Télio e Fabíola chegaram à pousada na manhã seguinte como um casal abastado, vindo de Megara, perto de Corinto , procurando um imóvel para comprar e sendo grandes fornecedores de cavalos do exército imperial, pretendiam se instalar na região como criadores e comerciantes, sendo que o restante de sua casa chegaria depois. Enquanto Télio, se ia inteirar das terras e casas disponíveis, Fabíola buscava saber onde e quando funcionava o mercado da cidade. Era necessário saber quem dominava o comércio, pois desejava comprar alguns escravos para manter sua casa, pois não poderiam ficar sem atender bem aos hospedes que certamente os procurariam ao

fazer parada na cidade.
Nas marcas de velas seguintes à sua chegada, os membros mais influentes do Conselho da cidade enviaram representantes para agradecer a escolha de Abelar como ponto de seu investimento e oferecer seus préstimos para facilitar seu estabelecimento na região. Diestor era um homem dinâmico com interesses em diversos investimentos na cidade e atuava como intermediário para os bens de Nisenar, um comerciante da cidade que recentemente teve um revés quando uma embarcação com óleos, tecidos e objetos trazidos do Egito foi atacada por piratas no mediterrâneo, junto com uma carga ainda mais valiosa de escravos que se perdeu neste ataque.
Ele desejava se desfazer do imóvel e tinha transferido todos os seus negócios para Caelis, no sul da Macedonia, onde vivia a família de sua esposa, resolvendo juntar forças com seu sogro e realizar o comércio a partir do porto de Dion.
Era uma propriedade na saída oeste da cidade e estava a venda por módicos quatro milhões, cento e quarenta mil dracmas, somavam vinte e três talentos de ouro, o que não chegava a arranhar a incrível fortuna do jovem casal. Tratava-se de uma compra de portas fechadas, isto é, comprava-se a propriedade e todos os bens que haviam dentro dela, sem considerar ou avaliar nenhum separadamente.
O vendedor do imóvel os recebeu com uma agradável refeição quase no início da noite, pretendendo mostrar todos os recantos da propriedade, os animais e os escravos que manuseavam a criação, a área agrícola e a casa propriamente dita, antes do jantar.
– Podemos passar para a sala grande da casa, senhor Télio, onde certamente as habilidades dos cozinheiros poderão ser mais bem apreciadas, assim como avaliar melhor a sua aquisição. A Senhora Fabíola aceitaria algo de vinho?
– Certamente,
Um par de jovens aparentando vinte e poucos verões estavam em pé no centro da sala, com jarros de vinho em suas mãos e uma bandeja de copos. A um sinal de Diestor aproximaram-se servindo os convidados.
Télio estava contente, pois os cavalos da propriedade eram muito bons e dariam um lote excelente para a guarnição e seu povo que estava para chegar, saberia colocar a produção em marcha. Fabíola passou a considerar cada escravo ou servo mencionado, fazendo uma listagem de suas características, habilidades e funções para posterior venda daqueles que não desejaria manter.
Com alguma dificuldade, voltou a se concentrar nas palavras de Diestor, que lhe mostrava com entusiasmo duas mulheres que organizavam os alimentos nos aparadores encostados na parede.
Elas estão conosco desde dez verões e são muito bem treinadas nos afazeres domésticos, inclusive na arte de agradar, se for de seu comando.
– Isto é interessante, mas eu prefiro dar minhas próprias diretrizes, o senhor me entende. Nossos costumes não são muito diferentes daqueles usados nesta parte

do país, no entanto, temos nossas peculiaridades.
– Certamente senhora Fabíola , verá que são extremamente maleáveis no quesito obediência. Inclusive são capazes para todo tipo de serviço interno ou externo.
– Talvez o povo da região não esteja acostumado com tal liberdade entre as senhoras de sua sociedade, senhor Diestor, mas como dona da casa costumo governar com mãos de ferro, deixando claro para todos os que atuarem na casa grande nossos hábitos e preferencias quanto a alimentação, limpeza e agenda. Não somos cruéis com os servos ou escravos, mas exigimos deles total dedicação.
– Nota-se que a senhora não é mulher de poucos recursos e certamente o povo da casa se adaptará rapidamente às suas necessidades. O que o senhor achou da propriedade, senhor Télio?
– Alguns exemplares de cavalos são dignos de nossa casa, outros nem tanto, mas o parreiral e o pomar requerem atenção imediata ou se perderá a safra. A parte agrícola de cereais como um todo está perdida para este verão. A casa me agrada, embora tenhamos de efetuar uma reforma nos banhos. O que você achou amor?
– Gostei da casa, mas reformarei os banhos e a cozinha. É impossível receber o alto oficialato nestas condições e as escravas domésticas deverão ter novas diretrizes, todavia não é nada que seja impossível. Poderemos estabelecer uma área de treinamento atrás dos estábulos da residência.
– Área de treinamento?
– Minha esposa acredita que todos os animais domésticos devem ser devidamente treinados e isso vale para seus cães, cavalos e escravos. Fabíola praticava esportes em nossa propriedade, como algumas cretenses ou espartanas, inclusive é eximia na luta de espadas, não tendo quem a iguale em Abdera. Não gosta de ficar na dependência apenas da guarda para sua proteção e como mais de uma vez fomos abençoados com visitas inesperadas da corte, não podemos arriscar que os nobres ou o alto oficialato da Conquistadora seja ofendido por algum erro, então todos devem estar muito bem treinados.
– O senhor conhece a Conquistadora ?
– Não, nunca a vi pessoalmente, embora trate muito com o intendente que adquire equipamentos para a guarnição de Corinto . Mais de uma vez fui chamado a fornecer cavalos para a Primeira Divisão ou os Falcões de sua majestade. Alguns são mais fáceis de negociar que outros, se é que o senhor me entende.
– Claro, senhor Télio. Perfeitamente. Temos estas questões por aqui também.
– Vamos ficar com a propriedade senhor Diestor com uma condição.
– Certamente, senhora. Qual?
– Que o sanador da cidade examine pessoalmente todos os escravos da casa e nos de um parecer das condições de saúde de cada um e o imposto da negociação corra por sua conta.

– Isso poderá ser arranjado.
– Depois que recebermos o relatório do sanador, firmaremos a transferência da propriedade senhor Diestor frente a um escriba e um membro do Conselho da cidade como testemunhas. Agora voltaremos para a pousada para descansarmos um pouco e visitarmos o mercado mais tarde, onde vamos procurar alguns escravos para uso pessoal.
– Boa noite senhor Télio. Senhora.
– Boa noite senhor Diestor.
Montando em seus cavalos, Fabíola e Télio tomaram o rumo da pousada, enquanto Diestor manda reunir todos os escravos domésticos imediatamente.
– Vocês deverão tomar banho completo e praticar seu sorriso mais gentil e fala mais mansa. Se eu perder este negócio por causa de um de vocês, todos serão esfolados vivos começando por suas crias. Estamos entendidos?
– Sim, meu senhor.
– Ótimo. Amanha virá o sanador examinar cada um de vocês. Sem queixas, sem choros, sem dores. Agora saiam de minha vista, organizem e limpem esta casa inteira novamente e busquem os animais no campo dando a cada um o melhor tratamento que possam dar.
Diestor sabia que o preço pedido pela propriedade era três vezes o que valia, mas apostava na pressa e desejo do jovem casal em se estabelecer na região e como dissera Nisenar ao colocar o negócio em suas mãos, contanto que seus dois milhões e meio de dracmas estivessem em suas mãos o mais rápido possível, poderia ficar com o que obtivesse a mais do comprador. Estava assegurada a comissão de sete por cento, contanto que o negócio fosse feito antes do equinócio de outono. Diestor, mandou buscar seu cavalo, pois tinha que providenciar a visita do sanador visando o laudo garantindo o estado de saúde dos escravos para a manhã seguinte.
Enquanto isso, Fabíola e Télio conversavam procurando uma maneira de garantir os serviços de escravos não comprometidos com a sociedade local.
– Como faremos para nos certificar que não teremos espiões entre nós?
– Poderíamos utilizar o método de lealdade cruzada. Tem obtido ótimos resultados uma vez que eles não tem sua lealdade ainda depositada em nenhum lugar, faríamos o medo e a gratidão flutuar entre eles e com a chegada do nono pelotão, teríamos um braço armado para garantir a disciplina entre os novos e os antigos escravos da propriedade.
– Certo, mas você faz a compra, o treinamento e a disciplina. Quero passar a ideia de que minha esposa é muito mais que um rosto bonito e corpo definido, sendo uma administradora que se deve levar em conta.
– Se meu amor assim determina, assim será feito, meu amado. E rindo foram para a pousada num trote fácil.

