Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Meti-me na fumegante água do banho, estremecendo com a sensação de ardor que a água quente provocou em minha delicada entreperna. Mexi-me um pouco, tentando encontrar uma posição mais confortável, pois os arranhões que cobriam meu traseiro também ardiam com a água quente.

– Pelos deuses, essa menina acabará comigo.

Era sem dúvida uma dor prazenteira como indicava meu sorriso indelével. Reclinei-me na água cálida, repassando mentalmente os acontecimentos da noite anterior e um leve calafrio sacudiu meu corpo. O tremor não dava margem para enganos – devia-se à mera lembrança de como fizemos amor essa noite. Meu sorriso se fez mais amplo.

Entreabri um olho ao ouvir movimento na outra habitação. Sylla entrou na sala de banho, abaixando-se várias vezes para recolher o rastro de roupa jogada pelo chão.

– Vejo que sua Gabrielle continua dormindo. – comentou Sylla.

Levantei uma sobrancelha, mas permaneci com os olhos fechados.

– E como sabe disso?
– Porque essa menina não deixa escapar um alfinete! Sempre suspeitei que saísse recolhendo atrás de você. Se a deixa à vontade, parece que aqui vive um quartel cheio de soldados. – resmungou minha donzela bem humorada.

Abri os olhos e não pude conter o riso profundo que escapou.

– Sylla, se eu não fosse tão preguiçosa, o que você faria para viver?
– É verdade, Senhora Conquistadora, é verdade. – reconheceu, e continuou recolhendo minha roupa suja, colocando-a em um cesto.

Voltei a me recostar na água, fechando os olhos novamente. Senti que minha donzela havia parado e estava esperando na entrada da sala. Voltei a entreabrir o olho e vi que Sylla ria de mim em silêncio.

– O quê? – perguntei com toda a inocência que pude.
– Perdoe-me, Senhora Conquistadora, mas permita-me lhe sugerir que as pessoas saberiam menos o que fazem na intimidade de seus aposentos se tentasse controlar um pouquinho esse sorriso?  – disse Sylla com o rosto iluminado por seu sorriso travesso.

Peguei uma esponja e fingi que a lançaria sobre a jovem mulher.

– Fora! – gritei rindo enquanto ela deslizava pela dupla porta fechando-as ao passar.

Mas ela tinha razão e percebi de que deveria parecer novamente essa estudante desajeitada, sorrindo como uma idiota. Tentei, mas consegui apenas reduzi-lo a um desengonçado sorriso. Meus olhos voltaram a se fechar e passaram uns momentos até que ouvi as portas se abrirem de novo.

– Pelos deuses, mulher! Voltou para ouvi-lo de minha boca? Pois sim, essa noite eu tirei o pó! – disse exasperada à minha donzela.
– A verdade é que isso eu já sei muito bem… Minha senhora. – me disse a voz suave e risonha de Gabrielle.

Incorporei-me bruscamente, virei a cabeça e vi Gabrielle plantada diante da cabeceira da banheira. Vestia apenas a túnica, mas já havia se penteado e recolhido o cabelo para afastá-lo do rosto. Nunca me ruborizei por constrangimento, vergonha ou pudor, mas nesse mesmo instante, senti que minha pele estava absolutamente escarlate.

– Eu… Mm… Achei… Achei que era Sylla. – respondi debilmente.
– Foi o que pensei. Vim para ver se quer que esfregue suas costas… Talvez que lave seu cabelo?
– Sim, por favor. – respondi, agradecendo que não jogasse sal na ferida de minha humilhação. – Gostaria.

Minha bela e jovem escrava começou a lavar meu cabelo e então ensaboou com cuidado uma esponja, preparando-se para esfregar minhas costas. Quando Gabrielle afastou ternamente meu cabelo de um ombro, ouvi uma leve exclamação sufocada.

– Sinto muito, perdoe-me, minha senhora. – disse com certa preocupação.

Virei a cabeça e segui seu olhar até meus ombros e aos leves arranhões que havia neles. Então levantei o olhar e vi sua expressão de medo – não, nos olhos de Gabrielle havia literalmente terror.

– Gabrielle… Pequena, calma. – me virei, tirei a esponja de sua mão, peguei sua mão e acariciei as costas com o polegar.

Demorou uns segundos para olhar-me nos olhos, hesitante.

– Carrego minhas cicatrizes de batalha com orgulho… Especialmente estas. – pisquei um olho, depositei a esponja em suas mãos e voltei a lhe apresentar as costas. Soube que minha brincadeira a deixou mais à vontade assim que senti suas mãos sobre minha pele.

Ficamos um tempo falando de nada especificamente até que por fim consegui seduzir Gabrielle para que se metesse na banheira. Quando lhe dei o mesmo tratamento que acabara de me dar, se virou e começou a me massagear o colo e os ombros, com cuidado de não tocar nos arranhões. A sensação era incrível e alguns músculos que estava sem usar há estações gritaram de alívio.

