09 – Questão de perspectiva

As amazonas foram colocadas uma ao lado da outra, no sol, de frente para a barraca de comando. A Conquistadora parou frente as prisioneiras lentamente como quem escolhe cavalo no mercado. Xena usava sua voz de comando, capaz de exaltar os homens em batalha e mesmo no meio de uma tempestade ser ouvida. Era hipnotizador.

– Vocês cometeram um crime ! Um crime gravíssimo contra mim, contra minhas leis, que vai contra o tratado assinado entre as amazonas e o Império . Um crime contra mim, quando tantas amazonas chegam sorrateiramente ao lado de meu campo de treino e criminosamente prenderam um de meus homens, tocaram em um de meus soldados. Seu crime não ficará impune! Qual de vocês é a comandante?

–Sou eu senhora! disse Ephiny imediatamente.

O olhar de todas ficou focado no solo, menos o de Gabrielle , que olhou pra amiga com espanto, admiração e raiva. Ela não iria permitir que Ephiny sofresse qualquer medida por ela.

– Sou eu Imperatriz. E olhou diretamente nos olhos da Conquistadora .

– Vocês tem conhecimento dos termos do tratado do Império com a Nação amazona?

– Sim senhora Conquistadora, responderam ambas ao mesmo tempo.

– Devo tomar como desrespeito a atitude de vocês, ou como diversão?

– Senhora Conquistadora, disse Gabrielle, se me permite a ousadia, peço permissão para explicar nossa atitude e o motivo de minha boa amiga Ephiny estar tentando me proteger.

– Adiante. Me divirta. Qual de vocês abriu a ordem selada?

– Eu abri. Sou Gabrielle, irmã adotiva da Rainha Melosa. Ephiny , é atualmente a comandante da expedição e da guarda real. Como boa guarda real apenas tenta fazer o que é treinada pra fazer, que é me proteger nas situações de perigo, e francamente, ser julgada pela senhora Conquistadora é uma perigosa situação. Nós realmente não cometemos crime algum, majestade, tudo isso deve ser algum mal entendido. Nós apenas estávamos descansando nas cavernas e certamente não buscamos nenhum atrito com seus homens ou alguém do Império .

– O que queriam nas cavernas?

– Apenas descansar.

– Qual o motivo delas quatro chegarem cavalgando como se o cão do inferno estivesse atrás delas?

– Foram ao templo de Atena buscar um medicamento que eu deveria tomar sem demora e eu não estava em condições de ir até lá. Este também é o motivo das roupas de camponesa.

– Não estou comprando tua mentira amazona. Não pareces nem um pouco doente.

– É uma doença que manifesta dores que iniciam com o levantar da lua e diminuem com o sair do sol. Eu não estou mentindo Senhora.

– Onde está o medicamento?

– No alforje vermelho, em um odre também vermelho.

Chegando próximo a Ephiny a Conquistadora manda que ela olhe em seus olhos.

– É verdade isso?

– Sim, mas realmente eu sou a comandante da expedição.

Sem esperar, recebe uma bofetada da Conquistadora .

– Vamos tentar novamente. Façamos assim, aquela que estiver mentindo vai morrer.Você é a comandante deste grupo?

– Não senhora Conquistadora . Somente da expedição.

Outra bofetada, agora mais difícil.

– Não brinque comigo amazona. Não estou no humor pra isso.

– Não senhora Conquistadora, não estou brincando. Eu comando a expedição. Mas o que ela disse também é verdade, é irmã adotiva da Rainha Melosa, comanda a todas nós.

– E você? Xena pergunta parando em frente a Eponin. Também é uma comandante?

– De certa forma. Entregue minha espada e eu te mostro o que comando.

– Ah… ao menos uma não finge ser o que não é. Interessante. Yolker! Busque nas armas destas mulheres a espada dela e traga também o odre vermelho se o encontrar. Espere. Vá com ele e escolha sua espada, entregando-a a ele, junto com o odre vermelho e volte para seu lugar. Entendido?

Eponin apenas balança a cabeça e sai até o rapaz, escolhe sua espada e o odre, voltando ao seu lugar. Ephiny imediatamente fica de joelhos e toca o solo com a testa, sendo seguida por todas as outras amazonas no gesto, menos Gabrielle.

Xena já viveu entre as amazonas, e sabe claramente o significado de tal gesto. Uma súplica, elas estavam implorando.

– Parece que não gostam da ideia de eu fazer esporte de ti amazona. Qual seu nome?

– Eponin minha senhora.

