Warning Notes

sexo consensual e não consensual (entre pessoas)

Havia cinquenta homens alinhados andando lado a lado pela mata e tudo que Karin poderia fazer era respirar o mais suavemente possível, entre suas palmas unidas, para que o ar quente de sua respiração não fosse detectado.
Precisava chegar a Corinto e falar pessoalmente com Gabrielle que sem dúvida saberia o que fazer. Retornou pouco mais de três milhas por sobre as árvores para o ponto de origem onde estes homens começaram a persegui-la como se ela fosse uma corça, descendo próximo a uma clareira, precipitou-se correndo por entre o campinho alto buscando o abrigo da montanha, cuja utilização de cavernas as amazonas conheciam tão bem.
Ela já estivera nesta cadeia de montanhas que quase alcançava a Dardânia desde os Colinas das Oliveiras, a sudoeste de Ceósia durante seu treinamento inicial entre as escoteiras e na terceira caverna que explorou encontrou o que procurava: uma queda d’água que terminava em uma bacia natural, proporcionando uma passagem submersa para o outro lado da montanha.
Rezando a Artemis para que fosse a caverna certa, tomou uma profunda respiração e lançou-se nas águas escuras, nadando submersa na direção sudoeste e quando estava quase sem ar subiu à superfície apoiando seus pés na rocha sólida e tomando impulso para cima, encontrou sua saída onde as águas ficaram mais claras. No ponto que formava um poço dentro de uma caverna fechada que mais parecia uma grande sala cuja luminosidade provinha de rachaduras no teto estavam os sinais deixados nos verões passados e ela sorriu sabendo que estava no rumo certo. Descansando deitada na beirada ficou analisando as paredes procurando o caminho mais indicado para subir escolhendo a parede leste, que tinha a luz mais constante
com diversos pontos de apoio para escalada.
Vagarosamente chegando na parte mais alta, com o por do sol às suas costas e após observar o derredor, içou-se para a superfície mantendo-se colada ao solo e em movimentos lentos e estudados para não afugentar possíveis aves ou outros animais que denunciariam sua presença, foi afastando-se da abertura como se fosse um pequeno lagarto tomando sol.
Chegou no beiral do penhasco e observou o movimento abaixo e toda a floresta indicava que estava completamente só. Os animais mantinham sua rotina e nada denunciava a presença de homens nos arredores. Ela ainda teria meia marca de vela com a luz do sol e graças a Artemis a lua cheia proporcionaria uma viagem segura durante a noite.
Sempre que podia elevava uma prece para Artemis Caçadora que protegesse suas irmãs dos homens que atacavam os mais fracos, incendiavam, pilhavam e estupravam buscando informações que pudessem usar contra centauros e amazonas, separando os jovens para tráfico e entendiam que homens que conviviam pacificamente com tais grupos perdiam a cidadania e todos os direitos.
Sistematicamente seus dedos tocavam a alijava que continha na parte interna uma pequena bolsa oculta no couro, onde estava enrolado uma tira feita com um couro muito fino usado como um papiro que continha a mensagem da rainha. Ela ia recitando a missiva como um mantra para não perder nenhuma parte importante caso fosse separada de seu equipamento pelas circunstâncias.
“Senhora do Mundo Conquistadora, saudações. O povo de Artemis Caçadora e o povo centauro filho do Titã estão sendo cercados e bloqueados por guerreiros que não nomeiam quem os comanda nem a quem servem. São homens selvagens que fanáticos e cruéis que não sendo incivilizados com a Horda lhe equiparam em crueldade. Perseguem aldeias menores para se divertir, punir, apanhar informações ou ter ganho com o tráfico. Ficamos sabedoras que seu número ultrapassa quarenta centenas e vem crescendo dia a dia, vindo mais quarenta centenas, mas não conseguimos apreender outro objetivo além de erradicar nossas raças da terra. Estamos unidos formando uma frente no território centauro e colocando as crianças em segurança dentro da Nação. Eis a verdade. Vossa é a decisão. Respeitosamente, aquela que representa Artemis. Melosa”
Usando a trilha no lado sul da montanha, continuou seu caminho para oeste e no início da tarde do sexto dia desceu das montanhas para a floresta, buscando passar ao oeste de Tireia, distante de Amphipolis e seguir em linha para o sul sempre distante de povoações.
Beirou entre Tessalonica e Pella, Caellis e Dion saindo da Macedonia sem ter tido contato com homens e ultrapassou a cadeia de montanhas buscando alcançar Mirenon que ficava a noroeste de Larínia, deixando para trás a maior montanha do mundo, morada dos Deuses, o monte Olímpo. Passando ao lado de Mirenon sem ser detectada após dois dias.
Seu plano era continuar assim ao largo de Delfos, Tebas e Megara. Considerando que estava a pé, ela precisava de um cavalo urgentemente e tinha de decidir como faria pra explicar sua presença, adquirindo um animal, pois roubar não era opção viável. A cavalo, por rotas alternativas levaria alguns dias para passar Larinia e o lago Esdel, três dias até Delfos, mais dois até Tebas, mais dois até Megara e um até Corinto . Isso se não existissem contratempos e seu cavalo fosse bom.
Aprendera com Gabrielle que a verdade sempre é a melhor estória e os Deuses estão sempre prontos a nos ajudarem se dermos a eles o devido respeito. Com isso em mente traçou um plano simples: pediria ajuda no templo mais próximo, considerando que se houvesse alguma má vontade com as amazonas, certamente não haveria para uma mensageira da Conquistadora. Descobriu que vinte milhas ao sul de Mirenon havia um templo de Afrodite e suas sacerdotisas viviam em paz honrando a Deusa do amor. Resoluta, decide que seria lá que iria tentar a sorte.
Karin chegou e pediu para falar com a responsável pelo templo, o que não seria possível devido à visita da Alta sacerdotisa.
Ao mencionar a Conquistadora e estar em missão oficial seu pedido foi novamente considerado, no entanto, teria que deixar suas armas se desejasse tal encontro e isto estava fora de questão, ela não se separaria de suas armas em nenhuma hipótese. Fica decepcionada, retirando-se da frente do templo antes que tivesse uma atitude impensada.
Durante todo o tempo em que solicitava audiência Karin estava sendo observada do alto por aquela que pretendia ver e sua visitante que observaram e se surpreenderam com a atitude dela, pois sendo convidada a escolher entre deixar suas armas e entrar ou ir embora , agradeceu a acolhida e estava saindo para tentar uma alternativa ao seu plano inicial quando foi interrompida em seus pensamentos por uma menina de uns oito verões que a chamava por um passeio lateral.
Conduzida por corredor estreito e iluminado com tochas Karin foi introduzida em um amplo jardim, onde havia musicistas tocando harpas e flautas enquanto algumas mulheres com togas simples, escovavam o cabelo de outras ricamente vestidas, com himations coloridos e aplicações de ouro em relevo. Uma mulher loira, alta e esbelta com olhos verdes, sentada em um divã amplo, coberto de almofadas de seda, fez um sinal para que parassem um momento a música.
-Quem é você que procura a Deusa do amor com armas nas mãos?
-Eu sou Karin, da amazona Nação e busco a responsável por este templo de Afrodite para pedir seu auxilio.
-Você deve estar cansada, então por favor aceite minha hospitalidade e relaxe num banho, Karin das amazonas. Depois conversaremos enquanto você descansa e come algo.
Karin sabia que seria rude recusar, mas mesmo assim o fez.
-Agradeço profundamente sua acolhida, mas o assunto que me traz é muito urgente e não posso parar até que seja resolvido. Em nome de Artemis, a virgem Caçadora, peço que atenda minha súplica.
-Eu sou apenas uma mulher e não tenho poderes além da fé na Deusa do amor, mas atenderei o que puder se seu pedido for adequadamente feito.
-Quem é você que me recebe quando minha entrada foi proibida e o que preciso fazer para que o pedido seja adequado?
-Eu sou Aretha, a suprema sacerdotisa de Afrodite e te colocarei frente uma ordália, pois é preciso saber a pureza de seu coração.
Karin sabia o que era uma ordália, mas nunca em sua jovem vida havia presenciado uma, muito menos participado. Sabia que era uma prova onde as forças da natureza seriam invocadas e se os Deuses permitissem a pessoa testada passaria incólume pela provação. Ficou esperando o que seria dito.
-Eis nesta bandeja sobre a mesa três taças de vinho. Uma delas contém o mais saboroso dos vinhos produzidos por nós, mas outras duas um terrível concentrado está diluído, que por uma marca de vela produz dores alucinantes naquele que o beber, como se matasse lentamente, atingindo cada parte da mente com a dor a tal ponto que se implora pela morte. Escolha sua taça Karin da amazônia e que Afrodite e a Caçadora guiem sua decisão se for da vontade delas que seja atendida sua súplica.
Karin sem nenhum instante de dúvida eleva uma prece às três Deusas e solicita à Artemis que lhe permita atender sua rainha adequadamente. Sempre, em qualquer oração, Karin invocava primeiro o nome de Artemis. Desta vez sua mente chamou primeiro a Deusa do amor, cujo templo se encontrava, depois a Caçadora e por último a Deusa da sabedoria e da estratégia. Percebendo isso, acreditou com todo seu coração que Artemis lhe indicava estar no centro sua escolha e tomando a taça do centro a bebe de um só movimento.
– És realmente uma amazona de coragem guiada pelas Deusas. Pede e nada te será negado.
– Realmente preciso apenas de um cavalo descansado para chegar a Corinto o mais rápido possível.
– Tudo será providenciado, mas enquanto isso, por favor, mesmo que não vá banhar-se e receber uma massagem, relaxe ao menos comendo alguma coisa e reestabeleça suas forças. Uma guerreira sabe que o descanso é uma força que a pressa não pode fazer sucumbir, e assim será maior a chance de sucesso se tiver força para fazer o necessário.
Dando ordens para que sua égua fosse preparada, Aretha entrega a Karin algumas moedas para que use se necessitar e ordenou que fosse providenciado algo de provisões e dois cobertores.
-Eis algo para ti e leva este Punhal para aquela que procuras encontrar, que ela saiba haver mais de um par de olhos divinos observando seus caminhos e podes deixar minha égua nas cavalariças da Conquistadora que a reconhecerá e enviará para nós. Boa viagem Karin da amazonia.
Karin seguiu sua viagem lembrando-se da comandante Solari sempre ter deixado muito claro nos treinamentos que em ocasiões assim deveriam manter-se o máximo possível dentro da mata e longe dos homens. Infelizmente para suas irmãs isso não seria possível.

Quando treinavam próximo ao Templo de Atena nas Colinas das Oliveiras, ela e sua trial depararam-se com um bando de homens que atacavam as pequenas vilas em torno de Ceósia e se reagrupavam na mata.
Shivaofalcãodeestimaçãode Deianencontrou-asquandoestavamsepreparando para voltar e transmitiu a ordem da rainha para sua trial procurar Gabrielle e fazer Conquistadora saber que as terras centauras e amazonas estavam sendo cercadas por inimigos que chegavam em pequenos grupos mas já somavam mais de quarenta centenas, fechando cada vez mais o perímetro. Pelo nordeste havia notícias de outras vinte centenas ocupando a região de Equinelis e Soul, no norte e nordeste da Trácia, com alguns chegando pelo porto de Abdera na Macedônia ao sul ou de Sunis a sudoeste de Isbar e outros vindos do oeste, de Calandra.
Com tal resultado dependendo delas, infelizmente Deian teve um acidente torcendo um tornozelo e não poderia continuar pela mata, mas ela faria sozinha a tentativa pelas montanhas enquanto Dieynisa buscaria uma rota alternativa através da navegação de cabotagem juntamente com Lara para levar Deian ao porto em Atenas. Outra lição de Solari: para esconder uma árvore o melhor lugar é a floresta.
Disfarçadas de agricultoras, com o auxílio de uma granjeira de Ceósia as três tentariam conseguir passagem para Atenas no pequeno porto de Luna com a recomendação do Sacerdote local para tratamento de seu tornozelo. Dali elas iriam até Corinto com o pretexto de entregar o vinho de Ceósia tão apreciado no palácio.
Saindo do templo de Afrodite, Karin seguiu para o sul contornando o lago Esdel pelo lado leste e no rumo de Atenas passou ao largo de Delfos e Tebas, não entrando em nenhum povoado, mantendo-se longe das estradas e fazendo seu caminho para Corinto sempre pelas matas.
Era meio da madrugada quando seguindo próximo a Megara foi interpelada por uma patrulha de Falcões a vinte e cinco milhas da cidade de Corinto . Os falcões em patrulha estranharam aquela jovem sozinha, cavalgando em um animal de tão boa aparência. Sem outra opção, identificou-se como uma mensageira para a Conquistadora dizendo que estava sendo esperada no palácio de Corinto e não sendo levada muito a sério pelos soldados, foi conduzida até o oficial em serviço.
– Qual seu nome e o que realmente faz aqui sozinha nesta noite?
– Sou Karin e trago mensagens urgentes para a Conquistadora. Estou sendo aguardada no palácio de Corinto e não posso me dar ao luxo de parar agora oficial.
– Você não usa as cores da Senhora Conquistadora, mas este animal é digno de uma mensageira real. Desmonte e descanse um pouco mulher, no nascer do sol uma escolta a acompanhará até Corinto .
– Desculpe oficial, mas isto não pode esperar e recebi ordens de não parar até que a mensagem tenha sido entregue pessoalmente para a Conquistadora e embora eu agradeça seu oferecimento de escolta, preciso apenas que seja aberta a passagem.