– Minha senhora?
– Mmm?
– Lembra-se que lhe falei da mãe de Petra… Anya? Estava pensando, minha senhora…

Meus sentidos estavam agora em estado de alerta, mas obriguei o resto do meu corpo a não me trair. Tinha a curiosíssima sensação de que estava me metendo em uma espécie de armadilha. Agora bem, ser o alvo dos rodeios femininos não era precisamente algo novo para mim, mas ser a receptora, enquanto que Gabrielle era a instigadora… Isso sim que era diferente. Disfarcei o sorriso e em silêncio animei a jovem a continuar. Vamos lá pequena… Vamos ver como você faz.

– Sim… O que pensava Gabrielle?
– Bem… Ainda não se recuperou completamente de sua recente enfermidade e tem três filhos pequenos. Petra a ajudaria mais, mas trabalha de mensageiro no palácio e…
– Como vai o menino, por falar nisso? – interrompi. Agora já sabia aonde isso ia. Gabrielle fez amizade com a mãe do menino e me pediria para mantê-los no castelo. Bastante transparente, mas Gabrielle com certeza não tinha muita experiência com a estratégia e o subterfúgio.
– Oh, Petra está muito bem e bastante saudável, minha senhora. Trabalha bem e se converteu em um dos mensageiros preferidos de todos no castelo. O capitão Atrius disse que Petra promete como soldado, talvez até como oficial.

Gabrielle continuava me massageando enquanto falava, mas um de seus comentários chamou minha atenção, mais que os outros.

– Quando Atrius lhe disse isso? – perguntei com ar inocente. Quando Hades, Gabrielle falara com o comandante do meu exército?
– Ontem, minha senhora, falei com ele quando veio ver a An… – a voz de Gabrielle parou no meio da sílaba.

Senti que seu corpo congelara e quando me virei para olhar o rosto da jovem, ergueu a mão para cobrir a boca, que continuava aberta pela surpresa. Afastou imediatamente os olhos dos meus e um silêncio pesado pairou no ar entre nós.

– Gabrielle… – fiz uma pausa, mas minha escrava se negou a levantar a cabeça. – Gabrielle, está me escondendo algo?
– Sim, minha senhora. – respondeu derrotada. – Não fiz nada de errado, juro minha senhora, mas prometi que…

Voltou a fechar a boca, mas já sabia do que se tratava. Uma das razões pelas quais os escravos, especialmente a escrava corporal do amo, tinham poucos amigos ou nenhum é justamente esta. Aos escravos não se permite ter segredos. Qualquer pessoa, escrava ou não, sabia que se confiasse na escrava do amo, seu segredo não demoraria em ser conhecido.

Como sempre que pensava na vida que minha jovem escrava havia suportado, meu coração se dilatava e sentia uma dor espantosa em meu peito. Estendi a mão e levantei seu queixo, observando a tensão dos músculos de sua mandíbula enquanto se obrigava a não derramar as lágrimas que enchiam seus olhos.

– Pequena, prometeu a alguém guardar uma confidência? – perguntei conscientemente.

Assentiu com a cabeça, coisa pouco própria dela, ao que parece incapaz de responder. Não consegui evitar sorrir suavemente.

– Então não podemos consentir que rompa sua promessa, não é? Afinal, como ficaria isso… Que a mulher que pertence a mim quebra sua palavra?  Acho que refletiria negativamente sobre mim. Concorda? – respondi com ternura, sempre prudente para não dizer minha escrava.

Quando Gabrielle ergueu finalmente os olhos para encontrar-se com os meus, vi o brilho ao perceber o que eu esperava ver neles. Pelos deuses, me pergunto se já sabia que não podia negar-lhe nada.

– Obrigada, minha senhora. – Gabrielle lançou os braços em meu pescoço, colando nossos corpos.

Meus braços a estreitaram com naturalidade e fechei os olhos com o doce prazer da sensação ao senti-la colada a mim. Abri os olhos imediatamente quando senti seus lábios em meu pescoço e sua língua e seus dentes mordiscaram de repente um sensível lóbulo da orelha.

– Oh não, nem comece. – disse rindo e esticando os braços para afastá-la de meu corpo. Essa intensidade incendiária ardia mais uma vez nesses olhos de esmeralda e percebi que a loirinha se dispunha a me agradecer como só ela poderia. Olhou-me com expressão tímida e ri ainda mais. Apertei-a de novo contra mim, sussurrei em seu ouvido. – Se deixo que me tome como fez essa noite, não serei capaz de sentar em uma sela por uma semana. – então beijei a ponta de sua orelhinha e senti que a pequena me abraçava com força.

Quando quis brincar com a orelha dando-lhe outro beijo delicado, a risada melodiosa de Gabrielle ressoou pelo ar, enchendo completamente os meus sentidos. Ainda não estou certa da razão, mas sua risada agia como um afrodisíaco mais potente para mim que seus beijos provocativos. Por um breve instante, estive a ponto de dizer – ao tártaro com a equitação. Nada me parecia mais importante que estar com Gabrielle. Era um sacrifício imenso e com um esforço incrível, afastei a jovem, ouvindo o tempo todo o grito: – Pelos deuses, agarre-me, mulher!

