia, já que ter esses olhos a observando por muito tempo a colocava extremamente nervosa, sobretudo porque a jovem mais alta parecia adivinhar seus pensamentos.

-Ah, é um dos filmes, esta é “Já chegou o outono?”, esta é boa, é no tempo imediatamente depois que Daria rouba o namorado de Jane.

-Daria rouba o namorado de Jane? Não sabia que ela era desse tipo. – Gabriela olhou espantada para Xênia.

-Bem, tanto quanto ela o roubou também, não, foi o tipo que teve mais onda com Daria, apesar de ter ficado uma situação ruim entre as duas, se afastarão e depois voltarão às boas.

-Ah, entendo, nunca se sabe onde pode encontrar o amor da sua vida, pode ser em pessoas tão difíceis como o namorado de sua melhor amiga. E por acaso não era ela que não acreditava na onda e na química entre duas pessoas? – Gabriela estava atenta à tela. Sentiu a olhada de Xênia em seu rosto, ao se virar encontrou com um par de olhos azuis olhando-a, estavam serenos, quase doces, outra vez teve a sensação de fundir-se neles, de que ao redor tudo se congelava.

-Talvez tenha razão depois de tudo.

Que acontece com ela? Desde que a vi pela primeira vez tive a sensação de familiaridade, sei que com ela acontece algo parecido, eu sinto.

 

 

-Já não agüento este maldito confinamento nem um segundo mais.

-Acalme-se bonequinha, não é tão mal, além disso, não tem nem se quer que trabalhar passa o dia todo deitada linda ao sol se quiser. – O balanço em que Andrés estava sentado chegava cada vez mais alto.

-Lembre-se darling que é o mesmo que você faz lá fora, passa todo o tempo vagabundeando. – Carla estava sentada no balanço ao lado do jovem com uma expressão de aborrecimento em seu rosto.

-Igual a você, não é? Além disso, para que trabalhar? – O jovem encolheu os ombros. – Nossos respectivos pais nos dão tudo que pedimos, trabalhar seria uma grande perda de tempo, quando pode gastar essas preciosas horinhas levando as menininhas mais ricas de Viña de Mar para casa.

-Você tem toda a razão do mundo Andreszinho. Sabe você não é tão imbecil depois de tudo.

Ambos jovem haviam se cruzado em várias ocasiões em diferentes clubes e discotecas da cidade, não eram amigos, mas haviam trocado uma ou outra palavra, tinham amizades em comum. Os dois eram de famílias ricas, estavam acostumados a conseguir tudo na vida usando a lei do menor esforço. Andrés era o tipo jovem rico que vivia as custas de seus pais, não trabalhava, e se relacionava com qualquer jovem que estivesse disposta a dar uma volta no assento traseiro de um de seus carros, dos quais o primeiro havia sido um presente de formatura, embora o tenha conseguido antes mesmo que tivesse se formado realmente. Carla por sua parte, era a rainha da noite, vivia nas discotecas, clubes e em qualquer lugar onde se encontrasse reunida suficiente massa de gente que lhe permitisse dar o luxo de escolher algumas pessoas por noite. Carla havia tentado suicídio três vezes, as quais havia se salvado graças à rápida assistência da empregada doméstica em uma ocasião e pelas amigas que ainda lhe restavam.

-Olha Carla, você é lésbica, verdade? -Carla lhe devolveu um olhar depreciativo.

-Digamos que não descrimino a ninguém, captas? – Um sorriso se formou em seu rosto.

-Não descrimina? Se comigo ainda não aconteceu nada. – Andrés havia deixado o balanço.

-Aii querido, é que ainda não cheguei ao limite do desespero para usar alguém como você. – A ruiva lhe lançou um olhar desinteressado.

-Você é uma cachorra, sabia? E isso me agrada. – Andrés bebia alegremente de sua lata de cerveja.

-Eu sei. Mas lhe terei presente quando precise…- Carla deixou seu balanço e se sentou sobre Andrés. – Me alivie um pouquinho. – Lhe deu um pequeno beijo nos lábios e se afastou do jovem.

-E por que não me tem presente agora mesmo?

-Digamos que coloquem na minha frente Brad Pitt e Jennifer Aniston, eu vou escolher a fêmea, captas? E enquanto tiver uma em quem me concentrar, você está em segundo plano, quanto lamento. – A ruiva levou uma mão ao peito mostrando fingido pesar.

-E quem seria esta em quem você está se concentrando?

-Será que os homens não se informam de nada? Abra os olhinhos darling, e veja ao seu redor, em quem poderia eu estar me fixando?

-Xênia? – Andrés disse depois de meditar um momento em sua resposta.

-Bingo. E isso é tudo que lhe direi.

-Xênia? Como que Xênia? Da Xênia eu que gosto, ela se faz de dura, mas vai cair igual todas. – Andrés lhe ofereceu outra lata de cerveja a ruiva.

-Não obrigada, uma é o meu limite, evito os tóxicos. E, me perdoe, mas baixe das nuvens amorzinho, mas se você gosta de Xênia, então eu sou Teresa de los Andes, suas oportunidades são zero, captas?

-Você está dizendo que Xênia é gay? – Andrés olhou a ruiva incrédulo.

-Digo que nos únicos braços que Xênia irá cair são nos meus braços, e ponto. – Um sorriso lascivo começou a se formar nos lábios de Carla.

-Aposto o que quiser que é em meus braços que ela irá cair. Essa bonequinha de olhos azuis não pode escapar de mim, não diante de todo o Chile.