– Tem coragem menina, porém até que seja investigada sua história você não vai a lugar algum. Recomendo que não insista ou será crivada de setas e sua pretensa missão acabará aqui.
-Não é minha a missão tenente, mas da Conquistadora. É a ela que o senhor estará atrasando.
Frente a este argumento o oficial providencia uma escolta de seis Falcões para seguirem com Karin e já era quase uma marca de vela antes do final da tarde quando Karin entrou nos portões de Corinto e o comandante de sua escolta dirigiu-se para o pátio interno do palácio onde ao desmontarem os seis Falcões cercaram a amazona. O comandante da escolta mandou chamar Palaemon, mas Elthor estava passando dos quartéis para seus aposentos e reconheceu Karin como a jovem amazona
que capturara junto com suas irmãs no lago Esdel.
– O que você faz aqui, amazona?
– Tenho mensagem urgente e pessoal para a Conquistadora.
– De quem?
– Isso diz respeito apenas à Senhora do Mundo comandante.
Elthor resolveu conduzir Karin para uma sala de reuniões e avisar Terquien e Palaemon desta situação. Quando Terquien entrou na sala buscando saber o motivo de tal urgência e Karin foi irredutível quanto ao sigilo da informação. Era uma informação para os ouvidos da Casa Real amazona ou a Conquistadora em pessoa.
-Se não me disser a causa disso, sua missão terá fracassado menina.
-Eu respondo apenas à Casa Real ou à Conquistadora general e minha missão está cumprida, pois cheguei ao palácio como me foi ordenado. Agora é sua a decisão de contrariar os interesses da Senhora do Mundo ou não.
Pensando alguns minutos, Terquien chamou Milenti e disse que trouxesse a capitã amazona na sala de reuniões imediatamente, visto ser uma questão diplomática ao passo que Palaemon deveria avisar a Conquistadora que uma mensageira amazona aguardava uma audiência.
Ephiny chegou com Salina à sala de reuniões, sendo recebida do lado de fora cumprimentou Terquien com respeito, mas estranhando ter sido convocada.
– Mandou me chamar general?
– Temos uma situação delicada Embaixadora Ephiny e eu gostaria que você tentasse resolver antes de tomar medidas mais drásticas.
– Do que se trata?
– Uma jovem escoteira amazona foi interceptada a vinte e cinco milhas de Corinto sozinha e alega ter mensagem para a Conquistadora e estar sendo esperada no palácio, mas não declina o conteúdo da mensagem e não tenho conhecimento de algo assim estar sendo aguardado. Você saberia algo a respeito?
– Não e não saberia dizer do que se trata sem falar ou ver a mensageira. Posso tentar.
– Então vamos.
Entrando no local onde a jovem escoteira estava sendo mantida, apesar de surpresa Ephiny não demorou muito a buscar informações.
– Karin?!? O que aconteceu? Onde estão as outras?
– Estão a caminho por outra rota. Eu vim pelas montanhas.
– Que história é essa de mensagem para a Conquistadora?
– Tenho uma mensagem que deverá ser entregue à princesa Gabrielle.
– Qual é a mensagem Karin?
– É para a princesa ou para a Conquistadora comandante, somente posso revelar na presença da Casa Real .
– Karin!
– Ordens da rainha, comandante.
– Minhas desculpas general, mas nem sob tortura esta menina falará algo. Solicito sua permissão para levar o assunto à princesa ou diretamente à Conquistadora, no entanto posso assegurar que é assunto grave, pois a rainha não enviaria uma mensagem através de jovens se fosse possível contar com escoteiras mais experientes.
– Quanto tempo você levou para chegar aqui?
– Foram vinte noites comandante.
– Então general, qual é sua decisão?
– Esperaremos a palavra da Imperatriz, Embaixadora .
Palaemon entra na sala e saúda Ephiny com um inclinar de cabeça, achega-se a Terquien lhe transmitindo informações em voz baixa.
– A Conquistadora deseja que espere em seu estúdio amazona e a senhora também, se desejar, Embaixadora .
– Certamente general.
Ephiny seguiu Terquien e Palaemon até o estúdio pessoal da Conquistadora no terceiro andar e não se surpreendeu ao encontrar Gabrielle em pé no lugar previamente determinado como seu local de espera.
Karin parou na frente de Gabrielle e lhe fez a devida saudação, o que ficou perdido, pois Gabrielle não tirava os olhos do solo.
Quando Xena usando um himation de linho branco entrou em seu estúdio vindo de seus aposentos, trazia o semblante fechado como se estivesse aborrecida de ter sido interrompida em sua atividade e mesmo acostumados com a presença imperial foi um momento em que os guerreiros saudaram a Conquistadora e Gabrielle curvou-se formalmente, Karin por alguns instantes temeu por sua vida e mentalmente entregou-se nas mãos da Caçadora.
-Foi relatado que tens uma mensagem pra mim amazona. Despeje!
Karin olhou para Ephiny que lhe fez sinal que falasse, mas cerrou seus dentes e mirou diretamente Gabrielle.
– Gabrielle!
Gabrielle levanta o rosto olhando diretamente para Xena.
– Minha senhora.
– Tenho um banquete de estado para atender e pretendo fazer isso ainda esta noite. Parece que a jovem amazona não sabe se deve se dirigir a ti ou a mim. Diga a esta menina que fale ou ela perderá a língua e não falará mais nada até o fim de sua vida.
– A senhora Conquistadora é a Senhora da Terra Karin e suas ordens são inquestionáveis. Diga sua mensagem para que todos possamos ouvir, por favor.
– A Rainha Melosa envia suas saudações e ordena que comunique a situação: as terras centauras e amazonas estão sendo cercadas por oitenta centenas de inimigos vindos principalmente do oeste, leste e sul. Não dão a conhecer sua origem nem seu comando, mas tem havido pilhagens nas pequenas vilas que cercam o território e trafico ilegal de escravos. Alguns capturados deram a entender que sua missão é garantir que não haja nenhum centauro ou amazona vivos até o próximo inverno e o mesmo destino aguarda aos homens que se unirem a estas raças.
– Oitenta centenas?? Tem certeza deste número?
– Sim Conquistadora. Absoluta.
– Qual a situação dos centauros?
– Montaram defesa em seu território e patrulham as fronteiras com mais acuidade. Até agora não se tem notícias de algum ataque bem sucedido dos invasores o mesmo ocorrendo na amazônia, pelo menos a Rainha não mencionou nada sobre isso. Aparentemente estão se agrupando e aguardando algo ou alguém. A rainha já enviou algumas tropas para auxiliar os centauros, pois eles formam nossa fronteira externa, consequentemente ajudando-os em seu território temos mais espaço para manobras e as crianças centauros e humanas estão protegidas dentro da Nação.
– Tens algo que corrobore o que dizes?
– Em minha alijava, majestade.
– Ephiny rapidamente derrama as flechas no chão e busca o compartimento de couro retirando o pequeno couro fino que continha as palavras de Melosa. “Sra Mnd. Conq sdç. O pv AC e pv C flh. Tit cerc/bloq Grs. N sbd cmd ou Srv. Hom slvg fntc cruéis dstr ald divt, cstg, inf ou trfc. Fc sbd num > 40 cem > td dia.Nrt+40cem. N sbm objtv > dest rçs. Unds trt C. Cnças sgç NAmz. Est vdd. Vdcs. Rspt. ARArt. Melosa”
– Que ordens recebeste?
– Vir a Corinto e situar vossa majestade e a princesa do que está acontecendo.
– Algum pedido?
– Não senhora, apenas isso. Transmitir os dados o mais rápido e fielmente possível.
– Vieste sozinha?
– Não senhora, mas minhas irmãs tiveram um contratempo e estão tentando fazer outra rota, provavelmente por mar.
– Quanto tempo desde que partiu da amazônia?
– Vinte noites senhora. Parei apenas o necessário para conseguir voltar a caminhar ou descansar o animal que consegui no templo próximo a Mirenon. A sacerdotisa Aretha envia suas saudações e solicita que sua égua lhe seja devolvida assim que possível, pedindo que eu entregue este punhal para aquela que procuro com a mensagem que existe mais de um par de olhos divinos observando seus caminhos.
Xena ficou alguns instantes olhando um espaço vazio, calculando as implicações destas informações e guardou o punhal com muito cuidado.
-Gabrielle leve sua amazona para os aposentos da tua guarda e faça com que ela receba alimentos, um banho e descanse. Depois mandarei te chamar.
– Sim majestade. Vamos Karin e vocês também Ephiny .
– Conquistadora.
Saudando Xena, Ephiny e Salina seguiram Gabrielle enquanto Xena se volta para Terquien, Elthor e Palaemon.
– Senhores esta situação é muito grave.
– São apenas centauros e amazonas Conquistadora, o que há de tão importante? Se desaparecerem este território ficará limpo e poderá ser mais adequadamente aproveitado e não teremos esta questão de reinos independentes dentro dos limites da Grécia.
– Se você pretende se tornar útil Elthor, que seja dizendo como nossa inteligência não detectou estes movimentos ou talvez detectou e não relatou. Foi necessário que uma quase criança alcançasse Corinto para eu ser informada. Até o meio do dia de amanhã quero um relatório completo do que é comentado nas docas, na ágora, tavernas ou bordéis.
– Ao seu comando Conquistadora.
– Senhores, a Nação Amazona e os centauros são raças que representam uma parte da Grécia que pretendo ver existir por muito mais tempo do que cinco vidas. Eleitos de Deuses poderosos, são úteis aliados e esta ação pode ser um ensaio para averiguar nosso tempo de resposta. As vilas que estão sendo atacadas são o meu povo e não permitirei que seja destruído ou verei as leis da Grécia serem desrespeitadas sob meu domínio. Vá Elthor.
– Conquistadora.
– Terquien envie uma trirreme para as Divisões de Ambrásia, Ghisio , Éfeso, de Isbar e até Pella através do porto de Amphipolis. Quero dois regimentos da Ambrásia e um regimento inteiro, duas Seções de cada Divisão do norte em movimento imediatamente por terra e que as do leste e sul embarquem uma divisão cada ao receberem a mensagem.
– Certo.
– Desejo que com cinco mil homens de Isbar, Dionir cerque pelo nordeste das terras amazonas, traçando um bloqueio, fechando uma linha de Isbar, Calandra à Equinelis, impedindo qualquer fuga para as estepes ao leste e toda a sua divisão fique preparada em prontidão para atuar assim que Icer desembarcar e se posicionar. Diga também para Dionir colocar em prontidão as guarnições de Soul e Naidalônia, pois não quero ninguém escapando para Sestrimo e que feche os portos de Abdera, Luna e outros até que Briontis de Ghisio desembarque em Luna iniciando a cobertura do perímetro pelo sudeste e Gylmnir de Éfeso feche completamente o sul e o substitua no acesso ao Mediterrâneo, assim que desembarcar em Abdera, estendendo sua ação também para Sunis e Luna.
– Será feito Conquistadora.
Dois Regimentos da Ambrásia mais dois mil e quinhentos homens de cada outra divisão além-mar, distribuídos em meia unidade por navio. Dez trirremes de cada divisão, carregando duzentos e cinquenta homens cada, com equipamentos leves e que outros navios sejam usados para transportar os cavalos. Diga-lhes que faremos disso um exercício real, sabendo que haverá um premio aguardando-os no banquete da vitória para eles e seus homens.
– Enviarei mensagens imediatamente.
– Não devem atacar, mas cercar os invasores e esperar ordens pessoais , delimitar os danos ao povo no nível mínimo e que eles não fujam. Que o Regimento de Alexius avance de Pella se posicionando e fechando qualquer possibilidade de movimentação ao oeste, nesta linha entre Iarder, Palone e Ceósia, criando uma comunicação entre Iarder e Naidalônia assim que receber as ordens e todos fiquem guardando posição. Deve cercar pelo noroeste das terras centauros, que marchem rápido, cobrindo vinte e cinco milhas por dia saberão os caminhos mais adequados até um máximo de sete dias para chegar a Iarder.
-Eles sempre gostaram de uma boa marcha. Será sua chance de provar sua tão alardeada capacidade de deslocamento rápido.
-Nenhum invasor deverá escapar deste cerco e em hipótese alguma o exército marchará em território amazona ou centauro, devendo montar acampamento na fronteira ou entre os invasores e os territórios que seriam invadidos. Esta invasão não deve acontecer!
– Será feito!
-Envie com a trirreme à Amphipolis e mensageiros até Pella onde Alexius deverá agir rapidamente com as duas seções, um pelotão de Falcões com ordens expressas para Xilant proteger Cyrene a qualquer custo. Amphipolis não deve ser praça de combate em hipótese alguma.
-Ao seu comando!
-Senhores este é o plano. Dionir à leste e norte , Alexius a oeste e norte, e Gylmnir no sul, evitarão fugas, cabendo a Briontis se misturar nas pequenas povoações e erguer um muro para evitar invasão e a qualquer custo impedir que avancem sobre os territórios, começando pelas terras amazonas e Icer dizimar qualquer possibilidade de reorganização dos invasores .
-Sim majestade.
-Volair, prepare duas Seções da Divisão de Corinto com uma Unidade de Falcões e envie para esperar em Argos, deixe apenas um pelotão para acompanhar nosso deslocamento como escolta. Vamos deixar a cidade em direção à Colina das Oliveiras na segunda alvorada para fechar o cerco a sudoeste e iniciar o bloqueio pelas terras centauros deste lado assim que Elthor prestar relatório e estudarmos todas as informações. Embarcaremos em Argos em menos de dois dias e chegaremos em Luna após quatro, partindo daí nossa ação. Dispensados senhores.
– Conquistadora !
Ficando sozinha em seu estúdio a Conquistadora fez algo que não fazia desde que perdeu Liceus. Ela chorou. Xena chorava as lágrimas de toda mãe que corre o risco de perder seu filho pela segunda vez. Ela já havia feito isso, quando o entregou a Kaleipus para que fosse criado longe da guerra, destruição e não fosse um alvo para seus inimigos. Satrina fora destruída e não havia mortal vivo entre seus inimigos que soubesse de seu segredo.
Servindo-se novamente de vinho, ficou mirando o mapa do Império à sua frente, buscando uma resposta para tamanha afronta.
O Império ia bem, o povo tinha alimentos e os impostos eram razoáveis, o comércio estava justo e havia segurança nas estradas com um sistema de escolas e hospícios para atender a população em geral. As leis eram duras e sua execução rígida, mas era igual para todos e a justiça distribuída com rapidez, os nobres nunca foram tão prósperos e sem inimigos externos podiam se dedicar ao comércio com outras terras e viver com total conforto.
Mesmo assim, havia aqueles que desejavam derrubar seu governo e agora esta ameaça às vilas da região da Trácia, ao povo de Kaleipus, o povo de Solan.
Desviou seu pensamento para aquela que agora era a padroeira de seus caminhos, a quem dedicava seu governo e a devoção do Império Grego.
-“Atena, sagrada Deusa da sabedoria, artes e estratégia proteja meu filho que é um inocente nesta vida e em nada foi tocado pela minha violência e sede de poder. Eu iniciei toda esta trajetória apenas com o objetivo de proteger Amphipolis, unir a Grécia e garantir paz e prosperidade. Abandonei Ares e vi a sabedoria de teus ensinamentos voltando meu governo para o bem do povo e segurança da Nação. Agora o povo Centauro e a Nação Amazona estão em grave perigo e estou profundamente preocupada. Ofereço o que desejares Atena, para que meu filho seja salvo”.
Uma luz invade o estúdio vindas da janela e três formas femininas se manifestam de frente para Xena.
– Ouvimos teus pensamentos e vasculhamos teus sentimentos Xena de Amphipolis, manifesta teus propósitos olhando em meus olhos.
– Sabes que é verdade Atena, então diz o que desejas e estejamos feitos com o negócio.
– Não tão rápido Xena. Existem pequenos detalhes que devemos acertar primeiro. Afrodite declara que você está apaixonada pela princesa amazona e devo acrescentar que mesmo com todo alcance de minha sabedoria não previ que a Destruidora de Nações um dia pudesse se apaixonar, ainda mais por uma amazona tão simples e fraca.
-Ela não é fraca e muito menos simples Atena e deixe Gabrielle fora disso. É entre eu e você.
– Mas ela está no meio disso até a raiz da alma. Veja bem Xena, Artemis ainda insiste que você seja cobrada pelo assassinato das líderes amazonas do norte e a traição sobre Cyane das Estepes e sugere que Solan seria um preço adequado para começar.
– Xena volta seu olhar e sua atenção para Artemis, cujo olhar verde em muito lembrava o de Gabrielle.
– Não creio que a Deusa de mulheres tão valorosas, a Deusa que Gabrielle representa seja tão mesquinha a ponto de descontar num menino os erros de sua mãe que ele sequer conhece. Julgue-me e puna conforme as maneiras da tribo de Cyane que me submeterei Artemis mas deixe o garoto fora disso.
-Você tem algo que preza muito e poderia me interessar Xena? O que mais tem a oferecer?
Xena olha para Afrodite e ela apenas baixa os olhos e guarda silêncio.
– Eu ofereci a Gabrielle qualquer coisa que ela desejasse Artemis e ela fez sua escolha livremente e já disse que entregarei minha vida se isso te satisfaz.
– Você abandonou Ares e abraçou livremente Atena como sua padroeira, no entanto eu sou a padroeira das amazonas e teus crimes contra meu povo exigem reparação a muito tempo. Te deixei agir livremente, mas agora é hora de você pagar.
– Já disse que você pode determinar e eu cumprirei, mas mantenha Cirene e Solan a salvo da tua vingança.
– Justiça não é vingança! Eu estou cansada deste teu modo de proceder Xena Conquistadora, Destruidora de Nações e recomendo que utilize um pouco menos a tua soberba e exercite a humildade, pois sou uma Deusa e não teus escravos e servos ou estes tiranos que tremem ao ouvir tua voz ou contemplar teu olhar, os quais com tua suficiência e orgulho estás acostumada a lidar ao fazer teus acordos, conchavos ou alianças!