– Fora, agora. – disse rindo novamente ao ver que a face de Gabrielle formava algo parecido a um desalento.

Não havia a menor dúvida… Esta menina acabaria comigo.

********

Terminei de me vestir e finalmente calcei as botas, enquanto Gabrielle sentou-se diante da mesa onde comíamos, servindo uma taça de chá quente para cada uma. Conversamos um pouco durante o desjejum. Contei a Gabrielle o que faria hoje e ela me disse que Anya lhe daria outra aula de costura. Havia esquecido completamente o começo de nossa conversa.

Estava engolindo o que restava do meu chá, preparando-me para colocar a espada na cintura, quando entendi o que dizia Gabrielle.

– Com certeza será a última vez que Anya poderá me ensinar, ao menos durante um tempo. O trabalho que ela faz é duro e como ainda está se recuperando de sua enfermidade… Não quero tomar seu tempo.
– Em que trabalha? – perguntei, caindo direto na armadilha sem me dar conta sequer de que ali estava preparada para mim.
– Trabalha na lavanderia do palácio, minha senhora. – contestou Gabrielle. Em seu rosto não se percebia absolutamente a menor insinuação de manipulação.
– O quê? – me virei de frente para Gabrielle. – Está me dizendo que a mulher que foi aprendiz de Messalina trabalha em minha lavanderia? É uma loucura! – gritei.
– Talvez lhe ocorra algo mais adequado para ela, minha senhora. – disse Gabrielle com ar inocente.
– Com certeza. Seria muito mais útil trabalhando como costureira para mim do que como lavadeira. – repliquei.
– Uma idéia excelente, minha senhora. – disse Gabrielle sorrindo.

Gelei. Que mais podia fazer ao perceber que acabava de ser manipulada como uma corda da lira de Terpsícore? Pelas tetas de Hera, esta menina é boa!

Dei-lhe as costas e cruzei a habitação detendo-me diante de uma pesada mesa de mármore que usava para jogar os Homens do Rei. Sua altura não passava dos joelhos e não era muito grande, era quadrada com um desenho geométrico incrustado na superfície. Foi preciso três homens para trazê-la até aqui, mas raramente tinha alguém com quem jogar.

– Gabrielle, venha cá. – pedi e a jovem apareceu no mesmo instante ao meu lado. Sem olhar para ela soltei um ligeiro suspiro de derrota e continuei. – Gabrielle, jogou alguma vez os Homens do Rei? – perguntei, recolhendo uma das peças do jogo. Eram todas feitas de pedaços de jade entalhados em diversas formas. Guerreiros, centauros e cavalos, divididos em dois conjuntos iguais, um em jade verde e outro em jade lavanda.

Examinei com ar indiferente a peça que tinha na mão e por fim pousei a vista no rosto confuso de minha escrava.

– Não, minha senhora. – respondeu.
– Esta noite começarei a lhe ensinar os movimentos e então avançaremos para as nuances do jogo. Tenho a estranha sensação, pequena, de que será excelente jogadora. – voltei a colocar a peça na mesa e fiquei olhando a jovem, com um sorriso irônico.
– Por que tem essa sensação, minha senhora?
– Porque – baixei a voz e me inclinei até encostar meu nariz no seu – Requer astúcia e estratégia, duas habilidades que acredito que possui em abundância. – depois disso, cobri a distância que nos separava e beijei a ponta de seu nariz. Sorri e Gabrielle abaixou a cabeça para esconder seu sorriso.

Inclinei sua cabeça para trás com a ajuda dos dedos debaixo de seu queixo. Olhamo-nos nos olhos e quis que Gabrielle soubesse que desta vez podia ter me vencido, mas que eu sabia que havia me manipulado. Enquanto contemplava esses exuberantes olhos verdes acho que Gabrielle entendeu que eu sabia.

Abaixei-me e depositei um beijo no alto dessa cabeça loira.

– Gabrielle… Sem dúvida pode se converter em uma adversária digna.

Graças aos deuses que a jovem teve ao menos a decência de me olhar com uma expressão mortificada.

*****

Apoiei-me na parede de pedra do corredor, escutando sua risada atrás da porta de madeira que tinha em frente. Poderia ter deixado passar, mas havia descoberto sem dificuldade o segredo que Gabrielle guardava e ainda que estivesse implicado um amigo de confiança, não queria que ninguém de meu palácio pensasse que poderia livrar-se completamente de meus olhos. De modo que esperei pacientemente fora dos aposentos de Anya, aguardando o momento oportuno.

As filhas de Anya estavam se convertendo nas queridinhas do palácio, sem dúvida alguma. Acho que as crianças sempre foram meu ponto fraco… Bom, e também as loirinhas – pensei com um sorriso. Com o passar dos anos, permitira que as crianças tivessem algumas liberdades em minha presença que a poucas pessoas jamais concedera. Ri baixinho ao recordar o que ocorreu essa manhã.

