No mundo da Conquistadora , o Tribunal ocupava lugar especial, pois era nele que exercia o poder de conduzir seu Império para a prosperidade e estabelecer a mão da justiça para todos.
Aqueles próximos a ela sabiam de seus critérios e padrões e ela não aceitaria que estes ultrapassassem os limites que ela havia estabelecido. Seu julgamento seria justo e imparcial, fazendo com que a lei fosse cumprida em todo o Império, mas alguns, mais que outros deveriam estar sempre acima, ser um exemplo para o povo. Sentada em seu trono, Xena ouvia a exposição dos casos e sentenciava conforme seria melhor para o Império. Este era um daqueles momentos.
– A delegação de Zalina, do vale Kardgova majestade. Três homens se adiantam, mas nenhum diz coisa alguma.
– E?
– Nós respeitosamente solicitamos o apoio do trono para socorro dos camponeses, majestade. Suas casas foram inundadas pelo rio Kardgova e estão ilhados com as pontes caídas e as corredeiras impedindo qualquer trabalho de resgate por parte da população vizinha.
– Qual o número de famílias atingidas?
– Pouco mais de cem famílias, com suas propriedades e bens. Por enquanto há alimento e algo de água boa, os animais e grande parte das famílias conseguiram ir para as partes altas, mas mesmo estes estão ficando sem alimentos.
– Eles foram avisados que a beira do rio seria boa para plantar, mas não deveriam fixar residência ali, pois e caso de chuvas torrenciais nas cabeceiras o vale seria atingido.
– Sim, majestade, mas isso não foi planejado, quero dizer, apenas foi acontecendo do serviço render mais e aos poucos as casas foram se estabelecendo como permanentes no vale. Pedimos vossa intervenção e apoio nesta hora difícil.
– Parece que você tem coragem. Qual seu nome?
– Hondres de Volitz, majestade.
– Muito bem, Hondres, vou enviar dois engenheiros e alguns pelotões da Quinta

Divisão . O Império fará as reconstruções necessárias, mas vocês terão de ressarcir o tesouro com uma carência de cinco verões e vamos abrir um financiamento para quem desejar, com prazo de doze verões e juro subsidiado, porém há uma condição.
– Qual majestade?
– O povo não irá mais se colocar nas áreas mapeadas como de risco, embora possam usar para criação e agricultura, mas não quero saber de moradias. Qualquer moradia nestas áreas será arrasada e os ocupantes vendidos no tablado. Você será o encarregado de administrar os recursos e organizar a distribuição equitativa às necessidades. Esteja avisado que seja lá o que te for oferecido não deves esquecer que mesmo a eternidade no tártaro parecerá um passeio a você se me decepcionar. Por seus serviços desde agora está determinado um aporte mensal de dois talentos de ouro que poderá usar como desejar, é teu. Faça bom uso da confiança que deposito em ti.
Hondres ficou assustado e impressionado, pois quando se prontificou a falar por sua aldeia, já tinha dado como certa sua execução, caso usasse o tom errado de voz. Esta governante compassiva e preocupada com o povo, justa na distribuição de recursos e que recompensa o trabalho e riscos de um administrador não combinava em nada com o que sempre ouvira sobre a Conquistadora .
– Obrigada, majestade.
Curvando-se respeitoso, afasta-se para as galerias, com a certeza de que uma Deusa de olhos azuis e cabelos negros olhava por sua aldeia.
Xena faz um sinal a Ovidio e o próximo caso é chamado.
– A delegação de Unedor.
Dois homens jovens e três anciãos, que adiantaram-se e ficaram ali parados sem dizer nada.
– Então vão falar seu caso ou esperam que morramos de tédio?
O mais velho deles, curva-se e erguendo a mão direita expos sua questão.
– A escola de Unedor é famosa por sua profundidade filosófica, aliada ao estudo da matemática, no que rivalizamos com Samos e Mileto. Agora estamos sendo expulsos de nossa terra e tendo a escola fechada por não conseguirmos pagar os impostos devidos ao Império.
– Qual seu nome?
– Sou Ebárido de Unedor, senhora.
– Sabem que é dever de todo homem participar de maneira equitativa na manutenção do Império e os impostos devem ser pagos no tempo devido. Qual o montante da dívida de vocês e por que deixaram chegar a isto?