Xena olha para Atena buscando algum tipo de explicação e repentinamente percebe a postura que estava tendo em desacordo com a urgência de sua solicitação. O que mais além de sua vida poderia dar a Artemis? Ofertou-lhe tudo menos seu amor por Gabrielle ou Solan. O que mais poderia ofertar?
Aos poucos as palavras de Artemis fazem eco em seu espírito e ela lembra a forma que tratou Gabrielle em Esdel, esmagando seu orgulho e resolve entregar este sentimento aos pés da Deusa da lua e colocando-se em seus joelhos e em suas mãos, toca o solo com a testa estabelecendo uma dívida de vida conforme costume da Amazônia Nação.
“-Eu imploro em nome de Atena que atenda meu pedido, sagrada Caçadora e mantenha minha mãe e meu filho a salvo e longe dos erros de meu passado. Sei que o crime que cometi é passível da morte de toda a linhagem conforme suas leis, mas humildemente suplico que considere meu pedido e permita que sozinha eu pague por meu erro. Amo profundamente Gabrielle e peço que não a afaste de mim ou de meu amor. Se tiver de tomar minha vida, que assim seja, mas poupe-a de realizar tal ato que profundamente marcaria seu coração puro e sensível. Estou a sua mercê, Caçadora e imploro sua misericórdia” .
Parada nesta posição, tudo que Xena consegue enxergar é o solo, então a troca de olhares e o sorriso de Afrodite lhe passam despercebidos.
Afrodite vencera o argumento, pois tinha acordado com Artemis que Xena faria qualquer coisa para poupar Gabrielle de ser magoada se tornando uma executora e quando assim fosse seu crime poderia ser redimido e sua vida perdoada.
– “Conquistadora, doravante esta é a posição que deves tomar quando estiver em nossa presença. Aceito teu orgulho e tua vida considerando suas ações para ajudar as amazonas neste ataque exterior e por estar Afrodite avalizando seu amor por minha escolhida como verdadeiro eu a condeno a pena de morte, que será realizada nos termos de meu povo. Escravidão vitalícia à Casa Real . Te entregarás nas mãos de Gabrielle e jurarás servi-la e obedece-la até o fim dos teus dias e no mesmo ato a libertarás da servidão. Deixarei para ela decidir como lidará com Melosa a respeito, se isso será público e se te manterás a Senhora do Mundo. Você aceita esta sentença ou se colocará acima de minha decisão?”
– Humildemente eu aceito Artemis, peço apenas que seja cumprida após vencer esta crise para que eu possa dirigir o exército como deve ser feito.
-Negado! Será feito agora! Você vai liberta-la e dizer como se sente a respeito dela, e se colocar inteiramente em suas mãos antes de deixarem este palácio.
– Assim seja, Artemis. Atena, obrigada por este tempo em que a Grécia esteve em paz e seu povo conseguiu ser feliz.
– Foi meu prazer Xena. Seja forte e mesmo na servidão, eu sempre estarei velando por você.

As três Deusas desapareceram e Xena levanta lentamente com o sentimento de que agora Solan teria uma chance. Terminando seu vinho dirigiu-se aos seus aposentos através da porta interna e resolveu nadar um pouco para aliviar a cabeça, pois precisava estar bem quando Elthor prestasse suas informações, no entanto seu comandante deixou escapar um pensamento que ela desconhecia: sua total despreocupação para com a vida de dois povos da Grécia.
Elthor tem sido um companheiro desde muito tempo e era um grande guerreiro no campo de batalha, obediente mas que também tinha noções de estratégia e sabia pensar sozinho. No entanto esta postura sobre amazonas e centauros deveria ser modificada. Ela tinha de descobrir quantos mais, além de Marcel de Tiontes e Shumedes de Roma partilhavam de uma visão distorcida como a de Elthor sobre os centauros e as amazonas.
Sabia que dentro da sala de banhos não se ouvia nada do que se passava no resto do aposento e não tinha nenhuma preocupação que aqueles três vermes pudessem ter ouvido parte de seu desespero quando colocou sua espada no lugar próximo a lareira. Guardando em um compartimento de sua mente a chegada de Janis ser tão próxima das más notícias e o pensamento se a pequena loira sabia de algo mais, observou que como as outras duas ela fitava o solo, sem dedicar olhares furtivos em sua direção, o que iria possibilitar que tivesse algum vislumbre de seus olhos chorosos, problema que foi rapidamente resolvido com um mergulho, cuidando que não fossem capazes de diferenciar as lágrimas da água se estivessem suicidas para olhar em seu rosto sem permissão. Ela não sabia por que estas duas a incomodavam com suas presenças, uma vez que eram dedicadas e solícitas mas o simples respirar
delas a deixava profundamente irritada.
Elas estavam em pé desde a madrugada e deveriam demonstrar ainda mais sua dedicação esta noite e ela iria provocar seu medo e destempero para que elas não tivessem saída a não ser entregar seus pensamentos mais escondidos.
– Mantenham-se em silêncio e virem de frente para a parede colocando as mãos unidas nas costas e tocando apenas sua testa nela. Vou permitir que vocês descansem um pouco, então desejo que fechem os olhos mas não durmam.
Observou-as mais uns instantes e recomeçou a nadar fazendo a cada braçada uma reflexão sobre o problema que agora a atingia muito pessoalmente nas terras amazonas: Solan.
Chegando nos aposentos de Ephiny , Gabrielle envia Elasa às cozinhas para buscar alimentos enquanto Kleith vai organizando um banho para Karin e ainda naquela tarde uma amazona em vigilância observava o ambiente e do alto de sua posição Cora pode observar toda a movimentação com a recém chegada, embora não conseguisse divisar as feições com nitidez percebeu tratar-se de Karin.
Olhou em volta para vislumbrar as outras três pois sabia que trial estaria próxima e não tendo êxito, colocou-se imediatamente em alerta, com os ouvidos atentos e olhos muito abertos cuidando dos movimentos e ausência de movimentos no espaço. Aquela seria sua última tarde no passadiço e ela estava no limite de sua capacidade física, faltando pouco para o fechar o início da primeira marca de vela da noite, os Falcões que guardavam a ponte de ligação do corpo do segundo andar do palácio eram observados por ela com algo de monotonia, quando sua conversa chamou mais
atenção do que havia sido corriqueiro até ali.
– Vamos aos bordéis ao norte do porto após o jantar Zolietis, queres ir conosco?
Soube que receberam um carregamento novo de escravas atendentes.
– Aposto que nenhuma tão interessante quanto aquela que chegou com os seis da escolta da tarde.
– Talvez. Sirlak me disse que o comandante Elthor estava realmente indignado que ela não lhe deu a menor importância.
– Foi loucura, mas a menina tem coragem. Vi homens muito mais velhos tremerem frente ao olhar negro do comandante.
– Pode ser, mas aquela menina ainda vai pagar caro a ousadia.
– O comandante não vai deixar barato, isto é certo.
– Estas amazonas andam por aqui como se fossem donas do lugar e tudo que fazem é ficar de guarda no terceiro piso do palácio e disponíveis para atender aquela escrava que a Conquistadora trouxe de Esdel. Soube que o caso dela foi uma questão de desobediência civil raramente tolerada no império.
– Com certeza não foi bonito, pois a comandante delas tem andado ocupada nos interrogatórios mais fechados das últimas semanas e certamente esta menina não contribuiu em nada colocando o comandante Elthor de sobreaviso com elas. Ele detesta não ser temido quando resolve que esta é a questão.
– Seja como for nós temos ordens de trata-las como iguais e pretendo fazer exatamente isso, mas hoje ao cair da noite irei estipular um novo recorde na taverna de Lasmodeu antes de seguir para os bordéis, inclusive estou sabendo que as Falcões vindas de Megara irão conosco.
– O que aconteceu entre elas e Hisar afinal?
– Parece que desejavam ver a tal “princesa” amazona mais de perto e ele não permitiu. O capitão Palaemon a mandou construir um ninho na montanha. Sabe o que ele pensa sobre Falcões discutindo ordens.
– Mas e Hisar?
– Deve estar de folga até amanhã à noite. Vai encontrar-se conosco em Lasmodeu.
– Vai ser uma noite e tanto! Hisar e as Falcões da praia! Heheheh.
– Só você mesmo. Falcões da praia ! Uma destas, só você!
A Falcão já havia retornado para seu alojamento pela manhã e era o momento dela retornar para os aposentos que ocupavam no terceiro piso.