Depois de deixar Gabrielle em meus aposentos, dirigi-me à grande sala pública do palácio. Detestava esse lugar e havia jurado a mim mesma que me esforçaria mais para mudar seu aspecto. É a grande sala onde o público se reúne para me ver tomar decisões sobre os assuntos do reino. A única autêntica razão que a detesto é porque foi decorada em uma época que estava extremamente vaidosa. Tudo foi criado de forma a me dar ar de soberana poderosa. Depois de vinte e tantas estações como Conquistadora, aprendi que as aparências não fazem um soberano poderoso. Ah, por que se levam anos para aprender estas lições?

A sala tem uma tarima sobre a qual se erguia um trono bastante adornado. Em estações anteriores, gostava da imagem que aquilo criava. No entanto, ao completar os quarenta anos, fiz que levassem a monstruosidade de trono e o queimassem. Pedi que instalassem uma das poltronas mais cômodas de meus aposentos, longe da tarima, devo acrescentar, e concedia audiências ali. Era mais informal e menos ameaçador para os camponeses iletrados que amiúde percorriam grandes distâncias para apresentarem uma petição. Atualmente, não era raro ver crianças correndo pela sala ou escondendo-se atrás das saias de suas mães. Talvez por isso as duas meninas de Anya escaparam tão facilmente da atenção dos guardas.

Demetri, meu administrador, a quem ultimamente tinha muito bem vigiado, não parava de falar com tom monótono sobre uma petição relacionada com um grupo de escravos que haviam se amotinado a bordo de um navio que viajava de Amphipolis a Corinto. Algumas pessoas asseguravam que esses escravos eram cidadãos livres capturados ilegalmente. Como sabia que Demetri estava implicado aqui em Corinto com os comerciantes ilegais, não me surpreendeu que fosse o porta-voz dos proprietários do navio de minha cidade natal.

Os olhos de meu administrador se arregalaram de repente e perdi o fio de minhas reflexões sobre porque havia declarado ilegal matar idiotas como este. A mim parecia que assim se resolveriam muitos problemas. Desci o olhar, surpresa ao ver as duas meninas de Anya coladas a meus joelhos, sorrindo de orelha a orelha e puxando as pernas de minha calça.

Fez-se um longo e profundo silêncio em toda a grande sala e vi que alguns esperavam atemorizados para ver o que faria. Meu temperamento ainda me precedia e, com toda a justiça, a maior parte das pessoas não teve ainda a oportunidade de ver como eu mudara nas últimas estações. Ao olhar para estas lindas meninas, no entanto, nem me passou pela cabeça repreendê-las. Seus sorrisos confiantes eram um bálsamo para a alma desta velha guerreira, como o que recebia de Gabrielle.

– Conhecemos você. – disse a menina mais velha, com um sorriso radiante.

Detive com um gesto o guarda que correra para intervir e coloquei as meninas em meu colo. Pobre Demetri. O olhar em seu rosto, quando lhe disse para continuar foi inestimável. Estava tão distraído com as meninas, que se agitavam, riam e apontavam para ele, que começou a balbuciar. Quanto a mim, devo confessar que estava surpresa com minha reação. Lembro claramente o terror absoluto que havia sentido na primeira vez diante da idéia de ficar perto desses pequenos pacotes de alegria. Agora, não apenas não tinha medo, mas apenas percebia que uma menina puxava suavemente meu cabelo e a outra brincava com os cordões de minha camisa. Entretanto, escutava atentamente o monótono discurso de Demetri sobre a escravidão e o direito grego.

Uma das meninas começou a cutucar minhas costelas e atingiu um ponto particularmente delicado, provocando uma gargalhada, que dissimulei fingindo limpar a garganta. Segurei as mãos que me atacavam, mas agora aquilo se transformou em uma brincadeira para a menina. Percebendo rapidamente que começava a ter um aspecto muito pouco régio em minha situação atual, dei por encerrada a sessão da manhã.

– Liberte os escravos e devolve o navio a seus donos. – interrompi.
– Senhora Conquistadora, sem dúvida…
– Que parte de minha ordem não ficou clara? – perguntei a Demetri, levantando-me da poltrona e fazendo um gesto às meninas para que ficassem onde estavam. As duas se calaram imediatamente e ficaram sentadas obedientemente na poltrona onde acabava de deixá-las.
– Mas são escravos, Senhora Conquistadora… E os donos do navio…
– O tema da escravidão parece estar interdito. – disse bruscamente, caminhando até ficar diante do homem. Reconheço que sempre desfruto fazendo estas coisas. Era quase uma cabeça mais alta que qualquer dos homens de minha corte e ocasionalmente, a intimidação física era a única coisa que homens como este compreendiam. – Liberte todos e cada um dos escravos e dê-lhes dez talentos de prata do tesouro do palácio. Devolve o navio a seus donos e acabou.
– Mas, Senhora Conquistadora, sem dúvida os proprietários do navio merecem também uma compensação. – disse Demetri num tom queixoso.

Já havia dado a volta para sair, mas voltei a me colocar diante dele, para amedrontá-lo, e sussurrei num tom grave.

– Sua compensação é que lhes devolvo o navio sem apropriar-me dele. Além disso, não enviarei uma unidade de soldados para prender todos por comércio ilegal de escravos. Acabamos. Ouvirei mais petições esta tarde. – disse, dando-lhe as costas.