Chegaram na pousada a tempo de tomar duas canecas de cerveja antes que a noite ficasse mais densa. Enquanto servia o casal, o taberneiro respondia as perguntas de Télio sobre o mercado local de animais e escravos, a frequência com que recebiam novas remessas assim como os pontos de obtenção dos mesmos.
– O que pode me dizer do sanador local Cortian?
– Troxineus é um homem dedicado, muitas vezes atendendo quem o procura sem receber nada em troca, mas o administrador do hospital não aceita atendimentos gratuitos em seu estabelecimento, então Troxineus atende sempre que pode na sala onde mora, nos fundos da pousada, mesmo durante a noite. O hospital tem recebido outros sanadores vindos de Atenas e Fidiápolis na Tessália , mas estes somente atendem no hospital e moram lá também.
– Você poderia dizer a ele que nós gostaríamos de conversar com ele? Diga que o convidamos para tomar uma caneca de cerveja conosco e gostaríamos de fazer uma consulta. Pagaremos bem.
– Claro, se ele não voltou ainda, não tardará a chegar. Menina, vá dizer a Troxineus que há um casal que deseja falar-lhe!
– Sim, senhor.
– É difícil encontrar bons ajudantes hoje em dia, mas esta aí está se esforçando.
– Ela é sua escrava?
– Não, eu a acolhi quando seu pai morreu na batalha de Eiraskan, lutando junto aos homens da Conquistadora. Sua mãe havia morrido quando tinha oito verões e ela foi criada com uma tia que era cozinheira aqui na pousada. Sua tia faleceu no inverno passado, de uma febre com causa desconhecida e por mais que fizéssemos não conseguimos impedir sua morte. Troxineus ficou arrasado e eu tenho mantido a menina como criada para que não fosse parar nos bordéis.
– Muito nobre de sua parte, senhor.
– Nem tanto. Ela trabalha muito e não reclama ou fica se escondendo do serviço.
Foi um bom negócio.
Amanda vem rapidamente em direção aos clientes que estavam na mesa perto da porta e atrás dela um homem de aproximadamente trinta e dois anos, alto, loiro de olhos verdes e cabelo quase encaracolado, magro mas de compleição forte e um tanto relaxado no andar. Troxineus chegou arrastando os pés, pois estava muito cansado.
– Troxineus , este é Télio de Megara. Ele e sua esposa gostariam de conversar contigo sobre uma proposta de trabalho.
– O senhor me parece muito saudável, senhor Télio. Precisam de um sanador? Télio busca receber o recém chegado com cortesia e simplicidade.
Sente conosco homem! Uma caneca e cerveja para Troxineus , por favor! .
– Não, eu não consumo álcool, um chá de hortelã frio, por favor Amanda.
– Imediatamente, senhor.

– O que desejam de mim?
– Como lhe foi dito, eu sou Télio de Megara e esta é minha esposa Fabíola. Nós estamos comprando a propriedade que era de Nisenar e solicitamos que houvesse uma avaliação do estado de saúde de seus escravos antes de fecharmos negócio. O senhor estaria interessado em fazer uma avaliação de nossa parte?
– Não. Eu não me meto em trafico de humanos e não seria ético de minha parte ir confirmar ou desmentir o parecer de um colega.
– Tem certeza? Nós pagaríamos muito bem. Quanto o senhor cobra uma consulta normal, senhor Troxineus ?
– Normalmente cobro de acordo com a capacidade de pagamento do paciente senhor Télio, algo em torno de um chalcus ou seja, meia dracma, mas para pessoas como o senhor com muito tempo e condições seria cinco vezes isso por cada marca de vela.
– Não há problema, pagaríamos um tetradracma por marca de vela de seu tempo se concordasse em avaliar o lote.
– Eu não gostaria de me envolver nos negócios de Diestor, então muito obrigada pelo convite, mas não posso aceitar.
– E se o convite não tivesse a ver com Diestor, o senhor aceitaria?
– Como assim, senhora?
– Pretendo comprar um lote no mercado amanhã. O senhor poderia avaliar as condições de saúde daqueles que eu adquirisse.
– Eu não me envolvo em trafico de escravos, senhora. Não gostaria de ser responsável por estes infelizes serem devolvidos ao mercador. A senhora sabe o que fazem com mercadoria catalogada como danificada, item de devolução?
– Eu não pretendo devolver, mas procurar tratamento para aqueles que necessitarem. Não estou buscando um conselho sobre quais comprar, senhor Troxineus , mas tratamento para aqueles que precisarem. Pagarei uma mina por marca de vela de seu tempo, para que atenda devidamente cada escravo que eu adquirir no mercado amanhã ou aqueles da propriedade que necessitarem.
Troxineus olha para Fabíola com um misto de desconfiança e admiração.
– Ficando a disposição da senhora e de seu marido, eu não poderia atender os pacientes que me procuram senhora Fabíola e os Deuses sabem que este é meu compromisso principal.
Considerando que um talento de ouro vale cento e oitenta mil dracmas e um de prata seis mil dracmas, o casal viajava com algum dinheiro em espécie para suas despesas pessoais, pois a Conquistadora havia previsto necessidades assim, estavam oferecendo uma pequena fortuna e o sanador negar para atender gratuitamente quem precisava deu a eles uma ideia do tipo de homem com quem tratavam.
– Ofereço-lhe um meio termo. O senhor vai até a propriedade, examinando

todos eles amanhã pela manhã, determinando o tratamento adequado para cada um deles e os visitaria novamente pelo início da noite até a próxima lua crescente e nós lhe pagaremos quatro talentos de prata.
– Vinte e quatro mil dracmas para eu tratar seus escravos com uma visita pela manhã e outra a noite até a próxima lua crescente? Desculpe mas isto é muito incomum senhora. A maioria dos proprietários consideraria se desfazer dos doentes e com este preço a senhora conseguiria comprar o dobro de escravos que a propriedade possui. Sei por que eu frequentava a casa de Nisenar.
– Eu não me preocupo tanto com as despesas quanto me preocupo com a qualidade senhor. É exatamente isso que proponho, e assumo o compromisso de não devolver nenhum deles com apenas uma condição.
– Qual?
– Este nosso acordo fica entre nós três. Ninguém poderá saber ou desconfiar dele.
– Eu não quero participar de nada ilegal ou que ofenda as leis de sua majestade.
– Não, não se trata de nada disso. Apenas não gostaríamos de ofender o senhor Nisenar com uma segunda avaliação. Veja, é comum entre os vendedores da Pérsia mascarar possíveis doenças ou defeitos de seus produtos e isto não é considerado desonestidade, mas parte do negócio. Eu apenas gostaria de tratar os que necessitam de tratamento, só isso.
– A senhora é dura nos negócios madame. Eu aceito, mas como amanhã de manhã a senhora terá o parecer de um colega, não seria adequado eu estar presente. No início da noite, se a senhora fechar o negócio, eu irei até a propriedade e avaliarei o estado de todos da casa, escravos ou não. Por vinte e quatro mil dracmas, a senhora terá direito a um parecer diário sobre a saúde de todos na propriedade e recomendação de tratamento adequado.
Colocando um saco de moeda sobre a mesa, Télio entrega ao sanador.
– Eis o pagamento desta consulta senhor Troxineus . Obrigada por sua sinceridade. Boa noite.
– Boa noite senhor Télio. Senhora.
No dia seguinte, bem cedo Télio e Fabíola se dirigiram ao mercado, observando a abertura das barracas e a organização do vendedor no tablado. Haviam cinco lotes de cinco escravos cada, que seriam oferecidos no andar do dia. Os lotes estavam sendo separados, sendo os homens separados das mulheres e estas estariam sendo oferecidas com suas qualidades e habilidades sendo claramente mencionadas. Haviam quatro que não tiravam os olhos do canto onde as crianças estavam amontoadas, claramente desesperadas por estarem sendo separadas de algumas delas.
Aquelas jovens que recentemente saíram da infância estavam em separado, pois seriam oferecidas com o diferencial de serem intocadas.
Todo escravo partia de um valor de dois mil selscs, que era a média do valor

