Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

O mundo é vermelho e laranja.

O fogo destrói tudo ao meu redor. Estou dentro dele, mas ele não me consome. Ele é minha casa.

Ela também está lá. As chamas saem dos dedos dela. Ela move os braços em círculos suaves, espalhando a destruição ao seu redor. Está dançando para mim. Caio de joelhos, arrebatada.

Quando tudo está consumido, ela me percebe. Estamos em um mar de cinzas. Sou a última e a única para ela. Ela toca meu rosto com suas mãos de brasa.

Uma agonia extasiante atravessa cada pedaço do meu corpo. Perco a noção de mim. Tudo que sou vibra e estremece. O mundo desaparece e vejo branco sob minhas pálpebras.

Quando abro os olhos, o laranja está no sol que entra por uma fresta da tenda. Meu corpo ainda treme. A respiração me abandonou. Não entendo porque não consigo me mexer, porque estou coberta de suor nessa manhã fria. Não entendo porque me sinto fraca.

Uma voz do lado de fora me diz que fui destacada para caçar.

Eu, fraca e tonta, me ergo. Me armo de espada, arco e flecha.

Vou junto com mais dois homens. Eles não param de falar. Não absorvo a conversa deles, mas ela faz minha mandíbula apertar de irritação. Quero matá-los. Se eu tiver uma chance, irei matá-los. Eles me olham como se eu fosse uma mancha de lodo. Sorrio para eles e algo nisso faz eles suarem frio e se calarem. Ótimo.

Pego meu arco e flecha e os armo. Minha seta passa entre eles dois. Eles se assustam e caem. Um cervo é atingido logo adiante.

– Vocês carregam – eu falo. Eles correm para pegar o bicho.

Somos os primeiros que voltam ao acampamento. Aos poucos, outros grupos vão chegando com suas caças. Digo aos homens que foram comigo que preparem a carne. Eles o fazem. Me obedecem fácil.

Meus olhos alternam entre observar o trabalho dos homens e circular o acampamento em busca dela. Ela finalmente sai da tenda, um rapaz ao lado dela. Um dos soldados. Jovem, bonito. Cabelos loiros, como os meus. Olhos grandes e castanhos, como os meus. Pelo jeito que eles se movem, se tocam, eu sei o que aconteceu.

Algo desmancha dentro de mim. Algo cego e surdo.

Ela não tem absolutamente nenhuma vergonha do que faz. Os domina com sua espada e com seu corpo. Qualquer soldado mataria para ser aquele rapaz. Ela faz ele se sentir especial, mas ele é só mais um. Daqui a alguns dias será outro. E outro.

Ela flagra meu olhar. Eu não desvio. Eu entro nele. Só depois da eternidade os olhos dela me deixam.

O rapaz é encontrado morto na floresta dias depois. Um acidente, eles pensam. Mordido por uma cobra. Caiu e a cabeça esmagou em uma pedra particularmente pontuda. Alguns lamentam. Tão jovem. Tão bonito. Tão talentoso. Tão morto.

Rio sozinha na minha tenda. Cubro minha boca para eles não ouvirem. Minha gargalhada é a única evidência de minha culpa.

Ela não falou nada. Não lamentou. Só ordenou que fosse enterrado longe do acampamento. Eu sabia que ele não era nada para ela.

Quando a noite cai e tudo está silencioso, me desloco furtivamente até estar ao lado da tenda dela. Deito-me no chão. Do lado onde sei que está a cama. Os barulhos são baixos, mas estão lá. Dessa vez, é uma mulher.

Não sei porque estou ali. Não faz parte do meu plano. Mas preciso ouvir isso.

A escuto falar as coisas mais sujas e degradantes. A mulher que está com ela reage como se gostasse. Os barulhos ficam um pouco mais altos. Meu corpo começa a fazer todas aquelas coisas estranhas de novo. Ofegar, tremer.

Acho que estou começando a entender.

Saio dali e volto para minha tenda antes que eu faça algo inesperado. Algo que estrague tudo. Estou ali para meu propósito e estou me distraindo. Não imaginei que fosse me distrair.