Voltei até as meninas, as peguei rapidamente nos braços e as levei da grande sala. Suas risadas podiam ser ouvidas pelos corredores e gostei muitíssimo dos olhares surpresos que me cumprimentavam.

*******

– Olá, Atrius. – sorri ao ver a expressão de surpresa total de meu capitão quando fechou a porta das habitações de Anya.
– Senhora Conquistadora. – inclinou a cabeça, com um sorriso preocupado. – Então sua Gabrielle acabou contando?
– Gabrielle? – fingi surpresa para proteger minha escrava. – Não, realmente. É que não parava de me perguntar por que foi o primeiro a aparecer naquela noite em que dei uma surra naquele jovem tenente. Comecei a juntar as peças e me dei conta de que teria de estar aqui por alguma razão. Não é próprio de você percorrer os corredores do palácio sem um motivo. Então, ocorreu-me que, efetivamente, poderia ter um propósito… Aqui, nos aposentos que estão debaixo dos meus.
– Em nenhum momento pretendi desonrar a senhora Anya ou a vós, Senhora Conquistadora. – disse Atrius com firmeza. Podia ver que estava se perguntando se realmente havia se metido em apuros ou não.

Afastei-me da parede onde estava apoiada. Dei uma palmada nas costas do soldado, comecei a rir.

– Vamos, meu amigo. O que lhe parece bebermos algo? – disse e levei Atrius escada acima até meu escritório.

*********

– Então, quando começou tudo isto? – perguntei a Atrius, servindo abundantemente duas grandes taças de vinho do Porto.

Atrius balançou a cabeça e me identifiquei totalmente com seu olhar. Sua expressão me dizia que também ele se fazia essa mesma pergunta.

– Fui ali para acompanhar Petra depois de lhe mostrar a área dos mensageiros naquele primeiro dia. Então a vi ali, tão pequena e frágil e… Bem, não sei nem como explicar o que senti.

Cruzei a sala, passei ao capitão umas das pesadas taças de prata e fiquei ali enquanto refletia sobre sua resposta. Sim, compreendia perfeitamente seus sentimentos. Ao que parece, eu mesma havia sido vítima da mesma dolência enquanto me hospedava em um castelo de Ambrácia, quando fiquei olhando para uma pequena escrava e seus pés descalços. Sacudi a cabeça para voltar ao presente.

– Bem, caro capitão, – comecei – tendo em vista que Anya vive aqui sob minha proteção, considero meu dever assegurar-me de que sua reputação não seja manchada. Quais são suas intenções para com essa mulher? – perguntei, mas quando vi que Atrius começava a se irritar, dei-me conta de que ele não havia percebido a brincadeira.
– Não fiz nada que possa colocar a honra da mulher em perigo, Senhora Conquistadora. – disse com os dentes cerrados, levantando-se da cadeira.
– Calma, meu amigo. – pus uma mão em seu ombro e o empurrei novamente para a cadeira. – Estava brincando, Atrius. – sorri para o homem.

O capitão então sorriu, balançando a cabeça. Finalmente, um silêncio pesado flutuou entre nós e quando olhei para ele, tinha a vista cravada em mim.

– Mudou muito, Senhora Conquistadora.
– Para o bem ou para o mal? – respondi rindo ligeiramente.
– Para o bem… Para muito bem. Quando a conheci, foi sua habilidade como guerreira o que me levou a lutar ao seu lado. Depois de quase vinte estações, fui testemunha do seu melhor e do seu pior, mas sempre estive disposto a morrer com uma espada na mão por seus ideais. Estava presente na época em que as pessoas a chamavam Leoa e sempre acreditei em você e nas razões pelas quais lutava para proteger a nossa Grécia. Não vejo inconveniente em pedir ajuda e rezei para Athena, em mais de uma ocasião, para que algum dia retornasse aos ideais da Leoa. Alegro-me de saber que os deuses ainda escutam as orações de um velho soldado. – terminou e me virei para a janela pestanejando para controlar as lágrimas repentinas.
– Não me orgulho da maior parte de minha vida, Atrius. – respondi.
– Não tentarei lhe dizer que apresentar-se diante de Hades será fácil, quando esse momento chegar. Gostaria que soubesse que por tudo isso, ganhou meu respeito como guerreira. Nas últimas estações, vi você adquirir uma autoconsciência, e todos agradecem por isso. Sempre me senti orgulhoso de chamá-la Senhora Conquistadora, mas foi apenas recentemente que tenho também o prazer de chamá-la de amiga.
– Obrigada, Atrius. Esse título me honra mais que qualquer outro. – respondi, ainda de costas para ele. – Então, me diga, amigo – perguntei, mudando de assunto. – O que sente por esta jovem mulher, Anya?
– Eu… Bem, acho que a amo. – respondeu Atrius um pouco embaraçado. Eu o compreendia, mas quem era eu para lhe perguntar uma coisa assim?
– E ela sente o mesmo por você?
– Acredito que sim, Senhora Conquistadora. A verdade é que nunca dissemos as palavras, mas… Bem, já sabe como é… É uma espécie de sentimento.