Mesmo estranhando não encontrar ninguém de sentinela no corredor, Cora entrou no aposento deparando-se com suas irmãs sentadas comendo algo enquanto elas ouviam Karin relatar pormenores de sua aventura. Parou após quatro passos dentro da sala, fazendo uma saudação colocando o punho direito sobre o peito e sua presença foi percebida por Gabrielle que afortunadamente escolheu aquele momento para olhar para a entrada.
– Cora!! O que houve com você?!
Sendo reconhecida por sua princesa ergueu o rosto mirando Ephiny e Gabrielle, optando por manter silêncio. Ephiny responde por ela, ao mesmo tempo que orienta o procedimento a ser tomado.
– Cora estava em missão Gabrielle, investigando um grupo determinado de Falcões. Eu já tinha comunicado isso a você. Elasa, providencie um banho para Cora, uma toga e algum óleo para massagens. Vá com ela Cora e retorne para comer conosco e deixar que nos inteiremos de suas descobertas.
Cora saúda novamente Gabrielle e se retira para a sala de banhos enquanto Kleith e Salina olham para Ephiny aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Gabrielle não saberia precisar o que estava errado, mas sentia que algo estava sendo ocultado. O estado físico e o cansaço de Cora eram evidentes e não era próprio de Ephiny interromper uma resposta solicitada por ela. Algo definitivamente estava fora de lugar e ela não iria esperar para descobrir. Karin estava surpresa pois mesmo com toda sua jornada estava com melhor aparência que sua irmã que acabara de entrar.
– Diga-me Ephiny , no que exatamente consistiu a missão de Cora e onde aconteceu.
– Eu já falei Gabrielle. Ela está bem e não entrou em nenhuma luta, estava em segurança o tempo todo e eu a via todos os dias na alvorada e no nascer da lua.
– Eu não vou repetir Ephiny , por favor, a verdade. Temos problemas suficientes cercando a Nação para que minhas irmãs corram riscos desnecessários dentro do palácio da Conquistadora.
– Ela passou estas três últimas noites ao lado de uma Falcão para estabelecer um estado de empatia e identificação Gabrielle.
– Nem mais uma palavra Ephiny . Salina, onde exatamente Cora estava?
– Por favor Gabrielle.
– Ela está quase morta! Karin atravessou várias regiões da Grécia a pé e montada, por dias, chegando aqui em melhores condições que minha irmã numa missão qualquer?!? Onde ela estava e por quê?
Foi a primeira vez que Salina visualizou e percebeu a Caçadora na presença de Gabrielle. Ephiny estava começando a imaginar que talvez tenha cometido um grave erro em procurar manter a princesa afastada da situação. Ela olha para Ephiny que concorda silenciosamente e que não suportando a força da ira que percebia em Gabrielle, terminou desviando o olhar.
-Ela estava no passadiço superior interno acompanhando a Falcão que foi enviada para lá pelo comandante Palaemon por discutir com a sentinela na porta da Conquistadora.
– Quando exatamente foi isso?
– A discussão foi na noite anterior à chegada da comandante e ela foi enviada para o passadiço na manhã em que a capitã chegou assim que saiu dos seus aposentos princesa.
Neste instante Cora já retornava com Elasa.
– Sente-se aqui comigo Cora, por favor.
– Alteza.
– Tenho certeza que algo de fruta e água já te foi ofertado na sala de banhos, mas sente e coma algo mais enquanto Kleith te atualiza da situação, por que retornaremos em breve. Por favor capitã, você poderia vir comigo aos meus aposentos? Há algo que desejo que perceba lá.
Gabrielle levantou sem olhar pra trás dirigindo-se para a porta e fazendo um enorme esforço para não explodir, entrou nos aposentos em frente parando no centro da sala, esperando Ephiny. Impaciente, todas as conversas e vezes que perguntou por Cora surgiram em sua memória e desejava uma explicação, e pela Caçadora, teria uma! Ephiny não demorou a entrar e perceber o quão séria estava se tornando a situação, mas não lhe cabia a iniciativa da conversa.
– Então, o que aconteceu realmente? Por que ela está tão esgotada?
– Houve uma situação com algumas Falcões novas no palácio que desejavam conhecer você e a líder delas teve uma discussão com um dos guardas do aposento da Conquistadora. O capitão Palaemon viu e enviou-a para o passadiço por noventa e seis marcas de vela e eu fiz o mesmo com Cora para estabelecer um grau de ligação. Foi somente isso Gabrielle.
– Nada mais?
– Nada mais.
– Por que Cora e não Salina ou Kleith?
– Ela é a mais experiente e também com ela eu poderia dar a entender que havia um motivo para estar lá, as outras duas não.
– Que motivo?
– Sua relação com o comandante Palaemon, alteza.
– Eu não aprovo isso Ephiny . Dei autorização pessoal para que Cora agisse conforme seu coração, conforme seu melhor pensamento e não aceitarei vê-la punida por seguir estas orientações.
– Ela não foi punida realmente Gabrielle, apenas poderia fazer parecer assim para um observador externo. Foi uma estratégia perfeitamente válida para buscar informações, embora tivesse de fazer parecer uma punição inclusive para ela na tentativa de enganar os outros.
– Eu não concordo. Sei que suas intenções são as melhores capitã, mas você sabia que eu não concordaria e deliberadamente me ocultou fatos. Não vou voltar isso contra você agora, no entanto nós duas sabemos a verdade sobre seu pensamento a respeito de Cora e Palaemon e você não conseguiu respeitar minha deliberação e de alguma maneira tinha que fazer Cora perceber as consequências em contrariar a capitã da guarda real.
– Gabrielle, você não está sendo justa!
– Estou sendo honesta. Trouxe você aqui e lhe dizer isto longe das nossas irmãs para não pisar em sua autoridade: vamos deixar esta questão em suspenso e não falaremos dela novamente. Você continuará na linha de ação que custou o sofrimento de minha irmã para ser traçada, mas eu vou cobrar e quando a hora chegar você pagará sem nenhum tipo de barganha. Você vai recorrer à Melosa ou aceita os termos capitã?
– Aceito os termos alteza. Acatarei sua decisão como sempre.
– Nem sempre Ephiny , ou não teríamos chegado a isto. Agora vamos voltar e recolher as informações de Cora , colocando ambas a descansar o mais rapidamente possível.
Retornando de seus aposentos Gabrielle e Ephiny não deixaram transparecer de nenhuma forma o desacordo que tiveram.
– Então Cora o que você conseguiu apreender nesta experiência?
– A Falcão e eu não tivemos nenhum tipo de comunicação , alteza, mas ela demonstrou estar interessada nas nossas maneiras de fugir da exposição ao sol e talvez em outra ocasião consigamos estabelecer um contato mais facilmente. Os guardas no passadiço externo que une seus alojamentos no campo de treino e o corredor do andar abaixo tiveram uma conversa muito interessante sobre elas e sobre Karin. Parece que a acharam atraente e que o comandante Elthor, aquele que nos conduziu das cavernas até o acampamento da Conquistadora, não gostou muito da negativa dela em se justificar e pode nos criar problemas para reafirmar sua autoridade.
– Algo mais?
– Existe um lugar chamado Lasmodeu, uma taverna com escravas atendendo que seria usada para encontro do grupo antes de algum tipo de divertimento sexual, ou seria ali mesmo esta questão, eu não entendi bem qual seria o recorde a ser quebrado ali. Os Falcões não gostam muito de nossa presença no palácio e nem todos sabem do julgamento e Atena, mas receberam ordens de nos tratarem como iguais. Foi isso que consegui averiguar alteza.
– Você acha que seu sofrimento valeu este grão de informação Cora?
– Certamente sim alteza. Poderemos ter mais cuidado perto deste comandante e ao mesmo tempo em que sabemos que a Conquistadora realmente nos colocou no nível de sua guarda pessoal. Isto é muito importante para podermos determinar nossas estratégias para sua segurança princesa. Eu não corri risco de morte e as condições não são nem perto do que Solari nos faz passar em treinamento alteza. Eu realmente estou bem.
Ephiny sabia que Cora minimizava seu sofrimento para benefício de Gabrielle e dela frente a princesa. A capitã estava realmente grata à sua irmã por isso.
Era quase entrada da noite quando Novaes entrou no aposento.
– Desculpe incomodar comandante, mas a Conquistadora deseja a presença de Gabrielle imediatamente.
Erguendo-se em toda sua altura, Gabrielle novamente ficou transfigurada na Caçadora por alguns segundos e pela reação de suas irmãs, desta vez Ephiny tinha a certeza que todas repararam.
– Descansem todas o máximo que puderem. Ephiny ficará de guarda pelas próximas marcas de vela e procurem não dar muito trabalho a Elasa que providenciará uma massagem relaxante em cada amazona dentro desta sala e depois irá descansar. Até breve senhoras.
– Alteza.
Sendo conduzida por um sentimento que ia do medo à esperança, Gabrielle entrou nos aposentos de Xena buscando se colocar em seu lugar de hábito quando foi interrompida em seus movimentos.
-Pare! Venha cá.
A Conquistadora estava sentada em frente à lareira, em sua poltrona preferida observando as chamas e Gabrielle foi caminhando até ela, ficando parada ao lado, esperando um novo comando.
– Você pretende que eu fique dizendo a cada instante o que deve fazer? Fique na minha frente, desejo olhar bem pra você.
– Minha senhora.
– Diga-me Gabrielle, por que não deveria deixar este grupo limpar a terra como me foi sugerido e colocar naquela região um povo que renderia homenagens e enviaria impostos com as devidas aquisições para meu exército. Vocês valem o esforço?
– Que Atena seja minha testemunha majestade de não haver nenhuma raça mais orgulhosa em toda Grécia e nem mais digna de confiança do que os Centauros e Amazonas. Nossa amizade é para a vida toda e somos capazes de não apenas garantir e guardar segredos como jamais os usaríamos para adquirir algo. Somos vossos fiéis súditos e aliados e sempre estaremos ao vosso lado, minha senhora.
– De que segredos você fala amazona? O que você sabe?
– Nenhum em especial, mas guardamos todos os que nos foram confiados. É uma questão de honra para o povo de Artemis e tenho certeza que os filhos de Quiron não são diferente.

– É tempo destes arruaceiros aprenderem uma lição. Avisa tuas amazonas que na segunda alvorada, quando o Carro de Apolo surgir no céu estaremos cavalgando em direção das Colinas das Oliveiras e vocês irão conosco. Não posso garantir que nenhuma amazona será ferida no processo, mas esta ameaça vai cessar imediatamente.
– Obrigada, minha senhora.
Xena olha com atenção para a amazona e percebe uma segunda natureza. Dada sua experiência com os Deuses, Xena sabia que não estavam sozinhas na sala e percebe a filha de Leto sorrindo ao lado da princesa amazona. Erguendo-se em toda sua altura vai até a lareira e mira o fogo com concentração, pensando em Atena e buscando as palavras certas.
– Se as circunstâncias fossem diferentes quando nos conhecemos e eu não fosse a Conquistadora, a Destruidora de Nações seria possível que você ainda voltasse seus olhos para mim e eu pudesse contar com sua amizade, Gabrielle?
– A senhora detém minha amizade majestade.
– Tenho? O que tenho é um juramento feito no desespero para salvar suas irmãs, algo coagido pela necessidade. É claro que você honra sua palavra e busca dedicar atitudes de empatia e consideração, mas acredito que não tenha sentimentos positivos a meu respeito que ultrapassem sua função com a Casa Real ou minha no governo do Império.
-Eu reconheço seu empenho e luta para que a Grécia seja livre e pacífica Xena e detenho um sentimento que não consigo definir. Você é fiel aos seus e honra os homens que arriscaram a vida pelos mesmos ideais e é capaz de atos de misericórdia como perdoar as crianças que invadiram o templo ou a conceder indulto às da casa de Hutanis.
– Você vê isso?
– Em minha presença ninguém irá manifestar desrespeito para com sua pessoa e mesmo não entendendo ou gostando da crueldade de suas decisões sei que são ditadas pela crença de que é o melhor naquele momento, com um objetivo maior que a simples crueldade. Tenho sentimentos por você Xena, embora não saiba exatamente o que são, sei que vão além de meu papel na Casa Real e ultrapassam o seu como governante do mundo.
Xena se volta para Gabrielle surpresa com estas palavras, pois sempre acreditou que era odiada e ninguém conseguiria ver os motivos por baixo da fachada da Conquistadora. Ela ainda não tinha decidido como faria, mas sabia que ainda precisaria da fachada da Conquistadora para conseguir libertar Gabrielle e respirando profundamente, olha Gabrielle intensamente, percebendo que era observada com um misto de apreensão e curiosidade.
Pegando sua espada da bainha sobre o aparador Xena se aproxima de Gabrielle que está visivelmente assustada mas mantém seu território e não se move, mirando fixamente aquele mar azul que refletia as chamas da lareira .
– Em teus joelhos, amazona.
A princesa amazona orava para a Caçadora: “Seja feita sua vontade Artemis, proteja seu povo e que eu possa honrar seu nome neste momento e demonstre coragem digna de sua representante na terra. Assim seja Artemis!”
Tocando o alto da cabeça de Gabrielle com a lâmina plana da espada, Xena faz a declaração de liberdade para a princesa amazona: “Eu liberto você Gabrielle de Potedia, princesa das amazonas da Trácia de todos os juramentos que te unem a mim com submissão e lealdade e são além daqueles próprios de uma súdita livre, perdoando teus crimes e revogando todas as sentenças emitidas contra ti pelo Império. A partir deste momento és uma mulher livre de qualquer título de servidão ou escravidão”.
– Pode levantar Gabrielle.
Algumas contagens de silencio se passaram entre as duas e Xena viu os olhos de Gabrielle marearem e seu sorriso ir aos poucos iluminando o espaço. Restava-lhe a segunda parte da sentença de Artemis.
Ajoelhou-se colocando o joelho direito em terra, apoiando a ponta da espada no solo, baixou a cabeça, deixando apenas o olhar encontrar-se com o da princesa, como fazem os guerreiros livres frente a realeza.
-“Eu te amo, Gabrielle! Eu me apaixonei por você e preciso que você saiba disso além dos títulos que nos acompanham, no âmbito da alma que me define. Sondei a verdade em minha alma e contra todos os prognósticos e qualquer situação social, eu amo você com todas as minhas forças e Afrodite é testemunha da verdade em meu coração. Sei que talvez não seja digna e não espero que entendas ou aceites, mas é fundamental que ao menos saibas o que sinto por ti.”
– Xena, por favor, majestade, levante-se. A Senhora do Mundo não se curva frente a nenhum mortal. Fico sem palavras que possam exprimir meus sentimentos de maneira adequada. Tenho sentimentos por você Xena, que vão além da amizade e amizade que vai além de juramentos. Aprendi a reverenciar sua sabedoria e o esforço que você demonstra pelo seu povo, mas acima de tudo eu gosto muito de você. Acho que também te amo Xena, mas ainda não sei dizer ao certo. Sei que a ideia de deixar de ver você assombra meus sonhos e machuca meu coração e apesar de tudo, creio que pertenço a você muito mais do que a escravidão significaria.
Xena esperava ouvir um significativo não e talvez algo de repulsa. Claro que como súdita e barda Gabrielle saberia dotar sua negativa das mais suaves delicadezas, mas ainda assim seria um não. Esta declaração da amazona deixou Xena extremamente feliz e com esperança de que talvez um dia sua amizade seja possível e dali pra frente, ela seria dedicada em transformar cada contagem em um momento de honrar Gabrielle. Faltava ainda o último movimento que Artemis lhe exigia.
Olhando nas profundezas do verde de Gabrielle, como uma mata que abriga ou uma esmeralda com dimensões de luz em profundidade, sabia o que devia fazer e qual seria o protocolo. Algo de seu orgulho revoltou-se, mas domou este sentimento e armando-se de valor tomou a espada com ambas as mãos, segurando-a com as mãos espalmadas e cotovelos próximos ao corpo. Apoiou ambos os joelhos no solo e depositou sua espada aos pés de Gabrielle, firmando as mãos no solo e baixando a cabeça, ficando prostrada frente a uma princesa amazona que atônita observava as ações da Conquistadora da terra.
“Juro por Palas Atena, por Afrodite e por Artemis Caçadora, servir leal e fielmente a Princesa Gabrielle, das amazonas da Trácia e somente a ela, em seu melhor interesse e no melhor de minha capacidade, conforme suas vontades manifestas ou não, sem nenhum pensamento que não o de atender seus desejos e cumprir os comandos recebidos. Acatando a sentença de escravidão vitalícia, da qual fui merecedora por crime contra a Nação e em sua sabedoria e misericórdia, a Caçadora permitiu que minha súplica fosse feita colocando minha espada, minha vida e minha alma aos seus pés, princesa. Imploro que aceite minha devoção e que sua piedade permita que eu viva à sua sombra para reparar todo o mal causado à Nação Amazona.”
– O que significa isso Xena?
– Significa que estou me oferecendo para ser sua escrava princesa e implorando que aceite.
– O que acontecerá se eu aceitar?
– Entregarei qualquer coisa que deseje se estiver ao meu alcance ou morrerei tentando se não estiver.
– Por que isso agora? Que crime é este contra a nação?
-“Antes de eu começar a estruturar o Império na minha volta para a Grécia, antes de me tornar a Destruidora de Nações eu conheci as amazonas do Norte, a tribo de Cyane das Estepes. Vivi com elas sendo acolhida como uma amiga, treinando com elas e aprendendo muitos de seus recursos e segredos guardados a gerações, recebendo vários convites da rainha para me tornar uma amazona.
Uma Xamã que conheci, seu nome era Alti, me garantiu que eu seria a Destruidora e faria um Império e ela me ajudaria com poderes além da imaginação
, porém ela precisava de um ingrediente raro: sangue de amazonas e o coração pulsante de uma rainha. Eu adentrei em território sagrado e matei todas as líderes da tribo do norte, arrancando o coração pulsante de Cyane e entreguei a Alti. Mais tarde ela tentou me trair com Cesar e eu a matei quando me tornei a Conquistadora.
Artemis nunca me perdoou este crime e hoje a noite quando me voltei para Atena em busca de seu apoio na empreitada que faremos, Artemis veio cobrar meu crime, minha dívida. É um crime capital contra um membro da realeza e a lei determina o extermínio de toda linhagem do criminoso e aniquilação de sua casa. Eu lembrei que salvei de destino semelhante as crianças da casa de Hutanis, então lhe abri minha alma, entreguei meu orgulho e implorei a ela que a sentença recaísse apenas sobre mim. Ela permitiu, e contanto que você me aceite, mais ninguém ligado à minha casa será tocado por sua ira.”
– O que acontece se eu recusar?
– Não me foi dito, mas a lei determina que minha casa será destruída sem que eu possa fazer nada para evitar, mas sua é a decisão. Eu imploro que me aceite Gabrielle e em tudo agirei conforme seu desejo.
– Eu nunca estive ou presenciei uma situação como esta. Não conheço o protocolo.
– Por favor, apenas decida Gabrielle e depois procuraremos a maneira de fazer isso conforme as tradições se for o caso, porém juro por tudo que há de sagrado que não farei retaliações qualquer que seja sua decisão e a libertação de teu povo ocorrerá conforme já determinado.
-Eu aceito Xena. Não sei como lidarei com isso, mas aceito.
– Eu não sei o protocolo para a execução desta sentença na tribo das amazonas da Trácia, é provável que Ephiny conheça.
– Sim, mas, por favor, majestade. Levante-se.
– Gaius!
– Conquistadora.
– Traga a capitã amazona aqui agora e que ela venha sozinha.
– Imediatamente senhora.
– Mandou me chamar Conquistadora?
– Sim Ephiny estava conversando com Gabrielle e desejo te fazer uma pergunta e seja breve mas completa na resposta.
– Ao seu comando Conquistadora.
– Descreva o protocolo para aceitação de um escravo vitalício pela Casa Real da tribo da Trácia.
– O indivíduo se ajoelha, recita o juramento e levanta, foi o que aconteceu com a casa de Hutanis.
– E se for um escravo pessoal de um membro específico da Casa Real ?
– É feito em três movimentos após o juramento . No primeiro ele receberá uma fruta embebida em mel e comerá simbolizando a aceitação das doçuras que lhe forem oferecidas por sua senhora. No segundo ele será atingido no rosto de maneira forte e simboliza a aceitação das punições que lhe forem determinadas e no terceiro ele receberá a marca de sua senhora por fogo, tatuagem ou descamação da pele e a usará por toda sua vida para simbolizar o pertencimento àquela pessoa específica.
– Isso foi feito com os membros da Casa de Hutanis?
– Não. Por que eles não pertencem à Gabrielle, mas a Casa Real .
– Eu te disse Gabrielle, que algo havia faltado. Pelo menos aqueles três marcados ficaram para ti, certo capitã?
– Não Conquistadora, eles não ficaram por faltar a execução dos dois primeiros passos.
– Dispensada capitã.
– Alteza. Conquistadora.
– Então, o que vamos fazer Xena?
– Eu acredito que devo providenciar a maçã, o mel e o braseiro facilmente. Por favor, aguarde um instante.
– Certo.
Xena vai até a porta e um Novaes sai em disparado na direção das cozinhas, com o coração cortado pois a jovem princesa amazona sempre lhe parecera alguém agradável e agora dava na Conquistadora o desejo de marca-la com fogo. É uma pena que a pequenina irá sofrer tamanha dor, mas ele conhecia a Senhora do Mundo a tempo suficiente para saber que a amazona atraiu para si este castigo. Ela devia saber melhor do que contrariar a Conquistadora quando ela estava perdendo seu temperamento.
Em meia marca de vela Alenia entrava pela porta dos aposentos de sua senhora com uma travessa de frutas picadas, um pote de mel e uma jarra de vinho. Novaes a seguia com os três ferros de marcar confeccionados para serem usados na casa de Hutanis. A amazona de sentinela arregalou os olhos e contra toda formalidade entrou logo após o Falcão, deixando para trás um atônito Gaius que não antecipou este movimento.
– O que você quer Ephiny ?
– Eu vim ver se poderia ser de alguma ajuda, majestade.
– Sim, pode. Coloque os ferros de marcar no fogo da lareira, para que Gabrielle não precise fazer isso.
– Alteza?
– Você não foi convidada para entrar, mas já que está aqui faça-o comandante.
– Sua capitã está angustiada com o que irá acontecer aqui Gabrielle. Creio que está em ordem uma pequena explicação e como eu disse antes, qualquer erro de tua guarda será punido em ti e ela acabou de marcar meu ponto de vista. Explique a ela e que se retire.
– Eu e a Conquistadora estivemos tendo uma conversa sobre a escravidão e os modos de unir uma escrava à sua senhora. Parece que o juramento que fiz em Esdel está sendo posto em causa e minha senhora deseja estudar uma forma mais permanente de ligação. Talvez, dependendo de minhas respostas, o protocolo amazona venha a ser utilizado e sua entrada inesperada marca o primeiro ponto contra meu argumento de que amazonas são disciplinadas. Retire-se e assuma seu posto comandante para que minha senhora termine como desejar o seu propósito.