Isso não acontecerá mais.

Eu estou errada.

Uma semana depois, a mulher está morta. Caiu de um precipício. Mais um acidente, eles pensam. Xena, mais uma vez, apenas ordena que a enterrem. Ela também não significa nada para ela. Me sacudo inteira de gargalhar dentro da minha tenda, as mãos apertando fortemente minha boca.

Passam-se semanas antes que ela leve outro para a cama dela. E o desafortunado também sofre um terrível acidente, alguns dias depois.

Cochichos começam a correr pelo acampamento. Eles acham que é a própria Xena que está fazendo isso. Eles começam a sussurrar o nome Viúva Negra. Alguns brincam que é uma morte que vale a pena.

 

***

 

Os dias continuam a correr.

Mais uma campanha de guerra onde eu mato dezenas. Talvez pelo menos uma centena. Não sei. Não conto. Estou encharcada de sangue, por dentro e por fora. Talvez tenha até matado algum soldado dela sem querer.

Mais uma noite de comemoração e aproveitamento de espólios.

Me escondo em minha tenda. Odeio aquilo. Eles bebem e gritam. Quero matar todos. Um dia os matarei, todos eles.

Alguém entra em minha tenda e se joga sobre mim. Reajo instintivamente, pronta para matar. Mas é alguém tão forte quanto eu.

É ela.

O corpo dela pesa sobre mim, as mãos dela prendem meus pulsos contra o chão. Ela tem cheiro de bebida.

– Eu sei que é você, vadia maldita – ela sussurra em meu pescoço – eu te segui da última vez.

Rio baixinho. Eu sabia que ela logo saberia. Ela é tão boa.

– Eu vou levar alguém para minha cama essa noite – ela rosna – e não vai ser você. E se a pessoa aparecer morta num “acidente”… Te mato no dia seguinte. Entendeu?

– Entendi.

– Você achou mesmo que passaria despercebida? Achou que eu não ia notar?

– Eu tinha certeza que você ia notar.

Ela me olha, confusa. Eu continuo rindo baixinho, sem parar.

– Você quer morrer? – ela pergunta. 

– Quer saber? Talvez eu queira.

Ela me olha estupefata por um momento. Depois começa a rir. Se sacudindo. Nunca a tinha visto rir daquele jeito. É fascinante. Ela solta meus pulsos e cai ao meu lado no chão, convulsionando em gargalhadas.

– Oh, deuses – ela fala – que vadia maluca você é. Talvez a mais maluca das vadias que já passaram por aqui.

Ela finalmente se levanta. Continuo deitada e apoio minha cabeça em um dos meus braços e cruzo minhas pernas.

– Bem, você foi avisada – ela fala – pare de matar meus brinquedinhos, certo?

– Certo.

– Senão mato você.

– Senão você tenta me matar – sussurro.

Ela, que já ia saindo da tenda, volta mais uma vez o olhar para mim.

– O que faz você pensar que eu não conseguiria?

– Eu sou boa, Xena. Tão boa quanto você.

– Você acredita nisso?

– Eu sei disso.

Ela sacode a cabeça, um riso sardônico, e me deixa.

Eu não sei porque estou tão feliz.

 

***

 

Paro de matar os brinquedinhos dela. Mas gravo todos em minha memória. Talvez eu mate todos depois de matá-la.

Ela continua invadindo meus sonhos.

Odeio isso.

Meu corpo é um traidor. Odeio ter um corpo.

Ela diz coisas degradantes para mim e eu gosto. Ela me esmaga com seu corpo e eu gosto. Sou um dos brinquedos dela e eu gosto. Eu acordo fraca e eu odeio.

Estou aqui para matá-la. Para me vingar. Para que eu possa finalmente seguir. Para que depois de passar anos sendo um vazio, eu possa, talvez, me sentir viva.

Mas nunca estive tão viva como quando estou perto dela. Quando ela olha para mim. Fala comigo. Luta comigo.