– Devemos dois mil, cento e vinte talentos de ouro majestade. Somos taxados pelo número de alunos, independente se recebemos de todos os alunos ou não e muitos de nossos alunos, dos mais talentosos, não são oriundos de famílias abastadas, então para manter-nos optamos por deixar de pagar os impostos, acumulando dívida com o Estado, totalmente impagável e que somente faz aumentar.
Xena olha fixamente por algum tempo e o velho homem começa a tremer.
– É um valor consideravelmente muito alto. Quem administra a Escola?
– Nós três somos do Conselho administrativo, na verdade os responsáveis por esta situação, uma vez que fizemos o possível para que estes jovens continuassem estudando apesar de não contribuírem com a renda da escola.
– E o que fazem estes jovens aqui? São seus escravos?
– Eles nos auxiliaram na viagem e garantiram a segurança, majestade, sendo dois de nossos melhores alunos. A escola possui alguns escravos para os serviços, mas não entraríamos com eles no Tribunal.
– O quanto vocês estão dispostos a dar de si próprios para a manutenção da escola?
– Qualquer coisa majestade.
– Consultem entre si e forneçam respostas claras.
– Ovídio, diga para Ulekia me trazer uma taça de vinho e a pequena caixa de couro com meu chakram desenhado em prata na tampa. Então, qual a resposta Ebárido?
– Nós daremos qualquer coisa, majestade.
Xena volta a fixar o olhar no quinteto, fazendo um sinal à Ulekia que lhe alcança a taça de vinho e a caixa de couro, da qual a Conquistadora pega um pouco de pó esbranquiçado e mistura ao vinho ordenando a Ovidio que pegue a taça .
– Um de vocês beberá desta taça e então falaremos se esta escola terá futuro.
Os cinco dão um passo em direção à taça e Xena escolhe o mais jovem que sem titubear toma a taça e verte em um só movimento. Todos os cinco baixam a cabeça aguardando o que deveria acontecer.
– É muito dinheiro, mas é mais importante que não volte a acontecer novamente, então modificando esta base de cálculo evitaremos isso. Vocês devem receber por todo discípulo e ser taxado por todo discípulo.
– Sim majestade.
– Vocês três do Conselho, assim que deixarem esta sala não serão mais homens livres , pertencerão a mim, assim como todos os professores que desejarem continuar a ensinar lá o farão recebendo um salário do Estado, mas mantendo sua autoridade advinda do conhecimento e agora também do Império. Os alunos serão livres e nada mudará na prática quanto a isso, no entanto, os alunos que vocês entenderem merecedores e não tiverem recursos, deverão ser enviados a Corinto onde verificarei seu merecimento e o Império pagará seus estudos, se for o caso e quanto a vocês dois, assim que terminarem seu aprendizado, haverá um lugar aguardando ambos os jovens no serviço do Império. Compreendido?
– Sim majestade.
Lançando uma bolsa de couro contendo talentos de ouro aos pés de Ebárido Xena continua a determinar sua sentença, gozando intenso prazer da surpresa registrada pela sala.
– O imposto devido será diluído nos seguintes cinco verões e aqui vocês tem uma bolsa para ajuda-los nos próximos tempos, pois é do interesse do Império que as escolas se proliferem. Caso não concordem com estas condições a escola será considerada extinta, devendo os alunos procurar outro lugar de aprendizado, os professores dispersados e vocês três lançados ao tablado de Abdera.
– Vossa majestade é muito bondosa, concordamos com tudo conforme a senhora determinar, mas e o jovem?
– O que tem ele?
– Estamos autorizados a lhe dar um funeral honroso?
– Não. Sua vida está perdoada. Apenas acrescentei um pouco de pó de salgueiro ao vinho, para que não lhe desse dor de cabeça. Espero que teus professores sejam dignos de tua coragem, rapaz. O caso seguinte, Ovídio.
-O caso de Hinaria de Kalosko!
Uma mulher pobremente vestida aparece na frente do trono, ladeada por um jovem oficial que por suas insígnias pertencia a Segunda Divisão .
– Do que se trata, Ovidio?
– Uma acusação de sedução, majestade.