Quis dizer a Atrius que não sabia como era, que por isso estava aqui, sem dúvida parecendo uma idiota, perguntando a um soldado coisas sobre o amor. A última coisa que precisava ou desejava era parecer uma imbecil. Perguntei-me se valia a pena tentar elucidar o que era que sentia por minha jovem escrava. Não era possível que uma bela jovem se enamorasse da Conquistadora do mundo conhecido, não é? E depois, o que eu sinto por Gabrielle não é amor, não é? Havia apenas uma maneira de averiguá-lo. Tinha que decidir se para ter uma relação com Gabrielle, por mais ridículo que soasse, merecia passar por uma leve humilhação.

Virei-me e coloquei uma cadeira pequena diante do homem sentado. Dei a volta e montei no assento, descansando os braços no encosto da cadeira, diante de mim. Abri a boca para falar, antes de me acovardar e sair fugindo.

– Atrius, como sabe?
– Sei o que, Senhora Conquistadora?
– Se o que sente… Se o que ela sente… Quero dizer, se é amor de verdade? – era tarde demais para voltar atrás, a pergunta foi formulada, e por isso olhei para ele com firme determinação, esperando que fosse bastante esperto para não me obrigar a lhe dar explicações.

Finalmente a luz da compreensão iluminou seus olhos castanhos e assentiu com a cabeça, enquanto seus lábios esboçavam um leve sorriso travesso.

– Entendi. – disse por fim. A importância das pessoas implicadas havia acabado de ter efeito sobre ele. – Não é muito fácil de explicar, é pelo que sinto quando estou com ela, mas é mais que isso, é pelo que sinto quando não está ao meu lado. Se ela está longe de mim, preocupo-me com ela e quando está comigo, preocupo-me em não fazer algo estúpido diante dela. É pela espécie de dor que sinto quando espero todos os dias para vê-la e então, no instante em que estou com ela, a dor continua porque sei que dentro em pouco terei que deixá-la. É por saber que tudo o que diz ou faz converte-se em algo fascinante para mim. É porque tenho que lembrar a mim mesmo que devo continuar respirando quando me sorri. Sobretudo – Atrius finalmente respirou e notei como seus olhos adotavam uma expressão gentil ao falar de Anya – É por saber que certamente ficarei como um idiota absoluto diante dela, mas que não perceberá e, se perceber, estou certo de que não dará importância. Eu sei que nada disso é muito concreto, mas é o único modo que conheço para expressar que ela me completa.

Assim que terminou de expressar-se de uma forma totalmente inapropriada para um soldado endurecido pelo combate, ouvi gritos seguidos de gargalhadas vindos de fora. Levantei-me, fui ao balcão que dava para meus jardins e fiquei olhando enquanto Gabrielle cobria as pernas de Anya com uma manta pequena. A mulher um pouco mais velha estava sentada em um dos bancos de pedra. A jovem escrava então se virou e se lançou sobre uma das meninas, levantou-a e se pôs a girar acompanhada dos risos de alegria da pequenina.

Esta era a menor, a que sempre dava um jeito de me encontrar, como fez mais uma vez. Quando apontou com um dedo gorducho até o balcão aberto, Gabrielle ergueu os olhos e se encontrou com os meus. Sorriu e me encontrei tal e como dissera Atrius, lembrando-me para continuar respirando. A menina me saudou agitando a mão alegremente e não pude evitar agitar os dedos para cumprimentar e então me detive de chofre e olhei a minha volta, intimidada, para ver se havia alguém olhando. Limpei a garganta e tentei parecer severa uma vez mais, mas acho que as mulheres lá embaixo compreenderam que era tudo de fachada.

Gabrielle beijou a bochecha gorducha e a menina soltou-se de seus braços e entrou correndo pelo labirinto de caminhos de pedra que serpenteavam pelo belo jardim. Não sei se essas flores haviam ouvido risadas alguma vez antes de agora, e menos ainda a risada de uma criança. Nunca permitia a ninguém entrar em meus jardins particulares, mas uma vez que Gabrielle tinha a liberdade para se mover por toda a área, os guardas sabiam que não lhes convinha negar a passagem dela e de suas novas amigas.

Assim que soltou a risonha menina, Gabrielle levantou a cabeça para olhar-me de novo. Apenas com esse olhar, tudo o que Atrius acabava de me dizer adquiriu sentido completo.

É isso o que sinto pequena? É por isso que me preocupo quando não está comigo e me sinto cativada por seu charme inocente e involuntário? É verdade? Estou sentindo algo que Xena a Conquistadora pensava que nunca sentiria?

O contato de nossos olhos não durou mais que uns segundos, mas para mim foi como uma eternidade. Quando olhei dentro daqueles olhos, em que sempre parecia haver algo mais do que o resto do mundo via, reconheci a verdade. Gabrielle, você me completa.

*******

Ao fim da tarde todas as audiências do dia haviam se esgotado, como eu. Procurei Gabrielle e, ao não encontrá-la, perguntei a um dos guardas que estavam neste pavimento do palácio.