– E qual tua função na expedição , Eponin?

– Sou a mestre de armas de nossa tribo , majestade. Na expedição minha função é de manter protegida a princesa .

– He he hehehehehehehehehheh, parece que falharam na expedição, não achas alteza?

Olhando firmemente para a Conquistadora, Gabrielle responde.

– Não. Mantiveram-me viva, inteira e sem dor o quanto puderam. Fizeram todo o possível para conseguir o medicamento no que sou profundamente grata a cada uma delas.

– Entendo. E vocês estarem próximas ao meu campo foi apenas coincidência.

– Nós realmente não sabíamos de seu campo ou atividades. A Rainha foi muito clara ao avisar que deveríamos nos manter longe de sua presença, majestade.

– Então, não somente feriram minha lei como desrespeitaram sua rainha. Isto está ficando cada vez mais divertido.

Parando frente a Ephiny , a Conquistadora questiona enquanto toca seu rosto com a bota.

– Qual tua súplica comandante? Sua vida? A vida de tuas seguidoras? Tua princesa parece não estar de acordo com esta atitude. Fala!

– Minha princesa fala a verdade majestade. Ela não tinha conhecimento de seu campo de treino ser tão próximo.

– Ah, ela não tinha. Você tinha, então. E deliberadamente resolveu acampar tão próximo a mim. Por que?

– A doença de minha princesa necessitava ser parada. Foi um risco, mas necessário. Eu não sabia que o campo estava sendo utilizado.

– Imbecil!

Sem aviso prévio o pé da Conquistadora acerta as costelas de Ephiny .

– Em pé todas vocês! Qual tua súplica comandante?

Levantando Ephiny pelos cabelos lhe acerta um soco no estomago que a faz dobrar, sendo seguido de algumas bofetadas.

– O remédio! Que lhe seja permitido tomar o medicamento majestade!

– Mortos não precisam de medicamento comandante. Você falhou e seu risco foi mal calculado!

Pegando um chobo, Xena lentamente colocava golpes em Ephiny . Escolhendo calmamente o local, não acertando pontos vitais, mas apenas pontos de dor. Nenhuma amazona fez um gesto ou levantou o olhar, pois faze-lo poderia determinar a morte de Ephiny ou Gabrielle, mas havia ainda a esperança de Ephiny resistir. Apenas Gabrielle e Eponin viram o espancamento em toda sua crueldade. Uns golpes depois, Xena olha pra Ephiny e declara que sua súplica foi considerada. Daria a cada suplicante o direito de se provar merecedora se Eponin sobrevivesse a um embate com um de seus homens.

–Vocês poderão provar seu amor por sua princesa e não derramarei o conteúdo deste odre no chão se esta mestre de armas for digna.

Abriu-se um circulo e um homem entrou nele. Dietar era alto como Xena , mas largo e pesado. Usava duas espadas e um sorriso confiante. A espada de Eponin foi dada a ela, e ela devia sobreviver. Xena colocou as regras.

“Você deve sobreviver amazona, mas cada corte que receber suas irmãs receberão igual. Cada corte que provocar, sua princesa receberá igual. Vence o que fizer o outro tocar as costas no chão. Isso deve ser divertido, já estamos no meio da tarde, vamos ver quanto tempo você dura . Abram espaço, vamos ver a mestre de armas em ação. Tente não mata-la no início Dietar, tenho dinheiro apostado. Comecem”.

O homem foi com tudo pra cima de Eponin. Suas espadas balançando em diagonal não davam muita abertura, mas ele não se deu conta de que ela não pretendia toca-lo com a espada. Lentamente foi girando em torno dele, aproximando e afastando. Aparando as estocadas bem colocadas e impedindo a lamina de tocar sua pele. Resolveu usar o lado da espada para provoca-lo e volta e meia acertava seu rosto ou seu traseiro. Isso durou duas marcas de vela. As gargalhadas dos companheiros foram enfurecendo o homem, que foi perdendo a noção do entorno, fixando apenas no alvo. Era o que Eponin pretendia. Aparando duas estocadas verticais que lhe fatiariam ao meio, viu uma abertura e colocou seu cotovelo no nariz de seu adversário, deixando um rastro de sangue e raiva. Indo para o lado mais alto do circulo, Eponin foi levando seu adversário para junto das pedras que estavam próximas a um arbusto. Saltando sobre uma pedra média, esperou o ataque que tirou faíscas da pedra e lhe rendeu a oportunidade de um chute no rosto de seu adversário. Ao saltar da pedra, ficou ao lado de Dietar que usou o balanço para dar mais força a seus braços, perdendo momentaneamente o ponto de equilíbrio. Era tudo que Eponin precisava. Agachando-se , desferiu um chute na parte de tras dos joelhos dele fazendo com que Dietar não conseguisse se manter em pé. Ele caiu e rolou pela pequena inclinação do terreno.