– Conquistadora, posso falar?
– O que você quer capitã.
– Eu peço que o castigo caia sobre mim, pois foi meu o erro. A princesa não tem culpa alguma de minha falta de disciplina.
– Um líder é responsável pela ação de seus subordinados. Ela responderá por qualquer erro de vocês e eu sugiro que você saia antes que piore a situação de sua princesa.
– Sim Conquistadora. Alteza.
– Isso era necessário?
– Ninguém pode entrar em meus aposentos sem ser chamado Gabrielle. Gaius e Novaes responderão por isso amanhã, então é justo que Ephiny ao menos fique angustiada.
-Mas Novaes estava aqui dentro! Ele não tem como ser responsável!
– São uma dupla e receberão castigos e elogios em dupla. Esta é a norma e Palaemon é inflexível quanto a isso, mas eles sobreviverão fique tranquila. São bons e leais homens.
– Eu não concordo com isso Xena.
Xena ia responder a altura quando sua nova situação surgiu em sua frente como um bloco de rocha a despencar no desfiladeiro.
– É claro que se for seu desejo, será diferente Gabrielle. Determine e será obedecida sem causa, mas talvez não seja prudente mudar drasticamente as coisas, pois preciso do comando dos homens para salvar suas irmãs e os centauros. Se os homens me virem como alguém fraco e a disciplina se quebrar, rapidamente minha autoridade será engolida e talvez eu não possa ajudar seu povo.
– Você tem razão! Não mudaremos nada, inclusive no nosso relacionamento em público. Quando estivermos sozinhas poderemos conversar como duas amigas, mas para um observador exterior você manterá o mesmo comportamento com suas atitudes e normas atuais. Vamos terminar logo com isso.
Gabrielle acercou-se da travessa e pegou um pedaço de maçã, cobrindo-o com mel e aproximou-se de Xena que estava em seus joelhos, com ambos os braços para trás. Xena abriu sua boca e recebeu a maçã mastigando-a lentamente e engolindo. O olhar de ambas em nenhum momento desviou e um sorriso começou a ser desenhado no rosto de Xena, atingindo os olhos, tomando este momento com resignação e certa medida de paz.
Gabrielle não sorria, pois estava angustiada pensando em como realizaria o terceiro passo sentindo sua coragem fraquejar pediu a Artemis que a ajudasse nisso e teve seus pensamentos assaltados pela lembrança da declaração de culpa de Xena. Nos olhos de sua mente começou a imaginar como seria Cyane, a grande rainha da qual falam as histórias, que fez tratados com os Citas, manteve seu povo a salvo dos

vários invasores vindos do leste e contra os homens da Grécia, particularmente da região da Tracia que viam nelas as descendentes de Mirinia e buscavam se igualar a Mopso. “Vivi com elas sendo acolhida como uma amiga, treinando com elas e aprendendo muitos de seus recursos e segredos guardados a gerações, recebendo vários convites da rainha para me tornar uma amazona.”
A princesa viu com clareza a confiança e amizade de uma rainha ser traída e a dor da decepção em seu rosto ser acompanhada de um sorriso de triunfo nos olhos de Xena. A indignação tomou conta de Gabrielle que com uma fúria intensa acertou o rosto de Xena com uma força tão grande que a Conquistadora teve de recorrer ao seu incrível senso de equilíbrio e força para não ser jogada ao chão.
Sem tirar os olhos de Xena, Gabrielle recupera sua respiração normal enquanto a indignação que sentia se ampliava. Xena olhou para Gabrielle e ao ser encarada quase em desafio para que reagisse, baixou os olhos em aceitação, cumprindo esta etapa do rito.
– Agora vamos ao terceiro passo Xena. Acredito que os ferros de marcar já devem estar no ponto.
– Eu posso fazer a marca se lhe aprouver Gabrielle.
– Estou apenas decidindo onde ela irá ser feita Xena e desejo que ela fique oculta, então não é aceitável o local onde Ephiny marcou a casa de Hutanis, uma vez que tuas escravas te observam o tempo todo. Alguma sugestão?
– Na nuca os cabelos ocultariam, nas nádegas próxima da coluna ou parte interna da coxa a marca teria acesso de muito poucas pessoas. Também poderia marcar na virilha onde os pelos ocultariam. São grandes as possibilidades e cada uma com uma dose adicional de dor.
– Levante-se e fique nua Xena, quero estudar seu corpo.
Ela queria ser alvo do olhar de Gabrielle, mas não nestas circunstâncias, certamente. Fez conforme foi dito e abrindo os braços começou a girar para dar à Gabrielle plena visão de todas as possibilidades. No alto da coxa direita, quase junto ao osso do quadril pela lateral havia uma pequena marca que era uma gama,Y, invertida.
– De onde veio esta marca?
– Isso foi um dente de javali que me acertou quando estava em uma caçada nos primeiros tempos do exército.
Gabrielle estudou a marca e era um pouco maior do que a marca que usara na casa de Hutanis e um pouco menor que o ferro de tamanho médio.
-Será feito aqui e em pouco tempo não conseguirão distinguir uma da outra. Busque o ferro com marca menor, vou usar o lado de dentro desta marca como guia.
Silenciosamente Xena tirou o ferro do fogo e entregou a Gabrielle que ficou segurando a barra por algum tempo.
– Vire de lado pra mim Xena e não se mova por motivo algum.

Sem responder nada, Xena apenas girou colocando a perna na frente de Gabrielle que sentara na poltrona. Firmando a mão e alinhando as duas marcas Gabrielle aproxima o ferro da perna de Xena e repentinamente encosta levemente, deixando o calor fazer seu trabalho. Após algumas contagens aperta mais o ferro e retira bruscamente.
As palmas da mão de Xena estavam marcadas quase ao sangue, com a força de suas unhas que praticamente cravaram ao tocar a palma da mão e seus olhos estavam mareados. Seus lábios ficaram repentinamente sem cor, mas já estava retornando ao normal. Gabrielle aplicou um cataplasma com o unguento que fora trazido, utilizando a maneira que vira Ephiny realizar.
Em pouco tempo Xena viu a ira de Gabrielle se desfazer e o quase prazer que era percebido em seu olhar transformar-se em um semblante de angustia e preocupação. Soube então que a filha de Leto esteve saboreando seu sofrimento físico.
– Você está bem Xena?
– Sim Gabrielle, eu já tive dores piores, não se preocupe.
– Não proporcionadas pela minha mão, nunca! Perdoe-me Xena eu realmente não sei o que deu em mim, eu estava indo fácil sobre tudo isso.
– Está tudo certo Gabrielle e com certeza é seu direito fazer como achar mais adequado.
– Eu não queria magoa-la tão fortemente Xena, acredite.
– Eu sei disso, mas a Caçadora tinha outros planos. O que você deseja fazer agora?
– Bom, acredito que cumprimos todo o rito, então agora você é minha escrava pessoal conforme a tradição da Trácia.
– E como minha senhora deseja ser tratada? Quais são suas ordens princesa?
– Você agirá normalmente, como se nada disso tivesse acontecido e para todos continuará sendo a Conquistadora, Senhora do Mundo. Sei que está para acontecer um jantar com os nobres e não quero que isso seja modificado. Não quero que ninguém saiba desta marca, então cuide para que ela não infeccione ou você venha a precisar de cuidados médicos por qualquer motivo enquanto ela cicatriza e use roupas que a escondam.
– O que pensará a capitã de guarda, senhora?
– Direi a Ephiny que você venceu o argumento, mas aceitou uma renovação de meu juramento como suficiente, não utilizando as formas da amazônia e que repensou sobre o pedido dela e deixará minha punição ser decidida quando eu menos esperar. Quando Novaes e Gaius forem punidos, a mesma punição será aplicada à minha capitã, pois ela deve aprender a respeitar a função de um sentinela.
– Você tem certeza? Pode não ser fácil para ela.
– Não será para eles também, você sabe o que será?
– Não, normalmente deixo para Palaemon estas questões disciplinares, pois as minhas punições quase sempre deixam o castigado sem muitas possibilidades de esperança. Você poderia decidir e eu ordenaria a Palaemon que aplicasse nos três.
– Certo. Além do serviço normal a que todos estarão afeitos, os três deverão treinar o uso de bastões lutando no mínimo por duas marcas de vela com os Falcões que trocarão os adversários a cada meia marca de vela após estabelecer o acampamento e depois atuarão em serviço de sentinela pelas seguintes três noites.
– Eles são guerreiros experientes senhora, não gostarão disso.
– Não é para gostarem, mas exercitarem e o bastão traz uma exigência de equilíbrio recuperado constante que facilitará seu trabalho de sentinela. Além disso, será por pouco tempo , o que deixará uns dias para que se recuperem do castigo e possam lutar em condições saudáveis quando chegar a hora.
-Ao seu comando, minha senhora.
– Xena, não precisa me chamar assim. Gabrielle dará conta, é assim que meus amigos me chamam. Eu voltarei para junto de minhas irmãs e aguardarei até que o jantar tenha acabado, depois virei ter com você e conversaremos melhor sobre a estratégia que tomaremos.
– Sim, Gabrielle. Boa noite.