de um escravo adulto com bom estado de saúde e totalmente ciente de sua condição. Duzentas dracmas. As crianças se tinham mais vida útil pela frente e a bonificação de ainda não terem maus hábitos, sendo facilmente adestradas de acordo com as necessidades do dono, também eram mais frágeis, podendo o comprador ficar sem a mercadoria em pouco tempo, valiam a metade disso, assim como aquelas mulheres que já passaram da idade de agradarem seus senhores, ficando além dos prazeres da juventude ou os velhos com pouco a desempenhar fisicamente.
Akinar, o vendedor estava animado, pois há muito tempo não tinha tanta variedade de raça, idade e habilidades para oferecer. Sabia que perderia nas crianças, mas as virgens e os homens de boa estatura tirariam a diferença com lucro considerável, contava com no mínimo cinquenta mil selcs.
Télio e Fabíola chegaram ao mercado antes da abertura dos trabalhos e souberam que este lote veio diretamente para Abelar, sem ter sido oferecido a nenhum outro mercado. Eram escravos desconhecidos na região e desconhecedores da região o que facilitaria muito para seus compradores.
Télio chamou um dos assistentes de Akinar e fez sinal para indicar a seu amo que desejava falar-lhe antes do inicio dos trabalhos, antes que buscasse qualquer lance ou subisse ao tablado.
Akinar ficou intrigado, por que este era um pedido inédito para ele. Sempre soube que nos grandes centros como Corinto ou Atenas por vezes acontecia de uma senhora ou um nobre interessar-se por determinado espécime, mas com ele nunca havia ocorrido.
– Eu sou Akinar, de Salona. No que posso lhe ser útil, meu senhor?
– Na verdade em nada. Eu não compro escravos, apenas acompanho minha esposa, que deseja falar-lhe.
– É um lote interessante. Quanto espera receber pelo lote todo, senhor Akinar?
– O máximo que conseguir senhora. Faz muito tempo que não temos tantos espécimes disponíveis em tão variada combinação .
– De onde são?
– Comprei todos do Império , parece que estavam a bordo de um navio pirata e como mercadoria apreendida foram leiloados em bloco. Não sei a procedência original deles.
– Falam nossa língua?
– A maioria sim, senhora. Outros falam Egípcio e alguns uma língua que desconheço, porém todos entendem a língua das correntes e do açoite.
– Tenho interesse nas mulheres. Estão em bom estado?
– Sim, senhora, pois eu somente trabalho com mercadoria de primeira qualidade.

Quatro tem crias e duas estão prenhas. Quatro são intocadas, mas já são mulheres e estão disponíveis para uso. Tive considerável investimento para conseguir que chegassem neste estado aqui, mas creio que vale a pena se minha clientela estiver satisfeita.
– Quanto o senhor espera receber pelo lote todo, senhor Akinar?
– No mínimo duzentas dracmas cada, mas como a cidade está sem escravos novos nestes últimos dois verões acredito que conseguirei o dobro disso. Novidades sempre são bem-vindas no mercado.
– O que você acha amor? Interessa?
– Isso de crianças e virgens não muito, mas o resto pode ser útil. Quantos acima de trinta e cinco verões?
– A senhora tem de convir que com a idade venha também a experiência e o que a juventude não traz, a idade fornece de sobra.
– Quantos itens acima de trinta e cinco verões, senhor Akinar?
– Quatro. Três mulheres e um homem.
– Então o senhor tem treze mulheres num lote de vinte e cinco. No mínimo quatro crianças e um homem com idade acima de trinta e cinco verões. São dezoito itens que não valem duzentas dracmas, com muita boa vontade talvez cento e cinquenta. Dois mil e setecentas dracmas, restando sete que talvez valeriam duzentas dracmas, somando mil e quatrocentas dracmas. No total de quatro mil e cem dracmas . Seria isto senhor?
– Bom, certamente se avaliarmos desta maneira, mas eu gostaria de salientar que as virgens tem um grande potencial.
– Talvez. Farei uma proposta apenas senhor Akinar e ela não é negociável. Lhe ofereço sete mil dracmas pelo lote fechado e o senhor irá mantê-los para mim até que eu mande busca-los, deixando os impostos referentes a transação em suas mãos. Cinco mil já seria um lucro assombroso, sete mil então era além de seus sonhos,
mas Akinar ainda deveria tentar mais um pouco.
– Mas senhora, os homens que restam são jovens e muito fortes e como disse antes, as mulheres virgens alcançam ótimos preços nos dias de hoje.
– Sei disso, senhor. Pretendo equipar minha casa com escravos variados e esta leva se assenta bem aos meus propósitos. Mas se o senhor não estiver interessado posso enviar alguém a Larinia para procurar no mercado de lá. Certamente terão algo que seja adequado. Eu não tenho pressa, o que me diz?
– Eu aceito, senhora. Mas as despesas decorrentes daqui pra frente correm por sua conta.
– É justo. Aqui tens oito mil dracmas . Faça com que sejam vestidos em túnicas de algodão marrom depois de serem banhados e providencie carroças para leva-los quando eu enviar o mensageiro. Não desejo que se cansem ou sujem no trajeto até

minha casa. Obrigada senhor Akinar.
– Obrigada, senhora. Será feito conforme seu desejo, fique tranquila. Bom dia senhora.
– Bom dia, senhor.
– Não achas que exageraste? Oito mil dracmas por um lote de vinte e cinco escravos?
– Nossa fama de ricos se espalhará, juntamente com a ideia de que não medimos valor quando se trata de satisfazer um capricho. O fato de sempre deixarmos o imposto por conta dos outros vai dar o que pensar e isto atrairá as pessoas interessadas em buscar parcerias para atividades lucrativas, principalmente se for para desviar investimentos do bem comum para seus próprios bolsos.
– Espero que “Ela” veja desta maneira, querida.
– Eu também, meu amor. Eu também, ou estaremos muito encrencados. Vamos visitar nossa propriedade depois do almoço?
– Claro, mas no momento estou mais interessado em comprar cavalos. Você vem comigo?
– Vamos.
Chegando junto ao estábulo, percebem uma área octagonal onde ficam alguns exemplares de cavalos e num cercado separado está um excelente exemplar de cinco anos, ainda indomado. Alto , palomino, com seu peito orgulhoso e cabeça altiva. Um grande cavalo de guerra pronto pra ser adestrado e Fabíola fala suficiente alto para que fosse ouvida por quem desejasse
– Este palomino é o que eu chamo de um cavalo de raça. Seria digno até mesmo da Conquistadora. Quero ele pra mim querido, por favor.
– Quem é o responsável pela manada?
– Sou eu senhor. Eu sou Cassio de Abelar e sou proprietário destes animais.
Algum lhe interessa?
– Este Palomino. Esta a venda?
– Eu não poderia vender este, senhor. É um assassino. Já derrubou os melhores cavaleiros da cidade e não há um que consiga monta-lo. Eu o mantenho apenas como reprodutor e que os Deuses protejam a égua de sua preferencia senhor, ele é um garanhão muito forte.
– Nota-se. Eu sou Télio de Megara e gosto de pensar que conheço cavalos. Pagaria muito bem pelo seu garanhão e mais alguns do lote, vejo que tens algumas éguas com cria .
– Este lote está sendo preparado para ser vendido em Larinia, na feira. Pretendo alcançar ótimos preços por ele.
– Desculpe minha indiscrição, mas quanto o senhor pretende auferir pelo lote inteiro?

– Ele vale no mínimo cinco mil dracmas e o resto do lote, se bem vendido alcançaria oito mil dracmas, afinal são cinquenta cavalos bons e alguns muito bons, tendo alguns que chegam a duzentos dracmas, senhor.
– Eu ofereço seis mil dracmas , um talento de prata pelo garanhão e mais doze mil dracmas pelo resto do lote fechado. Pense bem senhor Cassio, são três talentos de prata, dezoito mil dracmas pelo lote completo de cinquenta e um animais.
– Mas, é muito meu senhor. Eu não quero peso em minha consciência por ter roubado de sua inexperiência.
– Não é minha inexperiência que me faz ditar o valor, senhor Cassio, pelo contrário mas deixarei o pagamento do imposto da transação com o senhor. Acredite que estou oferecendo o preço justo por seu lote e o senhor não precisaria viajar para Larinia e ter todos os riscos que uma viagem destas oferece.
– Eu aceito, mas se em algum momento o senhor se arrepender da compra, voltaremos a conversar, combinado?
– Certo. Amor, venha ver nossos novos cavalos!
– Conseguiste comprar o Palomino que eu pedi?
– Sim.
– Eu te amo, querido.
– Também te amo.
– Este cavalo é para a senhora?
– Sim.
– Ele é muito perigoso.
– Deixe estar, senhor Cassio. Ele apenas não teve o toque necessário para doma.
– Acredite senhor Cassio, minha mulher domina qualquer animal de montaria.
Obrigada. Poderia conserva-los para mim até que eu mande busca-los?
– Certamente, senhor, certamente.
No meio da tarde, Télio e Fabíola foram até a propriedade para tomar posse e fechar o negócio do imóvel e demais bens. Na frente de um escriba e de um membro do Conselho da cidade, foi lavrado o documento que dava posse definitiva de todos os bens constantes na casa e nos campos ao jovem casal. Fechando o acordo com um copo de vinho, entregaram a Diestor , também na presença das testemunhas, moedas de ouro no valor de quatro milhões, cento e quarenta mil dracmas, ou seja vinte e três talentos de ouro.
Tendo os visitantes se retirado, os dois ficaram sozinhos na casa grande e conforme tinham acertado anteriormente resolveram reunir os servos e escravos para que fossem se inteirando das coisas que estavam sendo modificadas sob sua direção.
Apontando para uma senhora já idosa, com seus cinquenta verões, Fabíola começa a imprimir seu ritmo.
-Como você se chama e o que fazia aqui?