Eponin saltou sobre ele, sentando em seu abdomem, garantindo que suas costas ficassem em contato com o solo até que não restasse nenhuma dúvida. Jogou sua espada no solo e ficou fitando a Conquistadora, aguardando. Dietar foi posto em seus pés e apresentou-se a sua senhora.

– Bem feito Dietar, muito bem feito.

A ordem de Xena foi inesperada.

– Fiquem nus. Devemos contar os cortes não? Este era o jogo: Pelos teus cortes as amazonas seriam cortadas e pelos cortes dele, tua princesa será cortada. Interessante, devemos considerar que tua princesa também é uma amazona… Creio que ela vai ser cortada de qualquer maneira. He he hehehe, não se preocupe, usarei pequenos cortes para evitar muita perda de sangue. Vejamos… um nariz, joelho, rosto… creio que tua princesa não terá muito que agradecer amazona.

Eponin fita Xena e sem nenhuma voz lhe acusa com o olhar antes de baixar o rosto e formar com os lábios a palavra canalha.

A Conquistadora rindo coloca seu punhal no pescoço de Gabrielle e ordena a Eponin que ela fale o que pensa em voz alta.

– Diga em voz alta mestre de armas, olhe pra mim e repita o que está pensando. Agora!

– Não cortei seu homem Conquistadora . O agredi, acertei, derrubei mas não produzi nenhum corte.

Xena olha para seu oficial médico.

–Isto é verdade Ieranus? Quantos cortes Dietar suporta agora? Quantos esta amazona fez?

– Nenhum mestre. Ele tem contusões que produziram sangramento e alguns esfolados, mas nenhum corte.

– Então, por enquanto tua princesa esta ilesa mestre de armas. Por enquanto. Verifique ela, Ieranus. Vamos ver se pelo menos as amazonas terão suas medalhas de honra deste combate.

– Ela não apresenta nenhum corte feito nesta batalha. Abriu um ferimento que sangrou durante a luta, mas é antigo.

– Não foi aberto por golpe de espada Ieranus?

– Não majestade, nenhum corte foi produzido recentemente nela.

– Então parece que tuas irmãs também não deverão a ti algumas medalhas não é? Que pena, seria mais divertido assistir.

– Qual seu nome mesmo? Eponin , não?

– Sim, senhora.

– Eu teria uso de alguém como tu Eponin. Pensa nisso. Treinarias meus homens e ficarias viva.

Eponin ia responder atrevidamente o que pensava de tal proposta, mas seu olhar cruzou com o de Gabrielle e esta lhe fez sinal de submissão.

– Pensarei nisso cuidadosamente Conquistadora.

As palavras pareciam ferro quente ao derramar da boca.

– Bom. Junte-se às suas irmãs. Vocês ficarão em pé, ainda sem falar, de frente para o lago e com as mãos na nuca. Sem tirar os pés do lugar ou a mão da cabeça Nuas. Amazonas nuas são como qualquer outra mulher. Falcões! Queimem suas roupas! Elas aguardarão paciente e obedientemente sua sentença. O julgamento ainda não acabou e sua princesa responderá pessoalmente por qualquer transgressão que seja averiguada. Fui clara?

– Sim senhora Conquistadora .

– A princesa não deve ser molestada, por enquanto ela permanecerá vestida. Levem-na aos aposentos em minha tenda e prendam-na no poste principal. Que fique confortável, na sua coleira. Creio que o pino na altura de seu pescoço deve servir. Yolker, veja que ela mantenha ambas as mãos na nuca. Não queremos que uma princesa não honre sua guarda real.

– Sim, senhora.

– Senhores, vamos para a tenda de comando. Temos de voltar aos exercícios aqui.

– Conquistadora, os generais Alexius e Briontis já chegaram de volta e seus homens acamparam do outro lado do córrego.

– Excelente. Mande servir vinho gelado na tenda de comando e providenciem oito bandeiras de reclusão. Vamos definir o plano inclinado, quem ficará com a defesa da fortaleza e cuide para servir o jantar em quatro marcas de vela .