A noite já ia alta quando uma carroça de suprimentos chegava às cozinhas do palácio com três novas granjeiras em seu interior.
Ajudando a organizar o descarregamento, Lara encontra-se com Cassandra e pede para ver Gabrielle ou ao menos que Ephiny soubesse de sua presença. Cassandra as abriga em seus aposentos pessoais e envia Alenia para solicitar a presença da capitã amazona, Gabrielle ou de Palaemon, pois Xena estava em um jantar de estado e ela não tinha como chegar à Conquistadora neste momento.
Palaemon entra na cozinha seguido de Gabrielle e se encaminha diretamente para os aposentos de Cassandra, pois Ephiny estava de sentinela. Cumprimentando o capitão da guarda imperial, Lara saúda sua princesa e relata o que a trouxera ali. Foi extremamente descritiva sobre os trajes, maneiras e outras informações a cerca dos atacantes que conseguiram reunir.
– Que língua falavam Lara?
– Não pudemos definir com exatidão, mas alguns falavam a língua da Terra dos Faraós e os oficiais, quando achavam que estavam sozinhos falavam em Persa.
– Você tem certeza disso? Você ouviu?
– Não ouvi pessoalmente alteza, mas Dieynisa foi capaz de traduzir algumas palavras por que esta é uma das línguas que ela estuda.
– Como você está Dieynisa? Deian? Quanto tempo levaram para chegar?
– Estamos bem alteza, mas o tornozelo de Deian inspira cuidados. Temos de passar informações da rainha Melosa e dizer que Karin está tentando outra rota para chegar. Nós tentamos vir de barco, desde Luna realmente viajando foram somente quatro dias, mas demoramos quatro dias para conseguir embarcar em Luna, ficamos paradas em Amphipolis por seis e em Atenas por três. Levamos mais dois dias para chegarmos de Argos até aqui e um para conseguirmos chegar ao palácio. Aproximadamente vinte noites alteza.
– Informe completo de sua mensagem amazona.
– Sinto muito capitão, mas minhas ordens são para relatar para a Casa Real ou a Conquistadora.
– Sua princesa está aqui! Sagrada Atena!
– Informe, por favor Dieynisa.
– A rainha envia saudações e ordena que seja comunicada a situação. Oitenta centos de guerreiros estão cercando o território amazona e centauro, destruindo e pilhando aldeias na região. Pretendem aniquilar as duas raças e punir os homens que tenham ligação com qualquer de nós, mas por enquanto tem deixado tranquilos os templos e aqueles que manifestadamente não sejam nossos amigos. As amazonas e centauros estão trabalhando unidos e as crianças estão bem protegidas na Nação.
– Você tem algo escrito para mim?
– Infelizmente não alteza. O comunicado escrito ficou com Karin, pois nós tentamos outra estratégia e não teríamos como proteger a mensagem.
– Karin já chegou e vocês encontrarão com ela em breve. Obrigada a vocês. A menos que o capitão tenha alguma outra pergunta pediria a Alenia que acompanhasse vocês até nossos aposentos e que Deian tenha um olhar de Ieranus sobre ela. Se o senhor estiver de acordo comandante.
– Não sei se médico pessoal da Conquistadora não irá se opor Gabrielle, mas vou solicitar que vá atender a menina, embora não goste de correr o risco do humor de sua majestade estar voltado para punições. Acredito princesa que a senhora me acompanharia ou talvez a Embaixadora ?
– Sem problemas, sei que Ephiny também aceitaria correr o risco e tenho certeza que depois da reunião desta noite no estúdio, a Conquistadora deixou claro que deseja as amazonas bem tratadas. Obrigada capitão, diga a ele que pagarei bem e lhe será entregue um talento de prata ainda esta noite, quando Ephiny sair de sua atual posição. Eu poderia falar com você Cassandra? Alenia poderia conduzi-las aos aposentos no terceiro andar? O senhor providenciaria a remoção de Deian capitão? Falaremos com a Conquistadora depois.
– Claro, Gabrielle.
Seguindo para uma mesa afastada a um canto da cozinha, Cassandra aguarda Gabrielle com duas canecas de chá.
– No que posso ajudar princesa?
– Você conhece a Conquistadora a muito tempo, não?
– Sim, bastante tempo, desde uns cinco verões antes da batalha de Eiraskan quando foi à propriedade de meu tio para uns dias enquanto escolhiam cavalos para seus oficiais na região. O que você deseja Gabrielle?
– Preciso saber de uma coisa para tomar uma decisão justa e me parece que você é a única a quem posso perguntar sem colocar minhas irmãs em perigo.
– Fale princesa.
– Por que todo documento sobre Amphipolis está arquivado nos estúdios da Conquistadora e não na biblioteca com os outros?
– Sinto muito Gabrielle, mas não vejo no que isso tem a ver com você. De que decisão você está falando?
– A Conquistadora ordenou-me analisar os relatórios sobre armas e o movimento na política do comércio para identificar o que pode estar acontecendo pelo império. Toda vez que tento chegar na Macedônia isso é bloqueado. Há algum motivo real ou apenas era algo do início dos tempos e foi esquecido? Por favor, Cassandra me oriente no que puder, pois eu temo que se perguntar diretamente possa desencadear uma situação que venha a ser muito prejudicial para todos.
-É proibido falar disso Gabrielle ela deixou isso muito claro nos meus primeiros tempos aqui. Não se menciona o nome de Amphipolis perto da Conquistadora impunemente, mas eu não sei o motivo.
-Certo. Obrigada Cassandra, mas eu precisava tentar.
Gabrielle voltando para os aposentos das amazonas agradece a Ieranus pelo atendimento de Deian e acaba determinando que Ephiny organize o descanso de suas irmãs antes de retornar para o trabalho de sentinela, indo aos aposentos de Xena.
-Por favor Falcão, minha senhora determinou que eu aguardasse seu retorno em seus aposentos!
-Lamento princesa, mas a Conquistadora não deixou nenhuma ordem neste sentido e não é permitido que alguém entre sem ser ordenado. Posso aceitar que espere aqui conosco, então de uma maneira estratégica estará em seus aposentos se o humor dela permitir que este argumento seja levantado, mas não entrará sem ordens da Imperatriz.
Sem outro recurso e não podendo simplesmente desistir de seu primeiro argumento, Gabrielle se prepara para passar algumas marcas de vela em pé ao lado dos Falcões sob o olhar atento e irritado de Ephiny . Em menos de meia marca de vela Xena aproxima-se pelo corredor concentrada em não dar nenhum sinal visível de seu desconforto e se depara com Gabrielle ao lado de suas sentinelas.
-O que ela está fazendo aqui fora Gaius?
-Não tínhamos ordens de deixa-la entrar Conquistadora, mas ela tinha ordens de estar em seus aposentos quando a senhora voltasse, logo este foi o melhor arranjo que encontramos.
-Você fez bem Gaius e quanto a ti Gabrielle, falarei contigo lá dentro. Boa noite cavalheiros.
Quando entrou Xena sentiu que algo não estava bem, pois a porta da sala de banhos estava entreaberta e fazendo um sinal para que Gabrielle guardasse silencio e ficasse parada foi praticamente deslizando até ali e o que viu fez seu sangue ferver e sua ira manifestar-se violentamente.
Janis permanecia de costas para a sala levemente apoiada em sua testa, porém suas duas acompanhantes estavam totalmente escoradas de lado, conversando animadamente.
Deu alguns passos para trás voltando para junto de Gabrielle .
-Chame aqueles três vermes na sala de banho para virem até aqui, Gabrielle.
Ainda sem entender a reação de Xena, mas percebendo a aura de ira que irradiava da Conquistadora decidiu-se por não argumentar.
-Vocês estão sendo chamadas na outra sala .
As três caminham com algum cansaço e se posicionam lado a lado, de frente para a mesa da Conquistadora.
-Vá até Gabrielle, Janis e fique com ela até eu terminar o que desejo fazer aqui.
Pegando um açoite romano com três caudas de couro trançado e pequenas esferas de pedra inseridas na trama de forma espaçada e tirando um punhal afiadíssimo de seu cinto, Xena atira para as mulheres assustadas duas pequenas estruturas semelhante a uma faca de cabo longo e lâmina curta, totalmente feitas em couro.
-Coloquem estes kiones na boca e não os deixem cair de maneira alguma ou se arrependerão terrivelmente de tê-lo feito . Vocês descumpriram minha ordem e talvez eu pudesse apresentar alguma clemência por cansaço, mas conversar em meus aposentos não tem desculpas nem perdão. Em seus joelhos e em suas mãos. Agora!
Xena firma a empunhadura em seu punhal e seu olhar cruza com o de Gabrielle que atrás de uma Janis paralisada e apavorada, silenciosamente cai para seus joelhos e espera ser autorizada a falar.
-O que você quer Gabrielle?
-Eu imploro por elas senhora.
-O que me importam tuas súplicas? Eu avisei que isso aconteceria se emitissem o menor som sem minha permissão. Animais ingratos e sem escrúpulos! Eu vou arrancar suas línguas pessoalmente!
-Apenas imploro misericórdia, como uma vez Atena e a Caçadora me foram misericordiosas apesar de meu erro e a Imperatriz permitiu que eu pagasse com minha liberdade.
Xena sabia que Gabrielle não era tola. A menção das duas Deusas e a súplica por misericórdia estavam sendo usadas para lembrar-lhe que também fora uma penitente em busca de graça. Sua ira diminuiu de intensidade e ela buscou um acordo alternativo com seu senso de autoridade e o pedido de Gabrielle.
-A Casa Real amazona representa a Deusa Artemis na terra e pretendes gastar tua súplica ou tuas chance com estas imbecis?
-A Senhora do Mundo me ordenou que falasse e a servisse conforme meu melhor discernimento nas situações que observasse senhora. Eu imploro em nome da Caçadora que lhes permita aprender com este erro e pense que talvez elas sejam mais úteis com a habilidade da fala intacta, porém escolhendo melhor quando e a forma de utiliza-la.
Girando seu punhal, Xena pensa um momento e o crava na porta dos banhos.
-Se vocês deixarem cair estes kiones eu desconsiderarei a súplica da amazona e farei que engulam suas próprias línguas picadas . Entenderam?!?
As mulheres apenas afirmaram com a cabeça e Xena incontinenti começou a aplicar o açoite alternadamente em ambas as mulheres de forma metódica, rítmica até dez contagens. Sabia que uma batida com aquele açoite era equivalente por três em virtude das caudas, mas por sua construção se ampliaria para cinco este número, embora estivesse moderando sua força. Quando a décima pancada terminou tudo que se ouvia era o gemido das escravas e a voz da Conquistadora.
-Esta noite vocês serão confinadas em seus leitos, carregarão os kiones sempre pendurados em seus pescoços como uma lembrança do que está sendo dito e mandarei Siana ver que sejam atendidas. Quando sairmos em campanha, vocês passarão a limpar as dependências do palácio desde o nascer do sol até a lua estar alta e serão vigiadas. Se emitirem uma só palavra, por qualquer motivo sem autorização, nem todos os Deuses do Olimpo salvarão suas línguas e vocês acreditarão que o que estão sentindo agora foi um carinho. Você Janis, procure Siana e conte o que aconteceu e minhas palavras sobre o que deverá ser feito. Que ela aloje você junto a ela treinando-a para trabalhar com massagens e continuar seu treinamento de armas com um treinador que será determinado. Obedeça a ele e a Siana em tudo ou vais lamentar e pensar que deverias ter tido outra atitude.
-Sim senhora.
-Novaes!
Sabedor que Xena não desejava que Janis soubesse quem era, Novaes entra e usa a maneira menos marcial de saudar.
-Senhora.
Acompanhe estas três até o alojamento dos escravos e chame Siana, aguardando para ver se minhas palavras são transmitidas com exatidão antes de retornar. Amanhã farás relatório. Dispensado.
Quando ficaram sozinhas Xena ficou observando Gabrielle ainda ajoelhada.
-Levante Gabrielle, não tem cabimento você continuar assim, por favor, nós estamos sozinhas.

Gabrielle levanta e continua olhando o açoite nas mãos de Xena.
-Eu não quero desagrada-la majestade nem fazer nada que não seja apropriado. Xena larga o açoite como se queimasse.
-Eu não acertaria você! Eu não ergueria a mão contra você Gabrielle.
-Por que ?
-Eu estou aqui para servi-la princesa!
-Como? Açoitando mulheres por terem o humano ato de se confortar numa situação de desespero? Apavorando-as com promessas de castigos mais cruéis e condenando-as a uma rotina exaustiva e doentia vendo um observador em todo canto até teu retorno? Como isso me serviria Xena, se eu supliquei misericórdia e você fez uma grande demonstração do muito que me considera.
-Você determinou que eu agisse normalmente, como se nada de minha nova condição tivesse acontecido, como a Conquistadora em tudo, quando não fosse somente eu e você! Se elas escapassem desta sem nenhum castigo imediatamente começariam os boatos Gabrielle e eu considerei sua ordem deixando que continuassem com a fala.
-Sim, só proibiu que usassem. Você sabia que eu desejava perdão pra elas e fez questão de dar vasão ao seu orgulho e à sua ira descontrolada e violenta.
-Sou o que sou Gabrielle e nunca fingi diferente.
-Agora você me confunde, pois isso aconteceu exatamente por que você esqueceu o que é e fingiu ser o que já foi. Você é minha escrava pessoal Xena, isso define o que você é muito bem. Doravante quando eu manifestar julgamento você agirá em conformidade com meu desejo e achará um modo de manter o mundo pensando que você ainda é a Conquistadora em tudo. Foi teu o pedido, tua a súplica e foi tua a aceitação dos termos de tua sentença, então aja de acordo. Você não irá se esconder em minha determinação de manter as aparências para executar ações que eu declaradamente fui contra! Consegui esclarecer pra você?
Gabrielle junta o açoite do chão e fica mirando Xena com intensidade, então a verdade do que estava sendo dito e o tamanho de sua própria arrogância quase esmagaram Xena. Sentiu Gabrielle se agigantar em sua frente e resolveu tomar a postura que lhe cabia ajoelhando para estar ao alcance da ira da amazona.
-Tem toda razão alteza e eu fui equivocada em minha atitude.
-Eu deveria corrigi-la Xena? Eu nunca tive escravos, mas tive uma mestre muito ciosa de sua autoridade. O que você faria? O que sugere a Conquistadora?
-Minha tolerância pra dor é muito alta senhora, talvez fosse adequado usar raiz de acahitis que além de promover um grau de sofrimento com tempo aproximado não deixa marcas no corpo, sendo portanto capaz de ser ministrado a qualquer tempo ou lugar de acordo com sua vontade, alteza.
-Como você sabe?