– Eu me chamo Faist e era quem coordenava os serviços domésticos senhora.
– Muito bem, Faist, permitirei que sigas usando teu nome. Quanto a tua coordenação, ela deixará de existir neste instante. Eu mesma farei isso. Me escutem todas vocês e esta será a única vez que eu irei explicar isso, então prestem muita atenção sobre como será a direção desta casa.
Se algum de vocês trouxer perigo à minha casa, de qualquer maneira que seja, será punido e aqueles que sabiam do fato e não comunicaram também. Se algum de vocês me desagradar, ou a meu senhor, será punido e aquele que vendo isto não impediu, também o acompanhará em seu castigo.
Se um marido, ou pai falhar em sua atividade, sua mulher e seus filhos também serão castigados. Se uma escrava com cria me desagradar, a cria será castigada, mas se ela me agradar e for recompensada, sua cria será igualmente recompensada. Todos vocês estão proibidos de falar uns com os outros sobre seus senhores ou sobre as ordens que receberam, a não ser que o serviço necessite ou recebam ordens neste sentido. Nossos assuntos e os de nossa casa não devem ser comentados com ninguém, exijo sigilo absoluto sobre nós.
Que os Deuses tenham piedade de quem sendo chamada a agradar meu senhor, um hospede ou a mim falhe em sua missão, por que eu não terei misericórdia.
Não sei nem me interessa saber como era feito nesta propriedade antes de mim, entendam que esta é outra vida e será tão boa como for o desempenho de cada um. Terão trajes e tarefas específicas e somente eu posso modificar um ou outro. As que trabalham na cozinha deem um passo à frente.
Todas as quinze escravas que atuavam junto à cozinha deram um passo a frente imediatamente.
– Vocês vestirão túnicas cinza, devendo sempre ter alguém na cozinha todas as marcas de velas do dia e da noite e o fogo mantido acesso. As frutas deverão estar maduras, as águas das jarras sempre frias e o desjejum será servido em meu quarto exatamente ao nascer do sol. Chá, leite de cabra, frutas, pão, queijo, azeite e alguma carne.
Este será o básico que poderá ser modificado de acordo com as circunstancias. Todos os empregados e escravos deverão ser alimentados antes do nascer do sol e quando eu levantar e adentrar nas cozinhas, não quero ver nenhuma sujeira sobre a mesa ou resto de comida nos fogões. O que sobrar deverá ser enviado para o canil ou criação. Deverão imediatamente se ocupar do almoço. Todas compreenderam ?
– Sim, senhora.
– Qual de vocês era a cozinheira da casa?
– Eu, senhora.
– Qual seu nome e tua idade?
– Chamo-me Polínia , e tenho trinta verões, minha senhora.

– Continuarás em tuas funções Polínia , mas Faist te acompanhará ficando responsável pela limpeza das cozinhas e despensas. Quero que tu te importes apenas com a produção e distribuição dos alimentos. Dividam as auxiliares entre vocês e fiquem naquele canto.
– Sim, senhora.
– Quais de vocês cuidavam da limpeza da casa e das roupas?
– Varias se adiantam, e Fabíola escolhe uma. Qual seu nome, menina?
– Dóris, senhora. Vocês passarão a vestir túnicas brancas e a partir de agora, Dóris será responsável por suas tarefas. Se eu encontrar sujeira em algum cômodo da casa ou as roupas não estiverem disponíveis e prontas para uso quando eu necessitar delas será Dóris que irá pagar e quem mais ela apontar como irresponsável. As demais cuidarão da área externa e vestirão túnicas verdes, também na responsabilidade de Dóris .
Está bem claro para todas suas novas funções? Alguém tem alguma pergunta? Vou permitir uma pergunta para cada uma de vocês e apenas agora. Alguém deseja perguntar algo?
– A senhora vai vender alguns de nós ou nossos filhos, senhora?
– Não, não pretendo vender ninguém, mas gravem isso em suas mentes. Exijo total e completa dedicação ou desejarão terem sido vendidos.
– Sim, senhora.
– Seu senhor vai falar com vocês, então prestem atenção.
– Vocês têm tarefas a desempenhar para o bom andamento de nossa casa e nossos negócios. Receberão alimento, um teto, um lugar para dormir e serão tratados com justiça dentro das regras da casa, sendo terminantemente proibido serem usadas para prazer de quem quer que seja, sem nossa autorização, não sendo aceito abusos embaixo de nosso teto com as servas ou escravas. As crianças estarão protegidas , devendo aprender a leitura, escrita e cálculos, assim como três idiomas e para isso será organizada uma escola na propriedade que deverá também ser frequentada pelos adultos que precisarem. Todos em nossa casa deverão saber três idiomas, independente de sua função.
A palavra da senhora Fabíola é lei nesta casa e infeliz daquela que cair em desgraça com ela, pois não terá em mim abrigo algum. Nossos hábitos são simples e acharão mais tranquilos que seu mestre anterior, no entanto é pequeno o tempo entre a ordem dada e a execução, que deverá ser imediata e precisa. Agora vão para suas funções e comecem a organizar esta casa e nosso jantar que iremos nos refrescar e descansar em nossos aposentos Não desejo ser interrompido por motivo algum.”
Retirando-se ambos para seus aposentos procuram trocar impressões sobre a aceitação da nova situação na casa.
– Como foi, amor?

– Muito bem e esta ideia de separa-los por cor da túnica irá fazer com que pensem duas vezes antes de fazer corpo livre ao invés de trabalhar, ou possam esgueirar-se por aí. Nos currais eu pretendo utilizar outro sistema.
– Qual?
– Vou deixa-los agirem conforme seu conhecimento e premiar seu merecimento.
– Isso pode funcionar bem.
– Como você imagina que será aceita esta nova situação?
– Creio que muitas respiraram aliviadas de termos comprado a propriedade, principalmente quando você falou que não seriam abusadas.
– O sanador deverá chegar a qualquer momento. Eu disse que não desejava ser interrompido.
Qual delas irá nos chamar?
– Acho que Polínia , ela parece ter coragem. Troxineus me pareceu um homem honesto, se houve algum engodo junto a casa de Aristeu, deverá ser por parte dos que atuam no hospital.
– Ele irá examinar os escravos da casa, que segundo Diestor não apresentam nenhuma moléstia, esperemos o jantar. Vamos ver como se comporta a escrava. Vais castiga-la?
– Quem? Polínia? Não. Vamos considerar que não fomos interrompidos e estávamos de saída quando ela bateu na porta. Estava pensando em separar parte do quarto comunal na ala oeste para que os doentes possam se reestabelecer de seus males, fechando este canto e colocando sanitários apropriados e deixar o restante do quarto comunal para os demais. Distribuir alguns quartos individuais para casais ou famílias terem um pouco de privacidade como o segundo andar do Palácio de Corinto ou a enfermaria, enquanto cada setor dividirá o serviço sobressalente entre os que estiverem bem. Aquela Faist deveria ficar responsável por cuidar dos doentes, com uma jovem para auxilia-la, por enquanto
– Certo.
Troxeus chegou no inicio da noite e solicitou um quarto totalmente iluminado e uma mesa onde os pacientes pudessem ficar completamente deitados. Nuas, uma a uma as escravas da casa iam deitando e sendo examinadas por toda sua anatomia, buscando todas as possibilidades de moléstias.
Encontrou duas com mais de trinta e seis verões que sofriam com dificuldade de respirar devido a um resfriado mal curado, três jovens com contusões provenientes de um instrumento contundente e de pequeno diâmetro, provavelmente uma vara ou pequeno galho e duas que tinham arroxeados em suas partes intimas, joelhos, nádegas e no anus. Recomendou o tratamento para cada caso. Os homens que faziam serviço doméstico estavam bem de saúde, com exceção de Malik, um garoto de onze anos, responsável por manter o fogo da cozinha que estava apresentando uma tosse