– Tenho influencia com os Deuses, mulher, mas não irei ofender Afrodite em meu Tribunal.
– Ofensa mais grave foi feita a Atena, majestade. Um grupo de seu exército passou em minha casa, que beira a estrada para Zemópolis. Recebi a todos dentro das leis sagradas da hospitalidade e proporcionei o que de melhor minha casa humilde poderia. Quando minha jovem filha foi levar alimentos aos seus homens, foi seduzida
. Minha pequena Dionera foi seduzida com cantos, encantos e promessas e um de seus homens levou-a para os cobertores, desonrando-a.
Xena encara o oficial.
– Isto é verdade?
– A jovem foi espontaneamente, senhora não sendo forçada a nada e tenho todo o grupo como testemunha.
– Sei. Vou perguntar apenas uma vez, tenente e aconselho a pesar bem sua resposta. A jovem foi forçada?
– Não, senhora.
– A jovem foi seduzida com promessas, ameaças ou paga de alguma maneira?
– Não, minha senhora.
– A jovem era virgem?
– Sim, Conquistadora .
– Ela consentiu?
– Sim, ela consentiu, pediu e participou.
– Então não houve crime.
O oficial abriu um sorriso e a mulher caiu em desespero.
– Violaram minha hospitalidade e abusaram de minha criança. Ela é uma criança!
– Silencio! Qual a idade da jovem, oficial?
– Ela tem a altura de sua mãe, Conquistadora . Não me ocorreu perguntar a sua idade.
– Nem te ocorreu pedir o consentimento de sua mãe, suponho.
– Eu me apaixonei, majestade. Realmente pretendo casar com a moça.
– Doze anos, minha menina tem apenas doze anos!!
– Embora seja idade suficiente para casar, não será aceito que meu exército abuse de sua anfitriã e você devia saber melhor do que seduzir uma criança! Todos os homens do grupo estão confinados ao quartel e metade do soldo do grupo irá para a família desta menina. A senhora deveria cuidar melhor de sua filha, do que permitir que ande pelo meio de homens estranhos e armados.
– Eles não eram estranhos, majestade, mas vossos homens e confiava que nos protegessem do mal, não que o causassem.
– A confiança do povo em nosso exército é o que nos torna fortes e você não pensou nas consequências de sua ação, tenente. Está rebaixado a soldado e transferido para o primeiro exército, ficando de trabalhos nas cocheiras por seis luas, quando será reavaliado seu caso e determinado se vive ou morre.
– Ao seu comando Conquistadora.
– Seu salário se manterá o mesmo de hoje e será integralmente entregue a mãe desta menina como indenização. Desejo falar com ela amanhã pela manhã em meu gabinete privado. Está convocada a estudar com o bibliotecário imperial e veremos seu futuro para então. Próximo caso Ovidio.
Faz-se um silencio sepulcral quando quatro Falcões são levados à frente com as mãos encadeadas, nenhum a olhava nos olhos.
– Qual acusação, Ovidio?
– Eles usaram de violência com duas atendentes na Taverna do Oleiro, majestade.
A moça mais jovem está em pior condição, talvez não sobreviva.
O silencio se mantinha e os quatro não conseguiam olhar Xena de frente.
Sabiam suas normas, seu padrão e sabiam que a haviam decepcionado.
– Isso é verdadeiro? Algo a dizer em sua defesa? Não? Que os sanadores do palácio atendam a mulher, fazendo todo o possível para ajuda-la a superar isso e crucifiquem-nos nas colinas fora dos portões da cidade. Não aceito isso de ninguém, mas de um Falcão é imperdoável. Não é tolerado estupro nas fileiras, que isto fique claro. Encerramos por hoje Ovidio
Xena saiu para cavalgar, sentindo o peso de suas decisões. Os Falcões sabiam o que era proibido e que seus homens devem sempre portar-se de maneira honrada, pois as atitudes de seu exército refletiam nela. Voltou apenas tarde da noite, indo tomar um banho e deitar.
Suas escravas corporais lhe aguardavam, mas ela não estava humorada para isso, desejando apenas que um novo dia nascesse e ela pudesse levar paz e justiça ao Império e tirar este peso da decepção causada por aqueles em quem confiara que usasse com dignidade suas cores.