-Eu testei em prisioneiros, em suas famílias e em escravos rebeldes. Um gole do tamanho de um dedal pequeno, derramado em uma taça de vinho proporciona uma marca de vela de dor alucinante, mas a dor vai aumentando a cada gole e não é fatal até uso contínuo de quarenta e oito marcas embora em meia marca de vela estão implorando pela visita de Celesta e uma morte rápida. Eu cheguei a provar uma dose menor que meio gole para saber realmente o que se sentia e não apenas visualizar em outros.
-Já li sobre isso. Existe um antídoto?
-Sim, mas poucos sabem sobre ele.
-Qual é Xena?
-Azeite recém-prensado e vinho tinto que juntamente com pó branco se forma uma pasta com folhas de aponia macerada aproximadamente do tamanho de uma unha e engolir com três taças de água. Em sessenta batidas de coração começa a fazer efeito e em trezentas contagens não há mais sinal da dor, independente da quantidade de acahitis que tenha sido ingerida e é a mesma dosagem e reações para mulheres ou homens, sendo que em crianças metade da dose produz o mesmo tempo.
-O que é este pó branco?
-Não sei. Apenas tenho muito em estoque, senhora.
-Você fez testes com crianças? Por quê?
-Eu queria espalhar o terror e o medo para serem facilmente conquistados alguns territórios além das estepes. Ao final serviu ao seu propósito mais tarde, quando retornei para estender o Império até a Chin e a Casa de Lao firmou rapidamente submissão em tratado no qual deixei que continuasse governada por Lao Ma. Eu usei acahitis há muito tempo, antes de Cyane minha senhora.
-Não acredito que eu te causar dor vai surtir algum efeito em ti Xena, independente se deixar marcas, produzir lembranças ou desconforto. A dor e a ameaça são coisas com a qual você está acostumada a lidar, mas prepare um receptáculo com a acahitis e outro com o antídoto e mande me entregar em meus aposentos para Ephiny e que digam do que se trata. Formularei uma resposta na qual você está fazendo com que eu guarde para quando desejar que seja utilizado, o que ajudará a manter minhas irmãs mais controladas para com seus homens. Agora levante-se, tire este himation e tome um banho que esperarei aqui. Desejo ver a queimadura e colocar mais unguento nele após seu banho.
-Sim senhora.
-Xena!
-Sim princesa?
-Por favor, me chame de Gabrielle. Isto não mudou.
-Obrigada Gabrielle. Serei rápida.
Após o banho, Gabrielle aplicou novo curativo.

-Procure movimentar esta perna o mínimo possível agora. Boa noite Xena.
-Gabrielle.
-Sim?
-Eu não quis ofender você, realmente. Apenas foram muitos verões tomando atitudes que garantiriam minha sobrevivência e o poder, pois não conheço outro caminho para dominar tantos e realizar o que precisa ser feito. Não é uma justificativa, mas quero garantir que realmente levo a sério meu juramento. Ainda tenho de aprender como organizar melhor esta nova situação, mas farei meu melhor para não decepcionar você novamente.
-Sei disso Xena. Eu esperava para transmitir as novidades trazidas pelas três da trial de Karin.
-Já fui informada por Palaemon ainda no primeiro piso, quando sai do salão de jantar, é claro que tens toda permissão para que Ieranus atenda tuas irmãs e elas apenas confirmam a inserção de algum persa nesta manobra toda. Oitenta centos de homens não se movimentam tão silenciosamente como eles o fizeram, com certeza há um Deus envolvido nisso e suspeito que Ares está fazendo das suas novamente, mas nós iremos vencer. Boa noite Gabrielle.
Indo para seus aposentos, Gabrielle deseja boa noite a Ephiny que estava de sentinela e se lança na cama tentando fazer seu corpo parar de tremer e seu coração se acalmar da violência e força da ira de Xena . Repentinamente Gabrielle se deu conta que sua vida esteve andando sobre uma lâmina muito fina todo este tempo.
-“Sagrada Deusa, ela ia mutilar as duas sem um segundo pensamento!”
A luz do luar entra no aposento e se intensifica, com uma mulher alta de olhos verdes, tez levemente morena e cabelos avermelhados, vestindo um peplos branco e sandálias de couro amarradas nas pernas por tiras do mesmo material em couro que compunham seus braceletes.
“-Já é tempo de conversarmos Gabrielle.”
Reverentemente Gabrielle sai de sua cama e vai até sua visitante buscando ajoelhar-se à sua frente, porém um gesto da Deusa tocando em seu rosto a detém.
-Você não precisa se ajoelhar na minha presença Gabrielle. É a minha escolhida e minha representante na terra, levante-se e vamos conversar sobre o que esta afligindo você.
-A força da violência de Xena. Eu nunca tinha presenciado algo assim e estive ao seu alcance todo este tempo e agora que tenho ela sob sua sentença, me dou conta do imenso poder que isso representa minha Deusa e tenho medo de não conseguir agir corretamente.
-Talvez devesse fazer com que ela sentisse um gosto de seu próprio remédio.
Soube que ela colocará acahitis em tuas mãos.
-Não! Machuca-la vai apenas fazer com que sofra e não ensinará novos caminhos,

atuará reforçando a ideia de que a violência é o caminho mais indicado para tudo. Acredito que o castigo não é a resposta Artemis, uma vez que ela aceitou seu erro e fará tudo para repara-lo e confio que é honesta em seus propósitos. Mesmo antes de eu concordar recebe-la , sendo minha a escolha conforme você havia decretado, ela já havia decidido atuar em nosso favor Artemis.
-Ela tem interesse pessoal nesta contenda. Certamente se não houvesse este ingrediente na mistura ela deixaria suas irmãs perecerem.
-Não, Caçadora. Ela é justa e preocupada com seu povo e embora tenha cometido vários crimes inomináveis ela ainda assim busca o que é correto e verdadeiro como o melhor para a Grécia e outros povos sob seu governo.
-Ela humilhou você e colocou você em situações de decisões onde a vida e a integridade de suas irmãs estavam sempre em jogo. Você deveria devolver a gentileza em nome de Cyane e todos aqueles que ela puniu sem piedade e traiu sem consciência.
-Ela tinha o direito. Se for sua ordem minha Deusa eu o farei, mas declaro humildemente que meu coração irá sangrar e minha alma chorar por ela e por estarmos corrompendo nossa filosofia usando tais maneiras e não a verdade de que toda mulher deve ser honrada em vosso nome.
-Você está empurrando muito forte minha tolerância Gabrielle. É muita coragem sua defender esta assassina em minha presença princesa .
Percebendo o brilho de ira nos olhos da Deusa da lua, Gabrielle nada fala, apenas se curva e espera a força da mata e o golpe tal qual um estouro de manada acerta-la. Em um gesto, Artemis faz surgir em sua mão uma taça de vinho.
-Deixarei para você a decisão entre a Conquistadora e as amazonas. Não ordenarei que a castigue, no entanto esta taça tem uma dose de acahitis adequada para uma marca de vela e deverá ser levada até os aposentos de meu povo, onde convocará Xena de alguma maneira. Você escolherá a amazona que beberá este vinho ou o entregará para Xena. Você entendeu princesa?
-Sim Artemis , me curvo ao seu desejo e farei conforme determinado .
-Algo a acrescentar Gabrielle?
-Ela já pertence às amazonas e faremos com ela o que quisermos, podemos ordenar que faça o que desejarmos. Seu orgulho, sua vida e sua dignidade são nossas para determinar seu destino. É mesmo necessário que sofra dor física?
-O mal que ela praticou e a destruição que causou entre meu povo não será compensado por palavras cordatas e gestos humildes. Não há indignidade que chegue perto do que ela fez à minha escolhida, com as consequências de seus atos tendo alcance muito mais longo do que sua mão pode tocar Gabrielle. As ações de Xena ainda são sofridas por Cyane. Deixo para tua consciência a decisão sobre este pequeno sofrimento da Conquistadora, contudo tenha em mente que uma marca é pouco tempo perto da eternidade. Pense nisso Gabrielle.

-Quanto a batalha que nos espera eu peço sua benção Artemis .
-Todas minhas filhas estão abençoadas e aqueles que erguerem suas espadas para proteger meu povo também, mesmo os homens da Conquistadora, os Centauros e esta assassina. Eu te abençoo e que você tenha uma noite nos braços de Hipnos e Morfeu lhe proporcione suave sonho. Adeus Gabrielle.
-Obrigada Artemis .
No dia seguinte, pela alvorada Gabrielle envia um recado para Xena através de Ephiny , que repassa a Dietar, que estava de sentinela, obtendo permissão para entrar no aposento. Era a primeira vez que o via desde Esdel.
-O que você quer Ephiny ?
-Minha princesa mandou dizer que estamos reunidas em nosso aposento esperando suas ordens para este dia Conquistadora.
Xena sabia que era a maneira de Gabrielle chamar sua presença sem levantar suspeitas, pois ela não dava ordens assim.
-Vamos capitã, já não era sem tempo.
Segurando duas taças com vinho, Gabrielle saúda a Conquistadora e lhe entrega uma taça enquanto todas as amazonas estão segurando as suas .
-Minha senhora, gostaria de agradecer sua presença para abençoar minhas irmãs neste dia de preparação para a campanha e solicitar sua permissão de orar em nossos aposentos esta manhã.
-Permissão concedida. Fique fora do caminho enquanto os preparativos são feitos e vá aos meus aposentos no almoço. Que todas vocês saibam que ao empreendermos nossa jornada amanhã, estarão cavalgando com meus homens como aliadas e estou reincorporando suas posições, assim Ephiny receba neste momento comissão de major que será respeitada e obedecida neste grau por meus homens. Entretanto, houve uma questão ontem a noite e repensei seu pedido e ele será atendido. Desta vez Gabrielle passará incólume cabendo a você Ephiny durante a campanha, pelas próximas três primeiras noites em terra, um exercício de duas marcas de vela na luta com bastões depois de montado o acampamento e exercer o serviço de sentinela no campo. É importante que o serviço de uma sentinela seja respeitado e ninguém entra em meus aposentos sem uma ordem. Você aprenderá isso na prática estando bem acompanhada, pois Gaius e Novaes irão lhe fazer eco neste aprendizado.
-Sim Conquistadora.
-Senhoras, bebamos e que Artemis as abençoe e Atena proteja a todos.
Todas manifestam respeito pelas Deusas e a Conquistadora chama Gabrielle para junto de si enquanto se afastava.
-Gabrielle!
-Sim, minha senhora.
-Venha.

Fora dos aposentos Xena ficou observando a princesa amazona que estava estranhamente calada e sem o sorriso nos olhos que lhe era tão característico.
-Fiz o que você esperava?
-Sim, obrigada Xena. Agora devo me recolher, pois Artemis me visitou esta noite e existem coisas que preciso pensar. Se ocorrer algo que precise de minha presença mande alguém me buscar. Bom dia Xena.
-Bom dia Gabrielle.
Xena saiu e chamou seu ordenança que aguardava no corredor.
-Yolker!
-Sim majestade.
-Providencie uma escrava nova para atender o comandante Elthor. Busque uma no bordel de Lasmodeu que possa ser agradável aos olhos, mas iniciante na função ou entre prisioneiras condenadas e comunique a Siana que aquelas duas imprestáveis que atuavam em meus aposentos devem trata-la com banhos, cremes e massagens até ela ser convocada, assumindo suas tarefas logo que a moça saia de sua presença. Um guerreiro merece seu prêmio após tão exaustiva missão e você conhece os gostos de Elthor.
Gabrielle foi para seu aposento, enquanto a Imperatriz entrava no seu e um Yolker levemente preocupado sai quase correndo para cumprir com o que foi determinado. Foi o quanto Gabrielle conseguiu segurar uma expressão neutra, pois a dor começou a irradiar-se de tal maneira que ela não sabia se curvar-se ou ficar em pé seria o melhor. Descobriu que toda posição era terrivelmente ineficaz. Em desespero dirigiu-
se para a sala de banhos e ficou com água até os ombros e nada diminuía sua dor que alternava entre pontadas lancinantes com contínuas ondas de intensidade se espalhando. Caminhando com muita dificuldade deitou-se na cama e ficou encolhida, procurando uma posição de bruços com uma almofada sob o estômago.
Adorpareciaterpassadoporalgumasbatidasdecoração, quandorepentinamente recomeça mais forte que antes. Ela suava frio e não conseguia conter a dor ou as lágrimas que insistiam em descer de seus olhos. Estava a cem contagens nesta tortura quando Ephiny entra sem aviso com uma caixa contendo acahitis que fora enviada pela Imperatriz. Rapidamente enquadra a situação.
-Gabrielle! O que aconteceu?
Gabrielle nesta altura apenas gemia e se contorcia chorando, balbuciando palavras incoerentes num delírio não febril. Só conseguiu entender sua princesa clamar por Artemis e implorar misericórdia, ouvindo-a chamar a Conquistadora e suplicar piedade. Levantou-se determinada a procurar ajuda da única pessoa que poderia determinar o que estava acontecendo e esta seria a própria Conquistadora. Ephiny decidiu fazer exatamente isso.
Xena já tinha se recolhido aos seus aposentos para preparar-se para a reunião

e Ephiny sabia que não tinha sido convocada, mesmo assim buscou ser recebida.
-Hisar, a princesa ordenou que eu tivesse uma audiência com a Conquistadora para lhe entregar uma mensagem.
-Lamento capitã, mas a Conquistadora está descansando e não deve ser incomodada.
Elatinhaumacartanamanga,quehaviasidoentreguepelaprópriaConquistadora ainda a pouco. Resolveu usa-la.
-Sou uma major em teu exército Falcão e tenho informações para a Senhora do Mundo, agora faça seu trabalho e comunique à Conquistadora que estou aguardando permissão para uma entrevista!
Hisar se enquadrou imediatamente.
-Sim senhora.
Abriu a porta e deu três passos chamando sua senhora.
-Conquistadora.
-O que é Hisar?
-A capitã amazona aguarda uma entrevista. Diz que é uma major entre os Falcões e traz importante mensagem com um recado de sua princesa, majestade.
-Que entre.
-Conquistadora.
-Acabamos de nos falar Ephiny . O que há de tão urgente para que você me interrompa tão seguidamente?
Largando-se a um joelho no chão, Ephiny fala rapidamente antes que a Conquistadora mude de ideia.
-Minha princesa está com algum problema majestade. Está deitada na cama, delirando e aparentemente sentindo fortes dores e embora não tenha febre, age como se estivesse queimando. Somente geme e se contorce. Eu nunca vi algo assim Imperatriz. Por favor, majestade, a senhora é uma sanadora em seu próprio direito. Minha princesa parece ter sido envenenada, eu suplico, tenha piedade.
Xena estava preocupada, pois a descrição de Ephiny era de um toque de acahitis. Sabia que tinha de chegar rapidamente até Gabrielle, mas também que não poderia deixar espaço para especulações. Deveria vestir-se lentamente e ir calma até Gabrielle, aparentando certo enfado e isto requisitou toda sua força de vontade, pois Xena sabia que era fundamental não deixar ninguém saber o quanto realmente se importava. Sendo este o melhor caminho para proteger Gabrielle, se forçou a aparentar a mais completa indiferença.
-Claro capitã e sabemos que eu sou muito piedosa e ajo sempre na bondade de meu coração. Eu tenho mais o que fazer do que me preocupar com uma escrava Ephiny . Ela se retirou para orar, talvez Artemis não tenha gostado do que ela tinha a dizer.