que não cessava e algo de febre.
Conforme haviam conversado anteriormente, Fabíola ordenou que ocupassem as camas na ala oeste do alojamento comunal e fossem atendidos conforme a prescrição do sanador.
Agradecendo ao sanador a oportunidade de reverenciar Atena através de sua pessoa, Fabíola doou para as obras de caridade do sanador a quantia de cem dracmas e após o jantar, Télio ordenou que o sanador fosse acompanhado por quatro escravos até a pousada e que trouxessem toda sua bagagem que havia deixado no quarto principal da pousada, para a sua propriedade,
Na manha seguinte, Télio estava organizando a manada principal e separando os garanhões para serem trabalhados, enquanto Fabíola dava ordens para a poda das parreiras e armazenamento adequado do trigo colhido. Uma das éguas entraria em trabalho de parto a qualquer momento e ela pretendia acompanhar o nascimento da vida quando acontecesse.
– Minha senhora.
– Sim, Dóris ?
– O senhor Troxineus está aqui e solicita sua presença na casa principal.
– Diga que irei assim que me desvencilhar de minha atual função.
– Sim, senhora.
O potrinho levou mais meia marca de vela para nascer e Fabíola dirigia-se ao salão da casa principal.
– Senhor Troxineus , seja bem vindo a nossa casa!
– Senhora Fabíola . Infelizmente sou portador de más notícias. Aquele menino que estava doente ontem a noite está piorando e temo que não possa fazer mais nada nas próximas luas, no entanto não é contagioso, sendo provavelmente algo que ele tocou ou uma picada de algum animal ao qual é alérgico. Ele irá morrer antes da próxima lua nova.
– Não há nada que se possa fazer?
– Existe um antídoto universal que poderíamos tentar, mas o vidro deste medicamento é extremamente caro, sendo mais em conta para a senhora comprar outro escravo. Com o preço do medicamento a senhora compraria quatro meninos de mesmo valor que este, muito mais saudáveis e úteis.
– Não me interessam outros, eu quero que salvemos este. Faça o que estiver ao seu alcance, independente do preço.
Novamente Fabíola impressiona o sanador por sua perseverança na posição de salvar cada escravo, independente do preço gasto.
– Se a senhora pensa assim, assim será feito. Este é o medicamento e ele deverá ser ministrado a cada três marcas de vela, sem faltar uma. Os demais doentes estão se recuperando bem e poderão voltar ao trabalho na noite de amanhã.

– Obrigada, senhor Troxineus . O senhor é um homem de grande ciência, em nada deve aos centros como Corinto ou Atenas.
– Obrigada, senhora. Bom dia.
– Bom, dia senhor.
Observando Troxineus sumir na curva da estrada, Fabíola entra na casa dando ordens.
Dóris , chame Xalita e vá até a cama de Malik, providencie para que ele receba lençóis novos a cada quatro marcas de velas e sua roupa seja fervida.
– Queria me ver, senhora?
– Sim, Xalita. O senhor Troxineus examinou Malik e disse que sem o medicamento adequado ele morrerá antes da próxima lua nova, talvez seja momento de se despedir dele, o que tu pensas?
– Por tudo que lhe for sagrado, senhora, salve meu filho. Ele é bom e obediente, saberá honrar sua casa, peço sua misericórdia para o sofrimento de meu menino. Somos sua propriedade, senhora, mas sabemos o valor da lealdade, juro que nunca, jamais terei um pensamento ou ação que não seja servir sua casa, salve meu filho, senhora, por favor!
– És minha escrava Xalita e escravos não devem ter pensamentos desleais nem tentarem negociar com seus amos, então aceitarás qualquer decisão minha com silêncio obediente e sem cenas. Vou te fazer uma pergunta e dependendo da resposta pensarei em salvar teu filho ou não.
– Sim, senhora.
– És grega?
– Sim senhora, da região de Iliria.
– O que pensas da Conquistadora ?
– Senhora?
– Estás surda? Responde logo ou perderei o interesse no destino deste garoto.
– Ela é digna, embora existam aqueles que se escondendo embaixo de sua autoridade, não sejam.
– Quem?
– Por favor, senhora, eu sou apenas uma escrava, minha palavra não tem valor contra os nobres do Império, as palavras passaram a barreira dos dentes sem o devido controle, perdão senhora.
– Reponde a pergunta Xalita e diga como sabes disso.
– O senhor Diestor em uma noite destas, num jantar com o chefe da guarnição proporcionou a distração. Eu e outras três escravas da casa. Enquanto comiam, o tenente Plauto, chefe da guarnição e o administrador do hospital se vangloriavam de quem lucrava mais com o desespero do povo.
– Como um chefe de guarnição lucraria?

– Ele mencionou algo sobre deslocar a guarda e a milícia para outras paragens quando os bandoleiros atacavam uma propriedade.
– E o administrador do hospital, o que tinha a ver com isso?
– Não sei, senhora. Apenas falava que existem certos procedimentos que prolongam o estado febril, fazendo com que as visitas residenciais sejam mais necessárias e as famílias abastadas não medirem valores quando se tratam dos seus.
– Como te permitiram saber disso e viver?
– Os homens tem necessidade de falar e nós despertamos menos preocupação do que os cães na porta.
– Não penses que eu acredito neste conto e estás proibida de menciona-lo a qualquer pessoa, porém foi divertido e creio que talvez valha a pena tentar salvar teu filho. Este é o remédio que Troxineus recomendou, mas ele deve ser ministrado com muito cuidado no tempo certo, proceda a dose marcada em Malik a cada três marcas de vela, sem faltar uma. Vá para junto dele e diga a Dóris , que você não fará nenhuma outra tarefa até a noite de amanhã, devendo ser redistribuída suas funções e se o senhor lhe requisitar, explique reverentemente que você tem ordens minhas de não sair do lado do jovem Malik. Amanhã veremos o resultado. Bom dia, Xalita.
– Bom dia senhora. Obrigada, e que Atena lhe proteja! Muito obrigada! Tremendo e chorando a gratidão das mães, Xalita pegou o vidro de medicamento,
indo para junto de Malik ministrar o medicamento, pedindo a Atena que este sanador não estivesse enganado sobre o remédio, para que seu menino ficasse bom. Rezando a todos os Deuses que conhecia ela agradecia esta nova senhora, pois era ciente que o amo anterior deixaria Malik morrer sem um segundo pensamento.
Fabíola sai pelo pátio interior, mas resolve tomar outro caminho e ir para a cozinha determinar um prato novo para o almoço, pois sabia que Télio gostava muito de costeletas de porco com batatas. Ia entrando quando um som que parecia uma ninhada de cãezinhos novos em uma das peças que seriam a primeira despensa, onde Diestor havia mencionado serem guardados apenas itens sem utilidade prática chamou sua atenção.
Entrando na saleta a procura de caezinhos viu apenas alguns sacos no chão e prateleiras com pratos, ânforas, panelas, bacias vazias e ao lado, apoiada na parede ao lado da porta uma escada de dois pés e seis degraus que dava acesso ao depósito em uma espécie de sótão. Prestando atenção, os sons vinham dali e a curiosidade fez Fabíola subir nas escada, ficando pálida e começando a tremer, desceu quase deslizando e chegou nas cozinhas em dez passos muito apressados, parando dois passos atrás de Polínia com a ira percorrendo todo seu ser, virou-a rapidamente, aplicando-lhe sem aviso um tapa violento e segurando-a pela túnica, com o antebraço e o cotovelo firmando seu corpo de costas sobre a mesa, encosta a faca em sua garganta.
– Você tem cinco contagens para explicar o que vi no sótão da saleta, na entrada