Um dia, ela treinou comigo. De verdade. Com intensidade. Na frente de todos. Foi ferrenho, delicioso, cruel, perfeito. E um empate. Vi receio nos olhos dela. Não de mim. Da impressão que aquela luta causava nos outros. Deuses, ela vai tentar me matar, eu tenho certeza. Se aproxima o momento em que será eu ou ela.

O tempo passa, daquele jeito cego quando ela está ausente.

Theodorus me chama.

– Preciso que me acompanhe Callisto. Para uma conversa particular.

Paro de amolar minha espada, a guardo na bainha, e me levanto do tronco onde estava sentada. Dou alguns passos, as mãos nas costas, os olhos no chão.

– O que o tenente de Xena poderia ter para conversar com um simples soldado? – pergunto.

– Você descobrirá quando me acompanhar – ele fala.

– Você está agindo sozinho Theodorus… ou sob ordens de Xena?

– Eu sou seu superior, e você me obedece sem reclamar, garota! Isso é um exército!

– É por causa do último treinamento? – continuo dando meus pequenos passos, mas dessa vez olhando para ele – por que eu sou tão boa quanto ela? O segundo no comando está se sentindo ameaçado?

– Maldita! Resolverei aqui mesmo! – ele saca a espada e eu também.

– Theodorus! Callisto! – a voz dela ecoa.

É melodiosa como Orfeu mesmo quando grita enraivecida.

– Que porra estão fazendo?! – ela pergunta, já perto da gente.

– Acho que isso responde minha pergunta – digo, sem deixar de encarar Theodorus – ideia sua, hein?

Ele baixa a espada, furioso.

– Theodorus está inseguro, Xena. Talvez você devesse conversar com ele de coração para coração – murmuro, espada ainda na mão, um dedo entre os lábios.

– Não escute essa maluca, senhora. Vim conversar algo simples com ela e ela perdeu o controle.

– Que feio, Theodorus – aponto para ele – sabia que mentirosos vão para o Tártaro?

– Os dois parem imediatamente! – Xena ordena – Theodorus, venha comigo – o homem me lança um último olhar furioso e eles dois somem dentro da tenda dela.

Me sento novamente no tronco de madeira e fico observando. Depois de um tempo, Theodorus sai da tenda, possesso, me olha, mas segue em frente. Pouco depois, Xena sai, e me chama. Eu vou, quase saltitante.

Lá está ela, com aquela adaga de novo. Me encara, pressurosa. Sorrio, minha cabeça inclinada, meus olhos nos dela.

– Então – ela começa – as pessoas notaram o que houve naquele treino.

– É mesmo?

– Eu realmente devia matar você.

– E porque não o faz?

– Por que posso acabar morta no processo. E não tenho intenção nenhuma de morrer no momento. Além do mais… – ela se aproxima de mim – faz realmente muito tempo que não encontro um adversário à altura.

– Não sou sua adversária, Xena – olho de lado, fingindo ofensa – sou apenas um soldado.

Ela estreita os olhos e morde o lábio inferior.

– Quero lutar com você de novo – ela diz – mas não quero que os outros vejam. As pessoas podem começar a ter ideias estranhas. Theodorus quis matar você hoje. E se vocês lutassem… eu perderia um homem leal.

– Hummm – eu traço linhas no chão com a ponta da minha bota – e o que você quer fazer?

– Me encontre amanhã a noite, na clareira ao lado da ravina onde houve o último, an, “acidente”. Treinaremos juntas lá – ela me olha nos olhos, um sorriso degenerado – só eu e você.

Só eu e você.

Me sinto exposta. Sinto que ela me viu. E não me importo. Por que nada disso muda o fato fundamental que eu vou matá-la.

– Vai tentar me matar? – pergunto.

– Só se você tentar também.

O jeito que ela fala aquilo escorrega por minha pele como uma manta de seda.

– Certo. Estarei lá – sacudo minha cabeça para cima e para baixo com ímpeto.

– Dispensada.

Dessa vez não consigo segurar. Volto saltando para minha tenda. Olhares asquerosos me seguem. Mas não me importo. Só existe um olhar que me interessa nesse mundo. E ele será só meu, amanhã, na clareira ao lado da ravina.

Nota