– Está ajudando na escola, Senhora Conquistadora. – respondeu.
– Não sabia que tínhamos uma escola. – respondi um pouco confusa.
– A senhora Delia foi quem a organizou, Senhora Conquistadora, e pediu que sua Gabrielle a ajudasse.

Comecei a rir ao ouvir isso. Deuses era o que me faltava, que Gabrielle passe mais tempo com Delia. Este plano é muito próprio das duas.

Como não sabia quando minha jovem escrava voltaria, decidi deixar-lhe uma nota e tirar Tenorio para um passeio relaxante. Repasso agora minhas ações e me sinto admirada. E se não tivesse decidido deixar-lhe uma nota? O que teria acontecido entre nós se não tivesse ido a seus aposentos e não tivesse descoberto o pergaminho, fora de seu estojo sobre sua escrivaninha? Há alguns dias não paro de me perguntar, pois neste dia, tornou-se oficial. Neste dia perdi o coração.

Chamo-me Gabrielle. Sou escrava e pertenço a Xena a Conquistadora…

Assim começava o pergaminho, mas eu já ia muito mais adiantada. Havia lido mais da metade. Estava fazendo algo horrível, invadindo a intimidade de minha jovem escrava ao ler o pergaminho. Estava totalmente enrolado, mas fora de seu estojo, como a espera de ser terminado. Quis parar. Repreendi-me e me critiquei, mas não conseguia parar de ler. Era como se Gabrielle estivesse finalmente falando comigo. Estava me contando seus pensamentos mais particulares e íntimos e eu, como a grande criminosa que sou, cedi ao chamado da tentação.

O que é ela tem para fazer que meus numerosos temores se derretam, como o gelo do inverno sob o calor do sol de meio-dia? Por que sinto que sou muito mais que uma mera escrava quando estou em sua presença? Uma pergunta mais adequada poderia ser, por que insiste em que sou mais que uma escrava?
Até mesmo quando não a vejo, sinto seu poderoso olhar azul sobre mim, tentando extrair meus segredos ocultos nos recôncavos de meu coração. Ela não sabe o que significa ser escrava, mas não direi que não sabe o que é o medo. Eu mesma a tinha como a mulher mais destemida que havia conhecido em minha vida, mas na noite em que me ensinou a defender-me, descobri que não apenas conhece o medo, senão que frequentemente é seu companheiro mais íntimo.
Não podia, e não posso ainda, explicar o que aquela noite significou para mim. Deu-me permissão para me defender. Salvou-me ou condenou-me? Chamou-me de sua escrava somente uma vez, quando estive em sua presença. Agora utiliza a expressão “você pertence a mim”. Poderia interpretá-lo como a forma que tem minha ama de afirmar sua propriedade, mas sinto que há algo mais. Pergunta-me se lhe pertenço e sinto que está me pedindo muito mais que isso. Frequentemente, quando faz essa pergunta, em sua voz eu percebo certa tristeza, até mesmo um receio.
Obrigou-me a fazer algo que havia jurado que jamais ocorreria. Prometi a mim mesma, todos os segundos de cada dia, durante quase onze verões, que não faria isso, mas aconteceu. Aconteceu o impensável e não sei como reparar o dano, e pior ainda, não sei se quero. Chama-se Xena, a Conquistadora e é um nome adequado, não é? Ela me conquistou. Rompeu as barreiras que passei metade de minha vida criando e, de todas as coisas que jurei que jamais aconteceria somente ela foi capaz de trazer à luz. Ela me fez sentir.
Meu problema é que não sei o que sinto. É amizade, compaixão… Pelos deuses, amor? Como se reconhece a diferença, se nunca se experimentou essas emoções? A dor e a humilhação têm sido meus companheiros constantes desde a primeira vez em que me subiram aos estrados de leilões. O que sabe esta mulher destas coisas, quando nunca sofreu a degradação de ser possuída como propriedade fiduciária? Como é possível, então, que saiba exatamente o que dizer para acalmar meus temores constantes? Como sabe como me tocar, para que sinta suas carícias não apenas na pele, mas no mais fundo de minha alma?