A Conquistadora deixou as amazonas, indo para a tenda de comando com seus generais e assessores mais próximos, com as amazonas ficando ali de frente pro lago na posição indicada para cada uma com as correntes nas pernas pesando mais a cada momento.

O sol ia fazendo seu caminho,o cansaço e a preocupação faziam a espera se tornar quase insuportável com o corpo doendo e seus pés estavam em brasa.

Cada homem que rondava seguia seu caminho e no passar do tempo elas eram como parte da paisagem. Uma pedra, uma árvore ou arbusto. Ninguém lhes prestava a menor atenção, tochas já estavam sendo preparadas e fogueiras acessas. A noite ia cair rapidamente.

Elas sabiam que isso era aparente. Fora do campo de visão haviam arqueiros preparados para fulminarem imediatamente qualquer tentativa de fuga, e no caso da menor desobediência um preço que não estavam dispostas a pagar. Gabrielle.

Com o aproximar da noite profunda, sabiam que a dor excrucidante de Gabrielle retornaria em dobro, pois estava sendo mantida a baía pelo medicamento que Iodia ministrava de tempos em tempos.

Ephiny decidiu que precisava fazer alguma coisa para que o remédio fosse ministrado. Fora ordenado que permanecessem em pé, com as mãos na nuca, mas não disseram nada sobre olhar ao redor, dobrar o corpo. Percebeu que o jovem que levara Gabrielle, de vez em quando passava por ali e resolveu envolver o lugar tenente de Xena , Ephiny fez exatamente isso. Dobrou seu corpo na altura da cintura, deixando cair seus seios e cabelos. Cada vez que Yolker passava ela fazia o mesmo movimento.

Quando foi levar os mapas para Xena , esta lhe perguntou como a princesa estava fazendo.

– No momento está começando a suar e algumas lágrimas escorrem por seu rosto majestade. A outra é que esta estranha, senhora.

– Que outra?

– Aquela que levou os golpes de chobos. Cada vez que passo ali ela se curva na altura da cintura. Talvez esteja querendo chamar a atenção para algo, não sei, mas não falou uma palavra nem moveu os pés do lugar. Tudo que faz é se curvar.

– Quando isso ocorrer novamente, pergunte-lhe o que quer. Se for algo relacionado a princesa, traga ao meu conhecimento. Se não for, chame Sirlak e diga-lhe para preparar na frente delas pequenas agulhas de bambu. Ela saberá o que significam.

– Sim majestade.

Depois de algum tempo Yolker passou na frente do grupo e Ephiny novamente se curvou. Lembrando da recomendação da Conquistadora achegou-se a ela e perguntou o que significava tal gesto.

– Nossa súplica foi considerada! A Senhora Conquistadora, disse que nossa súplica foi considerada. Lágrimas de vergonha e raiva fluíam livremente por seu rosto. Ela não se importava e continuou naquela que talvez fosse sua última tentativa por minimizar a dor de Gabrielle.

– Imploro senhor, por sua bondade. Imploro novamente que o medicamento seja ministrado à princesa conforme sua necessidade.

– A Conquistadora também determinou que qualquer gesto que não o de ficar em pé, com mãos na cabeça seria considerado desrespeito amazona.

– Este gesto é a maneira reverencial adotada em nossa tribo, por quem não pode ajoelhar-se nas cerimônias, como as anciãs ou as doentes. Por favor! E continuo em pé e de frente pro lago, conforme ordenado. Por favor! Pouco antes da luta de Eponin, todas suplicamos pelo medicamento e a senhora Conquistadora disse que nossa súplica foi considerada! É tempo da princesa receber outra dose do medicamento. Nossa curandeira marcou o tempo. Esta é a forma de uma amazona quando não pode se ajoelhar. Por favor, eu estou suplicando, humildemente eu imploro misericórdia! Por favor.

Yolker decidiu que Xena deveria ser informada. Se estas mulheres eram tolas para trazer a ira da Conquistadora até elas, não seria ele que iria se interpor.

Observando os mapas, Xena ouviu atentamente a explicação de Yolker, achando-a no mínimo interessante. A devoção que tinham por esta princesa ia além do esperado. Após o vinho, deu reinício ao planejamento dos jogos, seguindo-se três marcas de vela de reunião sobre efetivos, armas e táticas. Distribuídas as bandeiras, cada unidade tinha de defender seu território e capturar a bandeira inimiga. Tudo resolvido para os jogos que proclamariam o vencedor, cumprimentou seus homens saindo na noite, se recolhendo à sua barraca.