oeste das cozinhas.
– Aquela é Xantara , minha senhora.
– E?!?
– Ela desagradou o senhor Diestor quando ele quis se divertir na semana passada e ele resolveu fazer dela um exemplo, quase quebrando suas duas pernas propositalmente após o espancamento, mandando amarra-la lá em cima e amordaça- la, nos permitindo levar comida e água pra ela apenas uma vez por dia. Disse que deveria ficar na despensa para seus gemidos nos lembrar de quem somos e trabalhar melhor.
– Os ferimentos dela podem infeccionar e ela morrer!! Por que não me disseste nada?!!?
– Nos foi dito que os senhores sabiam das condições da propriedade e dos bens, que não deveríamos atrapalhar a venda e a senhora disse que não lhe interessava como era antes. Pensei que a senhora soubesse.
– Covarde!!!!!!!!! Chame dois homens e coloquem-na em uma cama ao lado de Malik, dizendo a Faist que cuide dela da melhor forma, mande um mensageiro à cidade solicitando que o sanador venha mais cedo possível. Você e Dóris responderão mim pessoalmente por isso ter acontecido em minha casa e ela não ter sido tratada mais cedo e quanto ao almoço, providenciem costelas de porco e batatas , ficando fique longe de minhas vistas até que eu fale com você novamente.
– Sim, senhora.
Polínia sai correndo em direção da porta para atender essas novas ordens, mas é chamada novamente, estancando seu afastar imediatamente.
– Polínia !
– Sim, senhora?
– Existe mais algum caso de punição dos antigos donos que eu deva saber?
Qualquer caso?
– Não, senhora. Nenhum que eu saiba.
– Então, vai fazer o que mandei.
– Sim, senhora.
Fabíola estava indignada, não apenas com a atitude de Diestor que abusou da confiança depositada nele, mas de suas escravas não terem tentado intervir para que a mulher fosse atendida, pois Télio tinha dito que não aceitaria abusos e elas deviam ter relatado este caso assim que eles assumiram a propriedade.
Chegando junto aos campos internos, encontrou Télio ouvindo o tratador principal sobre os potros e éguas com potencial de seleção para reprodução e os que deveriam ser treinados em manobras.
– Então, como está a criação, querido?
– Promete bons resultados com cinco potros adequados aos padrões de Corinto ,

sendo que o branco se qualifica como reprodutor. O que aconteceu com você? Parece agitada.
– Descobri que nossas escravas não foram totalmente leais a nós quando encontrei uma jovem seriamente espancada e muito ferida amarrada em uma saleta de depósito das cozinhas, e que nosso bom amigo, senhor Diestor utilizava-se das escravas da propriedade para seu divertimento pessoal e de seus amigos. Aparentemente nosso pessoal ainda não entendeu bem as regras da casa, tendo dificuldade de discernir que não há fatos que podem ser ocultados de nós.
– O que você pretende fazer?
– Orientar que cuidem dela e garantir que nunca mais se esqueçam de nos relatar coisas que ocorrem dentro de nossa casa.
– Faça como achar melhor, mas se Diestor fez isso, fez quando ainda não era nossa casa, então tecnicamente não ocorreu nenhuma mentira. Creio que ninguém nos relatou por que ainda não éramos os donos quando aconteceu e não pensaram que ele nos tinha ocultado.
– Tens razão. Vou reunir as responsáveis e definir melhor o que espero delas, vou lhes dar mais uma chance. Estou pensando em mandar buscar nossas compras no mercado. Como desejas lidar com as novas aquisições?
– Como Ela sempre faz. Deixando claro quem manda, desde o início. Os que falarem nossa língua ou Egípcio será de fácil definição, os outros devemos colocar em uma função de execução coletiva para que com a observação eles consigam ir aprendendo as tarefas.
Acho importante estabelecermos a escola o mais cedo possível, para que possam ser úteis quando tudo isso passar, se ela decidir liberta-los ou usa-los em outras funções. Quando chegará o nono?
– Provavelmente antes da lua nova, acha que precisaremos deles e teremos problemas de defesa?
– Acho que não, seria mais interessante para os poderosos que nós fiquemos na cidade e distribuamos nossos talentos do que um assalto que levaria apenas o que tivéssemos em nosso poder no momento.
– Vamos cavalgar? Precisamos conversar.
– Claro.
Selecionando dois animais, montaram e enquanto cavalgavam pela propriedade Fabíola foi relatando à Télio o que descobriu sobre o administrador do hospital, o tenente que comanda a guarnição e a maneira que Diestor utilizava a propriedade que agora é deles. Quando retornaram, já passava duas marcas do meio do dia e eles tinham um plano de ação estabelecido quanto as aquisições, o nono pelotão e os escravos da casa.
Enquanto Fabíola cuidaria das relações com os escravos, Télio buscaria fazer

relacionamento mais chegado ao tenente da guarnição. A proteção de sua propriedade contra os bandoleiros que dizem agir na região poderia ser um interessante tema de conversa. O almoço foi servido assim que Fabíola ordenou, fazendo o papel de esposa solicita e apaixonada, apresentou sua escolha do cardápio como um presente especial.
– Reservei a área atrás do estábulo para montares tua área de treinamento pessoal, querida. Pretendes coloca-las todas para treinar contigo?
– Sim, a não ser as que tiverem mais de cinquenta e cinco verões ou menos de doze.
– E as novas aquisições?
– Pra mim todas são novas, então serão tratadas todas da mesma maneira.
– Certo. Já pensou no que colocarás as prenhas?
– Vou coloca-las a cuidar das crianças e talvez tenha alguma entre elas com aptidão para o ensino.
– Certo, mandarei que os busquem juntamente com os cavalos antes do final da tarde, enquanto estou no pasto sul. Boa tarde querida.
– Boa tarde amor.Mais vinho. Qual seu nome menina?
– Diana, senhora.
– Vou para meu quarto, Diana. Diga para Dóris e Polínia irem até lá imediatamente. Fabíola vai para seu quarto fechando um pouco os olhos, enquanto pensa no que fazer.
– Desejava nos ver, senhora?
– Se mandei chamar é por que sim, eu desejava Dóris . Estou muito decepcionada com vocês duas com o fato de me manterem no escuro sobre o sofrimento daquela jovem o que me faz pensar quantas coisas mais estará sendo mantida de mim. Vou dar uma oportunidade para que vocês me contem tudo que possa estar acontecendo nesta casa ou com os habitantes dela. Se eu descobrir algo que me foi ocultado, vocês irão se arrepender de seu silencio por muito tempo. Isto será feito de uma maneira sensata e metódica mantendo em mente que escravos não tem segredos. Então?
– Não sabemos o que seria de seu interesse, senhora. O que gostaria de saber?
– Tudo, Dóris . Comecemos com você. De onde é, a quanto tempo serve esta casa, se tem parentes ou namorado, amante, como se tornou escrava, quem entre os escravos ou servos você sabe que tem namorado e qualquer outra coisa que deseje falar.
– Eu sou Dóris , de Voutz na região de Épiro e tenho vinte e cinco verões ou um pouco mais. Quando a Conquistadora fez suas primeiras campanhas, minha aldeia não se rendeu de bom grado e os homens do Conselho resolveram que não se renderiam a um exército, muito menos uns homens comandados por uma mulher.
Foram derrotados, com os líderes da cidade e suas famílias sendo vendidos como escravos para pagar a ousadia, o que parece ter funcionado, pois nenhuma outra vila ou cidade resistiu a ela naquele verão. Meu pai era o chefe da milícia e vim diretamente

para cá, onde Faist me ensinou o trabalho e a vida que teria como escrava da casa a quinze verões atrás. Não tenho relacionamento amoroso com ninguém, nenhum servo ou escravo, não possuo amante, embora o senhor Nisenar muitas vezes tenha me chamado a seu leito. Sou amiga de algumas escravas, senhora e de um escravo também. O nome dele é Paulo e ele é responsável pelas cavalariças, mas é somente amizade pois ele é de minha vila e fomos trazidos juntos. Giana tem um namorado, mas com o consentimento do antigo dono. Ele é Usendi, um homem livre, que possui o sítio que faz divisa ao sul e está economizando pra compra-la.
Droar, o marido de Xalita, fica nos campos e monitora a manada dos animais que irão para o mercado, as vezes esquece de sua condição pois na maior parte do tempo não precisa lidar com os senhores, se imaginando viver livre como os animais que cuida.
Quanto a Xantara , como a senhora percebeu, o senhor Diestor não deixa leve não ser atendido em todas as suas exigências e a jovem não percebeu o que fazia quando ao se debater acertou-o na região sensível de todo homem. Ele por alguns instantes não se movia e quando o fez mandou que Polínia trouxesse a vara de bambu que ele mantinha na despensa e segurasse as mãos de Xantara , do outro lado por sobre a mesa, deixando-a debruçada e começou a bater nela com calma, golpe após golpe, desde os pulsos até os tornozelos, depois deitou-a de costas na mesa. Ela ficou com marcas, parecendo um daqueles grandes gatos que tem desenhado no tapete pendurado no estúdio de mestre Nisenar e então ele deu o bambu para Polínia e disse que deveria bater nas pernas de Xantara até que a vara quebrasse. Nunca mais Xantara ousaria atacar um amo daquela maneira.
Nós não falamos para a senhora nada sobre Xantara , seguindo suas ordens, mestre.
– Minhas ordens? Mestre? De onde veio isso? Falei para me chamarem assim?
Você está muito próxima de me fazer perder a calma Dóris .
– A senhora disse, naquela primeira noite que não lhe interessava como era feito na casa antes da senhora. Então não lhe falamos nada para não aborrece-la, minha senhora.
– Você é a responsável pelo estado da menina, Polínia ?
– Não, senhora.
– Dóris mentiu pra mim?
– Não, senhora. Eu fiz as pernas dela ficarem inchadas daquele jeito, mas não fui a responsável.
– Explique isso.
– Eu recebi ordens que se eu não cumprisse outro faria e talvez pior. O senhor Diestor foi o responsável, não eu.
– Vamos tentar com calma. De onde é, a quanto tempo serve esta casa, se tem