No dia seguinte encontrou a menina Dionera, que explicou em sua maneira quase infantil que há quatro dias conversava com o jovem oficial e realmente se enamorara dele, tendo assumido de sua vontade ser tocada por ele. Determinou então que ela ficasse com Siana, tendo acesso ao bibliotecário imperial e todas as manhãs recebendo aulas de línguas, cálculos e história.
Recordou-se de Gabrielle e sua aptidão para os estudos, desejando que ela tivesse os olhos brilhantes ao ouvir seu nome e não somente ao agir intempestivamente defendendo suas irmãs e arriscando sua ira, o mesmo brilho que esta menina assumindo sua paixão, tinha ao falar do jovem tenente.
“Você virá a mim por sua livre vontade Gabrielle e então conversaremos sobre a força do desejo na vida de uma mulher” .
Assim havia dito ainda em Esdel, entregando a Gabrielle a garantia de que não seria utilizada como escrava corporal. Gabrielle atuava como escrava pessoal, organizando sua biblioteca e a aquisição de itens de uso pessoal, liberando Yolker para os assuntos de cunho militar. Algumas vezes os alimentos eram servidos por ela e outras arriscava a fazer pessoalmente o prato principal ou a sobremesa. Parte da noite, antes de dormir era preenchida com conversas sobre modos de tratar ferimentos, histórias de sua vida em Potedia ou Amphipolis, com especial ênfase no coração da taverneira que abriu mão de uma pequena fortuna para lhe conceder a liberdade, história do reino ou legislação e jamais Gabrielle esqueceu como a Conquistadora salvou a vida e o braço de Dieynisa. Gabrielle contava histórias sobre Héracles , Iolaus, sua formação como amazona, pequenos trabalhos que realizara ensinando as crianças sobre os Deuses e vez por outra a Conquistadora lhe deixava saber as estratégias usadas para dominar o reino da Chin , Egito, Roma ou outra província ou reino anexado ao Império.
Muitas vezes as ameaças externas eram debeladas com manobras diplomáticas e os tratados eram pontuados de sugestões de certa princesa amazona. Na política interna sua visão apaixonada e sem os vícios de quem almeja o poder era refrescante e em grande parte apresentava soluções simples e viáveis economizando luas e por vezes verões de investimentos, comparando com o gasto que aconteceria se fosse usado outro caminho, como o das armas por exemplo.
Xena começou a perceber outro tipo de sentimento, que ia além da posse e da dominação sobre esta pequena loira que embora com medo, nunca se furtou de falar francamente e mesmo discordar da Conquistadora, sendo um bálsamo nas feridas abertas por tanta bajulação, traições e armadilhas.
Sua ideia de investir em hospitais e escolas ao invés de espalhar apenas aquartelamentos era muito adequada e como Xena sempre foi adepta do sistema cruzado entre medo e gratidão, foram adaptações fáceis de implementar.
Ainda nos campos de Esdel, Gabrielle recebeu ordens de aprender quatro línguas utilizadas no Império, para que atuasse como tradutora ou interprete sempre que a Conquistadora desejasse. Desde que voltaram, tinha como uma das principais tarefas ler todo documento da biblioteca no estúdio pessoal da Conquistadora e a incumbência de ler todo relatório administrativo que Akiba separasse como suspeito e compara-lo com os demais relatórios da mesma região.
Foi desta forma que se descobriu as movimentações de moedas do tesouro destinadas a construção de hospitais não sendo compatíveis com as reclamações por falta de atendimento. Pessoas de diferentes regiões do Império reclamavam por mais atendimento e um número maior de sanadores, mas os investimentos indicavam que havia um número até excedente de salas de atendimento, assim como o fornecimento básico de ervas estava além das necessidades calculadas, embora tenha havido muitas mortes por infecção. Da mesma forma, a quantidade de alimentos relatados como adquiridos pela guarnição da Jorânia em Iliria ou Larínia em Elis eram quase cinco vezes maiores do que a necessária para o efetivo que ali se instalava. Gabrielle estava se mostrando imensamente valiosa, mas o mais valioso era a sinceridade em sua voz e o sorriso em seus olhos e o luar recebeu uma confissão da Conquistadora antes dela entrar no reino de Hipnos e Morfeu.
“Este é um tesouro que vale um Império conservar.”