-Sabe? Isso soa interessante. – Carla levantou o olhar pensativa. – Se Xênia por um milagre chegar a cair entre seus braços asquerosos um de meus muitos carros será seu, e se cair nos meus, como sem dúvida irá acontecer, um dos seus passará a ser de minha propriedade. Mesmo que leve anos para tirar o cheiro da puta que deve ter impregnado. – Fez uma expressão de asco.

-Trato feito. – Os jovens selaram o pacto com um sorriso.

 

 

-Jane é gay? – Xênia se sobressaltou ao ouvir a pergunta da loira.

-Ou seja,…Segundo essa jovem, sim ela é.

-Como pode ter tanta certeza se nem se quer a conhece, além disso, eu não vi Jane interessada em nenhuma garota, nem se quer em Daria, embora agora eu pense que formariam um belo par, não acha? Se parecem tanto.

-É que…Ou seja, dizem que se nota. – Xênia acendeu um cigarro sentindo-se bastante incomoda – Então você não se incomoda com um par gay? – A morena tentou reproduzir sua voz da maneira mais casual que pôde.

-E por que eu ia me incomodar? Que bobeira, o amor é algo livre, não tem idade, classe social, nem sexo. Na realidade é o espírito que atrai. Por acaso você se incomoda? – Notou certo interesse especial por parte de Gabriela.

-Não, não me incomoda. – Xênia se sentiu péssima escondendo sua sexualidade. – Na realidade pensa nisso? – Xênia se arriscou olhar no rosto de Gabriela.

-Sim, na realidade penso. – Gabriela devolveu o olhar e ficaram se olhando nos olhos por alguns segundos. – Xênia sentiu o rubor se apoderando de suas bochechas, mas antes de sentir-se suficientemente coibida, percebeu outro rubor subindo pelas bochechas de Gabriela, quem virou rapidamente o rosto até a tela do televisor.

Que foi isso? Esse rubor? Colocou-se nervosa? Por quê? Gabby será que por acaso existe alguma possibilidade…? Ou será que percebeu que eu gosto dela e se coibiu por isso? Merda, isto é terrível.

-Lhe contei que na porta desta casa terminei com meu namorado? –Gabriela disse logo de um par de minutos em silêncio.

E isso? Que merda é essa? É uma forma de me dizer que aceita a homossexualidade, mas longe?

-Não, não me contou. – Xênia ouviu o desagrado em sua própria voz. -E quanto durou seu namoro com ele? – Perguntou sem a menor intenção de saber a resposta.

-Um mês, e apenas nos víamos algumas vezes, não era nada importante.

-E por que terminaram? – Xênia se sentiu aliviada ao ouvir que não era nada importante para Gabriela.

-Foi que ele se colocou muito chato com o assunto de que eu ingressar nesta casa, e eu lhe dissemos que era melhor seguirmos sendo amigos. Ele se enfureceu e me mandou a merda, enfim, melhor assim, não tenho vontade de ter relações estáveis.

Imbecil, quem poderia querer terminar com alguém como ela? Vou me lembrar de agradecer por isso se alguma vez o ver filho da puta. Pergunto-me se chegou muito longe com ele…Ou com algum outro, não, não quero saber…Xênia começou a sentir uma desagradável sensação em seu corpo. Ciúmes? Tenho ciúmes? Sou tão ridiculamente patética.

-Xênia? Está acontecendo algo com você? Ultimamente anda na lua. – Gabriela a olhava preocupada.

-Sinto muito, deve ser o confinamento. Que coincidência eu antes de sair de meu apartamento recebi a visita de um ex meu, claro que havia terminado com ele há cinco meses e ainda de vez em quando me procura e roga para voltarmos, na realidade é uma mala.- E isso que foi? Para que essa informação? Não esperará que ela possa sentir ciúmes de você, verdade?

-Ah, sim? – Xênia percebeu algo no tom da voz de Gabriela. – E esse ex seu com se chama? Quanto durou? De verdade não pensa em voltar com ele?

-E esse interrogatório? De repente se tornou jornalista? Sabe? Não vale a pena falar sobre ele, é mais que passado, não sei nem de onde tirei essa conversa. Chega de tanta informação Xênia, chega.

– Ultrapassou o limite verdade? Até quando Xênia? Já deveria confiar um pouco em mim, por que medi tanto a informação que me dá sobre você? Nem se quer me disse em que trabalha ou se estuda, ou se tem irmãos, nada, não é justo. Não confia em mim?

Xênia sentiu a dor de Gabriela como se fosse sua. A ternura que produzia a jovem ia aumentando com cada reação que tinha dela, quando demonstrava alegria ou tristeza, tudo tinha uma conseqüência em seu próprio estado de ânimo.

-Sinto muito…- Xênia baixou o olhar.

-Não sinta Xênia, suponho que me ficou claro desde o começo que não pensava em compartilhar nada pessoal com ninguém, não tenho o direito de reclamar nada de qualquer maneira.

-Sim, tem. – As palavras saíram de sua boca antes que as pudessem censurar.

-Por quê? – Gabriela a olhou intensamente enquanto esperava a resposta.

-Porque somos amigas, porque confio em você, porque lhe…- Xênia pensou na palavra que diria a seguir.- estimo. – Xênia não foi capaz de devolver o olhar a loira.

-Obrigada, por isso, vou lhe deixar um pouco sozinha, logo nos veremos, Ok? – Gabriela se levantou.

-Mas…

-Sim? Os olhos verdes de Gabriela acariciaram os seus.

-Nada…Logo nos vemos. – Xênia se concentrou de novo na tela do televisor. Viu de rabo de olho como Gabriela se afastava, e voltou seu olhar para a jovem.

Será possível me apaixonar por alguém em menos de dez dias?