parentes ou namorado, amante, como se tornou escrava, quem entre os escravos ou servos você sabe que tem namorado, quem pretende fugir e qualquer outra coisa que deseje falar.
– Me chamo Polínia , e tenho trinta verões, minha senhora, sou da região de Mileto. Meus pais não conseguiram pagar uma dívida com o senhor Nisenar, então eu e minha irmã fomos entregues em garantia a cinco verões atrás e temos tentado sobreviver a cada dia.
– Mas se a dívida era dos seus pais, por que vocês foram a garantia?
– Eu não me casei como era devido e de todas as garantias possíveis, esta foi a exigida pelo senhor Nisenar. Não tenho nenhum namorado e vivo para obedecer suas ordens e cuidar da minha irmã sempre que possível.
Ele me disse que batesse nas pernas de Xantara até quebrar o bambu, eu tentei bater mais na mesa do que nela quando ele não estava olhando, até que a maldita vara quebrou. Quanto ao andamento da casa, Dóris lhe disse tudo que era possível dizer, talvez uma palavra sobre Faist fosse útil.
Ela é muito dedicada e conhece a casa muito bem, mas existem rumores de que serviu ao senhor Diestor, lhe fornecendo informações sobre o amo Nisenar para que pudesse se oferecer como intermediário na venda da propriedade.
– Isto é tudo? Tudo o que vocês gostariam de me dizer e acreditam que eu deva saber?
– Sim, senhora.
– Muito bem.
– Eu não sou uma ama tão desatenta quanto Diestor e quando der uma ordem ela deverá ser cumprida com exatidão, sem estes estratagemas para poupar alguém de um castigo que eu considere merecido. O que eu disse sobre as crias se aplicará à tua irmã, Polínia . Se me desagradares, ela sentirá o peso de minha ira junto contigo. Não concordo com o que fizeste àquela menina, mas entendo que recebeste ordens, espero que seja tão ciosa de teus deveres comigo como foste com Diestor, mas melhor. Não vou punir nenhuma de vocês, porém estão avisadas sobre o que acontecerá, se eu descobrir outro caso oculto, farei vocês pensarem que Diestor era suave. Em que setor está trabalhando sua irmã?
– Nenhum setor senhora. Ela está deitada, sem condições de trabalhar no momento.
– Eu quero vê-la agora. Dóris , vá buscar a irmã desta mulher antes que eu resolva mandar as três atuarem de graça nos bordéis em Abelar.
Polínia cai em seus joelhos.
– Por Atena , Hera, Hestia e todas as Deusas do Panteão não faça isso senhora. Por favor não a coloque em pé. Ela não pode, por favor não faça minha irmã levantar.
– Do que ela está falando, Dóris? O que tem esta menina que não pode levantar?

– A senhora já viu a irmã dela e enviou-a para junto de Malik esperar o sanador.
Ela é irmã de Xantara, minha senhora.
– Levante-se. Agora entendo por que Diestor fez que você batesse na menina e imagino o que lhe custou não trata-la. Estamos esperando a chegada de novos escravos, então caberá a vocês dividi-los nas tarefas domésticas, sendo que algumas das que virão estão prenhas devendo ser colocadas no atendimento às crianças e as que souberem outras línguas deverão ensinar o segundo idioma para todas. Agora vão desempenhar suas funções e lembrem sempre o que eu disse sobre segredos e coisas ditas pela metade.
No final da tarde chegou a carroça com suas novas aquisições, com as crianças entregues em separado, sendo três meninos e uma menina, parecendo que o casal mais velho eram irmãos, junto com as intocadas. Os homens seriam direcionados aos estábulos no dia seguinte, enquanto as mulheres iriam atuar dentro e fora da casa. Todos foram reunidos na sala adjacente à cozinha, onde os servos e escravos faziam suas refeições.
Télio estava ao lado de Fabíola , olhando aqueles homens e mulheres cansados, assustados e derrotados. Com sua voz calma e tranquila Fabíola começou a explanar sobre as diretrizes de sua casa.
– Aqueles entre vocês que entendem grego fiquem daquele lado e em persa disse a mesma frase, apontando um outro local, repetindo com egípcio, língua dos homens do norte e língua da Bretania.
Havia uma mulher com características do povo da Chin , língua que infelizmente nem ela, nem Télio compreendiam.
Télio repetiu as explicações de Fabíola sobre as normas da casa, a obediência, o não abuso, não segredos e a obrigação de aprenderem três línguas.
– Prestem atenção, o traje marrom indica que vocês não pertenciam à casa antes de nós e também, que deverão executar qualquer trabalho que lhe seja solicitado, em qualquer lugar da casa. Os homens serão direcionados aos estábulos, uma vez que lidarão com os cavalos e as mulheres serão divididas nas diferentes funções, cada um de vocês que não entende grego, formará dupla com outro que é fluente nesta língua. Vocês trabalharão, comerão e dormirão juntos devendo guardar atenção redobrada para com nossas ordens, pois o sucesso e fracasso cairá igualmente sobre os dois componentes da dupla.
As prenhas e intocadas deverão atender as crianças, que não terão comprometimento com nenhum trabalho, apenas com o aprendizado. Os jovens maiores de onze verões receberão funções dentro de suas capacidades físicas pela parte da manhã e qualquer dúvida devem perguntar a uma destas duas aqui.”
Polínia entra no seu campo de visão e respeitosamente aguarda para ser atendida.
– Esta é Polínia e esta é Dóris, irão ajuda-las todas na sua adaptação na casa.

O que queres Polínia ?
– As camas estão prontas e a comida preparada para ser servida, ao seu comando minha senhora.
– Bom. Vocês devem sentar e aguardar que será servido uma refeição para vocês. Comam com tranquilidade e depois Dóris os conduzirá para o seu dormitório. Aqueles que forem parentes, poderão dormir próximos, mas deverão dormir ao lado de sua dupla. Não haverá toque de silencio e vocês poderão conversar até a hora que desejarem. Amanhã o desjejum será servido antes do nascer do sol e terão o dia de amanhã inteiro para ficarem juntos, conversarem e acalmarem seus medos. Nesta casa não há crueldade com os servos ou escravos, no entanto somos exigentes e o castigo chegará rápido para quem não cumprir com o determinado, exigimos total dedicação por todo o tempo em que estiverem acordados. Fiquem bem.
Na segunda noite dos novos escravos na casa ficava evidente que sua adaptação estava a bom termo, o tratamento dispensado às crianças e as jovens, com a escola sendo organizada e não sendo exigido nenhum trabalho acima das suas capacidades deu ao grupo uma tranquilidade quase real.
Xantara ficou responsável pela escola, e ainda em organizar os banhos da casa recebendo poder sobre as intocadas que em tudo deveriam ouvi-la e consultar, passando o tempo restante em dirigir as prenhas com as crianças e na escola. Considerando que ainda não poderia caminhar, uma cama foi colocada no grande salão secundário, agora local de histórias, matemática e línguas, do nascer ao por do sol. Algumas das crianças já sabiam fazer contas, escrever o próprio nome e o nome de seus senhores, sendo permitido apenas contos clássicos, fábulas ou história do Império.
Ela devia estar ali disponível e as crianças ou adultos a procuravam de acordo com a capacidade de tempo destinada por seu responsável para tal o aprendizado, sendo porém reservado tempo a seu descanso. Fabíola tinha deixado claro que o responsável era tão culpado quanto o escravo por seu sucesso ou fracasso no aprendizado das línguas.
Havia outro campo de aprendizado, que Fabíola dirigia pessoalmente. Os atos de esporte era algo que exigia de todas as suas escravas, com especificações das habilidades feitas e treinamento organizado. Diariamente, por uma marca de vela treinava seu corpo com ginásticas, corridas e levantamento de pesos e deixava claro que se fosse testar uma de suas escravas, fracasso não era opção, então as responsáveis pelos trabalhos deveriam fazer com que duas marcas de vela fossem destinadas ao exercício do corpo e aprendizado na escola, sem exceções.
O nono pelotão já havia chegado e se posicionado nos alojamentos ao lado da casa principal, como homens de segurança da propriedade, agindo como braço armado de Télio e por vezes como trabalhadores junto aos cavalos, campos ou construções.