Não sei por que ou como me conhece tão bem em algumas ocasiões. Somos muito diferentes, não somos? Há tantas perguntas e tão poucas respostas! Tenho uma educação melhor que mais da metade dos habitantes deste castelo, mas há muitas coisas que ainda não experimentei. Fui bem instruída e meu conhecimento é vasto, mas tenho me mantido protegida de muitas coisas. Por que me sinto totalmente a salvo em seus braços? Engano-me ao pensar que possa haver uma ligação… Atrevo-me a usar a palavra carinho, crescendo entre nós?
Ela sabe a inquietude que isto me causa? Esta mulher, que me parece onisciente, sabe que me desperto à noite para ouvi-la sussurrar meu nome em seus sonhos? Percebe que, quando não está olhando, contemplo-a e fico impressionada por sua beleza? Compreende que as suas são as primeiras carícias agradáveis que recebi em toda minha vida?
Ontem à noite lhe dei prazer pela segunda vez de um modo que nenhum homem ou mulher jamais me ensinou. Foi puro instinto e algo bastante primitivo que sentia guardado dentro de mim. Era poderoso e exigente e, ainda que soubesse que a excitação de minha ama era grande, a minha também era. Isso me surpreendeu e assustou. Toquei-a assim não apenas porque dava prazer a ela, mas porque também a mim dava grande prazer. Em quase onze estações, nunca obtive a menor satisfação com os atos que realizei ou dos que fui vítima. Essa mulher, no entanto, pode sussurrar em meu ouvido e sinto o calor girando em meu ventre. Quando me toca, umedeço-me no mesmo instante e aguardo o contato que sempre promete que não se deterá até que experimente essa satisfação.
Esta noite, fui pega nesse prazer, não apenas o seu, mas o meu também. Montei-me sobre seu corpo, colei meu centro úmido em seu musculoso abdômen e, de repente, senti que meu quadril se agitava para colar-se em seu ventre. Senti-me envergonhada, pois sabia que o castigo seria instantâneo, mas ele não veio. Suas grandes mãos agarraram meu quadril e se pôs a guiar meus movimentos. Puxou-me para baixo, pressionando minha necessidade em sua pele com mais força, e minha umidade fez que fosse mais fácil deslizar sobre esses músculos rígidos, cobertos pela sedosa pele. Dentro de minha cabeça sabia que meu comportamento não era o de uma escrava e quando se pôs a gemer e a me animar com suas palavras, soube que o seu não era o comportamento de uma ama.
Debrucei-me para frente, apoiando as mãos na cama e continuei agitando meu corpo, concentrada unicamente em minha crescente necessidade. Os sons que fazia atravessavam meu corpo com choques de prazer e então senti que suas mãos subiam por meu corpo e cada uma colhia um seio. Beliscou e puxou as sensíveis pontas e isto fez que me batesse com força contra ela. Não tinha absolutamente o menor controle sobre minhas ações e me sentia apavorada e gratificada ao mesmo tempo. Quando finalmente me joguei para trás, gritando em silêncio no orgasmo, senti que aqueles longos dedos deslizavam para dentro de mim. Antes que meu corpo pudesse se recuperar, ela voltou a me provocar sensações uma e outra vez. Sua voz… Deuses, que voz! Sentou-se e me rodeou com um braço, enquanto continuava enchendo-me com o outro, repetidamente. Falou-me com esse tom grave e sedutor, dizendo-me tudo o que faria para mim, tudo o que desejava de mim. Eram palavras doces, sensuais, às vezes vulgares, mas o som, junto com a idéia de que poderia torná-las realidade, me fez cair por um precipício de onde pensei que jamais poderia voltar. Tudo em que pude pensar, enquanto jazíamos juntas muito tempo depois, foi que este não era o comportamento de uma ama e sua escrava, mas de duas amantes.
Uma noite despertei, gritando aterrorizada por um pesadelo que não acontecia desde há muitas estações. Esta grande mulher me colheu entre seus braços e olhou-me verdadeiramente angustiada, pensando que havia feito algo para desencadear a inquietante visão. Abraçou-me e sussurrou-me palavras ternas até que senti meu coração recuperar seu ritmo normal. Foi então que eu soube. Uma vez mais, não é algo que possa explicar de forma lógica, apenas um sentimento que tenho. Naquela noite soube que faria qualquer coisa por mim. Passaria fome para dar-me de comer, sofreria o frio para com tal dar-me calor. Impressionou-me também perceber que se deixaria cortar por uma espada antes de permitir que me sucedesse algum mal. O outro sentimento que tenho é a de que ela não sabe por que sente estas coisas. Mas me pergunto, as sente também? Será que ela sabe?
Ainda assim, saber não é compreender. O que será de mim se me equivoco?

Quando percebi que custava ler pela falta de luz, levantei a vista alarmada ao ver que o sol estava se pondo. Coloquei rapidamente o pergaminho sobre a mesa, exatamente na mesma posição em que o havia encontrado, e me dirigi em silêncio aos meus aposentos. Entretanto, minhas mãos tremiam pelo que havia descoberto.

Se não tivesse estado tão absorta em minhas reflexões, é possível que tivesse visto a pequena loira escondida em um nicho da escada de pedra. E é possível que tivesse visto algo que acabaria descobrindo somente quando nossa relação estava muito avançada. Se fosse uma pequena mosca pousada na parede, teria visto como Gabrielle entrava sigilosamente em seus aposentos, acendia uma vela e ia direto à sua escrivaninha. Em seus lábios se desenhou um doce sorriso quando aproximou o pergaminho da luz da vela. Depois de colocar novamente o pergaminho na mesa, arrancou um longo fio dourado da cabeça. Com cuidado, a jovem o enrolou em volta do pergaminho. Antes de apagar a vela, uma expressão que parecia uma mistura de medo tingido de animada expectativa cruzou seu rosto. Suspirando com determinação, a jovem saiu da sala, para bater suavemente na porta do outro lado do corredor.

Nota