Seu salário nominal era cem dracmas a mais que um soldado regular receberia no exército da Conquistadora. Um carpinteiro comum recebia cerca de cinquenta selcs, meia dracma por dia de trabalho, um soldado regular do exército da Conquistadora recebia pouco mais que seis dracmas e meia por dia e um homem de Télio dez dracmas por dia, vinte vezes o salário de um carpinteiro. Télio pagava bem, mas exigia bastante, num contrato de cinco verões com possibilidade de prorrogação por mais cinco e diferente das contratações comuns, Télio pagava antecipadamente.
Assim que chegaram, foram recebidos com alojamentos a disposição, refeição e seu salário, juntamente com a recomendação de que procurassem se divertir na taverna local e não criassem confusão nos bordéis. Começariam seu trabalho no dia seguinte após o almoço.
Isso proporcionou episódios em que a fama da fortuna de Télio se espalhou e seus homens com comentários bem colocados aqui e ali, as vezes conversa entre dois deles, propositalmente alta para ser ouvida ou confissões de bêbados à amantes no bordel, deixaram escapar alguns serviços que fizeram em alguns locais, proporcionando considerável aumento desta fortuna. Principalmente em negócios com administradores públicos que rendiam considerável comissão.
Junto à propriedade suas funções eram de segurança. Por vezes faziam rondas ou montavam grupos nos campos, mas sempre visando vigiar a criação e a propriedade como um todo, assim, não haveria problemas com os bandidos que agiam na região. Três homens foram designados como seguranças pessoais dos senhores da casa, devendo permanecer junto a casa principal para qualquer necessidade.
Télio por quatro vezes convidou Tegiste, o administrador do hospital para jantar, e na quarta noite acabou procedendo um acordo para o fornecimento de ervas e salgueiro para o trabalho dos sanadores em troca de duzentas dracmas por remessa, e ainda ficou acertada a contratação de um grupo dos escravos para reparos na parte da estrutura física do hospital, por duzentos dracmas por noite.
– Se tudo correr a contendo, o senhor poderia participar de nosso esquema em outros setores como o fornecimento de cavalos e insumos para as guarnições daqui à Pisatis e com seus conhecimentos, poderíamos talvez entrar nas negociações feitas no porto de Patra. Seus homens de segurança parecem qualificados e de confiança, se o senhor desejar poderia entrar nas dinâmicas, onde a comissão é maior e mais rápida. Nós ficaríamos encantados em contratar suas ervas e seu grupo, senhor Télio pois o serviço não pode esperar e parece que o senhor possui uma equipe de segurança que fará com que seus escravos não deixem o serviço inacabado. No entanto por uma questão de contabilidade e impostos, deveriam declarar um valor cinco vezes maior com os devidos assentamentos perante o Conselho da cidade.
– Mas o Conselho da cidade não iria fiscalizar o andamento das obras ou a qualidade das ervas para liberar o valor acertado, senhor Tegiste?

– Temos três conselheiros em acordo que as obras do hospital não poderiam ficar a mercê da burocracia, sendo preferível que busquemos no tesouro do Império verba adequada para esta e as próximas reformas necessárias do que passar cada necessidade pelo crivo do governo central. Quanto às ervas, não é importante que as remessas sejam cem por cento puras, podendo misturar sessenta por cento de capim comum ou feno, assim lucraríamos os dois.
– Creio que o trabalho escravo poderia ser facilmente manipulado para que fosse feito com o máximo de resultado se duplicássemos o número de escravos envolvidos e como seria a nossas custas, estaria justificado que recebêssemos por vinte noites, independente do tempo real, amor.
– O ajuste na declaração de valor poderia ser facilmente justificado, pois mil dracmas por noite seria um valor pequeno frente as dificuldades de tais reformas, senhor Tegiste. Quanto às ervas, declarar trezentas dracmas por remessa não seria nenhuma dificuldade, considerando que nossa propriedade possui muita variedade.
– Uma pequena comissão aos membros do Conselho garantiria a aprovação de qualquer orçamento, senhora Fabíola . Ganham vocês com o fornecimento das ervas e o uso de sua mão de obra e ganhamos nós. A população também sairia beneficiada com o aumento das salas de atendimento e contratação de sanadores, não precisando saber que por este valor, poderíamos realizar cinco vezes mais, nem o valor real do empreendimento.
– Mas não haveria confirmação com os sanadores da quantidade recebida?
– Não, senhor Télio, na verdade nós fazemos com que a demanda seja anotada a maior, para garantir alguma vistoria e sempre podemos culpar os escravos por uma colheita mal feita, não é mesmo?
– E como seríamos pagos?
– Cinquenta por cento quando iniciarem as obras e o restante com a conclusão, mas devemos ainda levar algum tempo para que saiam do local, garantindo assim a impressão de que a obra continua sendo realizada, senhora Fabíola .
– Deixaríamos uns três escravos e um capataz para fazê-los realizar serviços de manutenção do pátio e fazendo o trabalho de descarregar as carroças de ervas na vista de todos.
– Então ficamos acertados, o Império liberará vinte mil dracmas na reforma e trezentas dracmas por remessa, o senhor receberá 4000 dracmas e duzentas por remessa.
– Sendo assim, não vejo problema algum, sua reforma estará pronta em menos de cinco dias se o tempo continuar firme e bom.
Passando para o tempo dos doces e do vinho, Fabíola perguntou sobre as dinâmicas.
– E o que seriam as dinâmicas? Me interessaria um pouco de ação.

– Existe um bando de malfeitores que atuam na região, saqueando as propriedades mais abastadas, na verdade nossos homens, escolhidos por sua coragem, disciplina e capacidade de atuar secretamente, não se deixando levar pelo entusiasmo e realizar matanças, afinal é necessário manter aqueles que vão produzir, se desejamos repetir o feito mais tarde, senhora.
– Mas como vocês evitam a milícia?
– Sempre se pode subornar um oficial para olhar para o outro lado, no nosso caso o Tenente Plauto está conosco aqui e o capitão Zólio em Larinia. É um esquema simples e usando apenas cinco homens de cada propriedade, não há maneira de algum deles guardarem algo para si.
– Muito inteligente. O que pensa querido? Temos alguns homens assim?
– Talvez. Vamos ficar com o esquema das ervas e nos concentrar em como poderíamos utilizar nosso grupo de Patra para expandir este negócio às outras partes do Império. Talvez o senhor Tegiste pudesse nos indicar as cidades onde os administradores são abertos a um negócio franco, afinal não estamos tirando de ninguém, apenas do governo e a Conquistadora tem mais ouro do que poderá usar em cinco vidas, nem sentira falta. É claro que destinaríamos um valor de cada transação para estes que nos ajudam a manter o esquema funcionando.
– Pense nisso senhor Tegiste, afinal com nossos negócios pelo mundo sua fortuna pessoal se multiplicaria umas cinquenta vezes em pouco tempo. Nossos homens lhe acompanharão à sua residência. Boa noite senhor.
– Boa noite senhora. Senhor Télio, foi esclarecedor e muito agradável este jantar, obrigada.
Fabíola ordenou que quatro homens escoltassem Tegiste até sua residência e voltassem apenas na manhã seguinte para a propriedade.
Télio e Fabíola também tinham outro problema para administrar. Estavam encabeçando esta operação disfarçada, o que significava que fosse quem fosse que se apresentasse em sua frente, pelo seu disfarce deveriam agir como os senhores do lugar. Esta situação era compreendida por todos e aceita de uma maneira geral, porém estava entre “seus homens” um capitão, um tenente e quatro sargentos que na hierarquia dos Falcões eram dois superiores e quatro iguais ao posto que eles ocupavam. Sabiam que poderiam andar e comandar sem nenhuma restrição, sendo inclusive possível que tivessem de disciplinar um superior , tudo em nome do disfarce que deveria ser mantido, mas não os deixaria de fora de um posterior julgamento e avaliação de suas ações se um deles entendesse ter havido em algum momento uso
equivocado de poder.
Todos sabiam que as operações disfarçadas eram de grande significado dentro dos Falcões , sendo chamados para elas os homens de confiança da Conquistadora e os lucros pessoais eram além do salário ordinário.

Assim, poderiam ficar com o dinheiro recebido como “homens de Télio” e mais que isso era a honra de receber a missão diretamente da Senhora do Império .