-Em seu delírio ela chamou seu nome e suplicou piedade. Eu não sei o que aconteceu, mas peço que a salve se puder. Juro em nome da Caçadora que farei qualquer coisa que solicitar majestade. Por favor.
Ephiny larga seu outro joelho no chão e toca o solo com a testa, estabelecendo uma dívida de vida.
-Que costume que vocês tem de oferecer o que já é meu. Bom, verei sua princesa e guardarei teu juramento. Agora saia fique de sentinela comandante, ninguém deve entrar ali, nem você.
Xena vai até o aposento fechando a porta após entrar e usa toda velocidade para estar junto à Gabrielle.
-Gabrielle! Você pode me ouvir?
-Piedade Artemis , não faça isso. Xena… misericórdia!
A princesa amazona somente repetia estas mesmas palavras, gemendo e se contorcendo, buscando uma posição em que a dor fosse menor. Xena olha ao redor encontrando a caixa que enviara mais cedo e abrindo-a verifica que não fora tocada em seu conteúdo.
Buscando uma parte do antídoto e um jarro com água olha ao redor procurando uma taça e sobre o aparador encontra a taça de prata com detalhes em alto relevo. Uma lua crescente apoiando-se em um arco e uma alijava em dois lados da taça e percebe ser a taça que Gabrielle trouxera em sua mão quando vieram pelo corredor. Cheirando seu conteúdo sente claramente o toque de acahitis. Lavando a taça para não deixar nenhum resquício e servindo um pouco de água, prova para ter certeza de estar livre da substância.
Colocando um pouco do antídoto na boca de Gabrielle , segura-a firmando seu corpo e fazendo com que bebesse as três taças de água.
Deitando Gabrielle sobre seu lado, Xena deixa correr as lágrimas enquanto fica observando aquela pequena loira e sabendo a imensa dor que ela ainda iria sentir no tempo que seguiria, decide-se por coloca-la em sono induzido utilizando os pontos de pressão.
Cobrindo-a com um lençol, Xena levanta e vai lavar seu rosto, assumindo novamente a máscara da Conquistadora, sai para o corredor deixa ordens inequívocas.
-Ephiny , as ordens permanecem. Ninguém entra, nem com o chamado de Gabrielle. Diga-lhe que a espero para o almoço quando ela sair por si.
Xena desceu para seu estúdio de trabalho e sala de guerra .
-Senhores!
-Conquistadora !
-Então como estão os preparativos?
-A sua guarda pessoal já está selecionada e peço permissão para deixar Leoni no comando e seguir com a senhora majestade.

-Está concedida Palaemon, mas verifique que o palácio mantenha suas atividades rotineiras. Quero que Leoni pessoalmente oriente uma jovem no uso de armas. Aparentemente ela já tem experiências então é uma questão de aprimorar, mas que ele faça sua própria avaliação. Ela tem ordens de atender toda e qualquer ordem dele e ele pode disciplina-la como achar conveniente, mas não é para uso corporal. Ela é uma escrava e pertence a mim.
-A senhora vai permitir que uma escrava toque em armas?
-Não. Vou exigir que o faça e é bom que esteja fazendo corretamente e acima da média quando eu voltar . Seguro Leoni pessoalmente responsável pelo desempenho dela e você pelo dele.
-Sim Conquistadora.
-Notícias das trirremes?
-Considerando que fazem a toda velocidade sem descanso, acredito que o mais tardar em dez dias os Generais terão seus homens posicionados conforme seu comando, se Posseidon nos sorrir. Talvez haja um pequeno atraso em Pella e Isbar em virtude de irem por terra e terem montanhas a vencer .
-Estimativa para a Divisão de Corinto ?
-A mesma, dez dias. Seis para chegarmos a Luna e quatro para beirarmos o sul do território amazona ou centauro, conforme for seu desejo.
-Em marcha militar se cobre vinte e quatro milhas em cinco marcas de velas, se eles tiverem quatro marcas de velas de descanso no intervalo e realizarem duas investidas por dia faremos o dobro podendo chegar a menos tempo sem marcha noturna. Que eles saibam que esta empreitada será remunerada em dobro e a cavalaria também acompanhará a marcha forçada.
-Mas não será rápido nas montanhas majestade, mesmo que a estrada litorânea esteja em condições.
-Não somos a melhor força do Império pelos nossos belos olhos Terquien e os homens sabem disso. Apenas lhes diga que eu desejo chegar o mais cedo possível no templo de Atenas e no Campo das Oliveiras, onde montaremos acampamento definitivo.
-Sim Conquistadora.
-Temos alguma novidade de Elthor?
-Ele enviou uma mensagem dizendo que estaria no palácio apenas pelo almoço, mas que averiguações preliminares dão conta que um casal de criadores de cavalo de Abelar está em Corinto e virá para uma audiência com vossa majestade antes do jantar com a nobreza. Foi redobrada a vigilância sobre os escravos que poderiam ver através do disfarce, embora ambos estejam irreconhecíveis.
Nadira está fazendo um bom trabalho de infiltração em Larínia e já está com uma lista considerável para sua apreciação. Volair envia saudações de Atenas e chegará

a tempo do jantar desta noite, solicitando uma audiência logo que for conveniente.
-Bom, terminem os preparativos, vamos viajar leves e caçar ou comprar mantimentos pelo caminho. Enviem batedores invisíveis para inspecionar os possíveis locais de fornecimento e mandem a intendência à frente para organizar os mantimentos. Faremos uma parada na propriedade de Fabíola em Micenas, mas acamparemos fora da cidade. Palaemon, organize com o ferreiro do castelo e contrate alguns em Corinto . Quero um suprimento considerável de algemas com colares e cintos. Talvez eu faça prisioneiras.
-Prisioneiras majestade?
-Sim, diga-lhes que será um número considerável de prisioneiras que desejo manietadas sem possibilidade de fuga ou movimentos amplos, creio que duas centenas deverão bastar.
-Ao seu comando Conquistadora.
-Que Elthor descanse quando chegar, mandarei chama-lo antes do jantar.
Dispensados.
-Conquistadora.
Xena sobe para o piso superior ultrapassando a capitã amazona muito preocupada e sem dizer uma palavra, entra nos aposentos de Gabrielle em busca daquela que ela desconfiava tinha se sacrificado por ela.
-Gabrielle!
-Aqui na piscina! Bom ver você, como está?
-Eu? Estou bem, obrigada mas como você está?
-Agora estou bem. Sagrada Deusa! Agora compreendo por que você disse que em meia marca estavam implorando a morte. Eu suportei por pouco mais que trezentas contagens e já fui pra isso! O sofrimento é desumano!
-Como em nome de Atena você foi ingerir acahitis ?
-Não quero falar sobre isso Xena.
-Ah, mas você vai falar. Os termos de minha sentença foram muito claros, mas também houve um pressuposto de que apenas eu iria suportar a ira da Caçadora! Se ela de alguma maneira castigou você ou obrigou você a isso, talvez eu deva repensar meu juramento.
-Você não vai sair dessa tão facilmente Xena. Juro que Artemis não me obrigou a nada e que ingeri acahitis por minha própria iniciativa e nunca mais ameace quebrar um voto sagrado em minha presença, nem pense nisso. Agradeço ter providenciado o antídoto, mas você interferiu em algo que não tinha o direito de interferir e parece que deverei terminar o comecei. Providencie uma dose de acahitis para uma marca de vela, mas antes me deixe enviar todas as minhas irmãs para o pátio até o por do sol, assim não há maneira de alguma delas interferir. Chame Ephiny .
Xena não conseguia acreditar em seus ouvidos e olhando fixamente Gabrielle

sustentou seu olhar firme por um longo tempo até que nesta verdadeira guerra de vontades a Conquistadora assume sua nova condição e desvia o olhar e separa tudo para formar a dose solicitada.
Indo até a porta, Xena faz com que Ephiny entre e fale com Gabrielle.
-Gabrielle, como você está? O que foi aquilo tudo?
-Eu estou bem comandante e aquilo foi apenas uma indisposição devido a algo que bebi. Parece que tenho alergia a algumas plantas. Desça com todas para fazer a refeição nas cozinhas e organize um treinamento semelhante ao anterior, só que com todas vocês, incluindo Deian. Acredito que ela poderá exercitar o pulso e praticar com o punhal.
-Gabrielle não podemos deixar você sozinha sem uma guarda!
-Estarei ocupada exercendo minhas funções Ephiny e seria interessante se vocês pudessem exercer as suas sem maiores questionamentos.
Acusando sentir o golpe verbal, Ephiny enquadra-se e assumindo uma formalidade exagerada saúda Gabrielle e se retira sem olhar pra trás.
-Sim alteza.
-Traga-me um kione e me alcance a acahitis Xena.
-Por favor, Gabrielle, não faça isso. Diga-me do que se trata, eu tomarei a acahitis por você, não faça isso novamente, por favor! Artemis ! Artemis ! Não deixe que aconteça! Você me prometeu, tenho sua promessa Caçadora! Artemis , você está me ouvindo?!
-Prepare a dose certa ou eu tomarei por minha própria conta Xena e não estou disposta a argumentar com você ou me justificar. Tenha mais reverencia quando mencionar o nome daquela que represento e não quero mais ouvir nenhuma palavra de você para impedir isso! As mulheres que açoitaste ontem, o que pretendes fazer com elas?
-Agora devem estar atendendo uma jovem em seu banho e descanso. Não farei mais nenhum castigo além do que declarei ontem, você deseja determinar diferente?
-Não, mas se achares conveniente deixa ordens para que possam trabalhar apenas durante o dia após duas noites. Elas não suportarão este ritmo alucinante por muito tempo.
-Mais alguma coisa?
– Deixe que eu olhe sua perna antes de fazer o que devo. Quando eu terminar de beber tome a taça de minha mão e saia fechando a porta. Peça para os Falcões impedirem a presença de qualquer um neste piso e que montem guarda nos acessos e não junto as portas, pois desejo impedir que ouçam algo.
-Sim Gabrielle.
Xena levanta seu himation e Gabrielle remove a atadura.
– Depois do banho, fique sem cobertura por um tempo para acelerar a cura,

mesmo assim é impressionante como esta sendo rápida. Agora por favor me alcance o kione e a taça.
Xena faz o que é pedido, tirando um kione da gaveta no aparador semelhante ao de seu estúdio se vira para entregar a taça para Gabrielle, que mesmo tremendo, ergue ambos os braços em direção a ela. Repentinamente uma brisa entra pela janela e Xena fecha momentaneamente os olhos, parecendo em transe quando novamente Artemis surge na sala.
“-Saudações minha escolhida. Parece que você está pensando seriamente em experimentar desta taça novamente, mesmo tendo recebido uma amostra do que a espera. Sua coragem é muito grande Gabrielle.”
-Não me sinto corajosa minha Deusa, no entanto é algo que apenas parece o correto a ser feito.
-Ela se ofereceu, aceite Gabrielle. Uma segunda dose dobra a intensidade da dor e não foi concebido para você . Eu fui clara em minhas recomendações sobre sua escolha ser entre Xena ou uma amazona naqueles aposentos.
-Foi o que eu fiz, escolhi a única amazona que eu poderia escolher e estar em paz com minha consciência e crenças em suas leis Artemis .
-“Sim, você escolheu. Devo dizer que eu não tinha previsto este desfecho e é meu desejo que a dor seja da intensidade que eu escolher. Beba Gabrielle e quando a dor surgir, não clame por piedade nem misericórdia, pois foi tua a escolha. Colocarei um encanto na taça para modificar a intensidade da dor e você vai jurar que não dirá a Xena que a dor que estará sentindo não é aquela referente a uma segunda dose. Você vai beber e ordenar que ela somente retorne ao final da tarde, junto com tuas irmãs. Vamos deixar que pelo menos em sua alma ela pense que você está sofrendo em dobro pelas ações dela e verificar o quanto de consciência o monstro realmente adquiriu.”
-Ela não é um monstro!
-Cuidado princesa, você está perigosamente argumentando com sua Deusa.
-Perdão, mas Xena não é o que você lembra que tenha sido. Ela tem procurado fazer um governo justo e sido clemente, ouvido razões e argumentos. Ela se ofereceu para sofrer em meu lugar.
-Eu vi a clemencia dela ontem. Este oferecimento foi culpa!
-É isso que estou dizendo Artemis , monstros não sentem culpa.
-Chega! Tua palavra amazona!
-Eu juro Caçadora.
-Escolheste sofrer no lugar desta assassina Gabrielle. Assim seja.
Artemis desaparece e Xena abre os olhos alcançando a taça para Gabrielle.
-Leva contigo a caixa com acahitis e o antídoto e retorne somente ao final da tarde quando a trará de volta.

Sem esperar mais, Gabrielle bebe da taça de prata e deita, colocando o kione na boca e virando-se de costas para Xena que sai a passos largos, gritando ordens com as sentinelas no corredor, determinando novas posições e sai em busca de Giltar para uma cavalgada. Seu galope após meia marca a conduz ao templo de Afrodite.
A Conquistadora entra no templo da Deusa do amor e é recebida pela sacerdotisa que a encaminha para um jardim. Sentando-se na beira de um tanque ricamente guarnecido com estátuas da Deusa do amor em mármore, no tamanho natural, Xena começa a conversar em pensamento com aquela que nasceu do mar.
-“Afrodite, eu fui traída. Artemis me prometeu que sua vingança recairia somente sobre mim não tocando mais ninguém. De alguma forma ela levou Gabrielle a beber acahitis e ela não merece isso Afrodite, tu sabes que ela é pura e apaixonada em seus argumentos, com uma sede de justiça e sabedoria que permitiriam que fosse escolhida de Atena. Você estava lá sendo testemunha de minha súplica. Ajuda-me por que em meu coração eu sei que minha punição mal começou e é merecida, porém não em Gabrielle, não sobre ela. Intervém brilhante Afrodite e auxilia-me, pois reconheço que encontrei o amor e me corrói a alma saber que sofre.”
“-Bem vinda Conquistadora. Eu te avisei Xena de que o verdadeiro amor é algo o qual vale a pena lutar para conservar. A princesa amazona representa a Caçadora na terra e nenhum de nós a magoaria diretamente, entretanto o que está sobre Gabrielle não é para nenhum outro Deus intervir, pois é algo entre Artemis e sua escolhida. Aquele que carregasse o teu amor deveria ser alguém de extrema coragem e profunda honra para andar ao lado da Senhora do Mundo. Artemis deu sua sentença e tu acolheste por juramento sagrado e nada pode mudar isso, então te arma de valor para ser digna da coragem desta jovem mulher a quem entregaste teu destino. Podes falar com Artemis aqui e eu garantirei tua privacidade. Adeus Xena. “
-Artemis !
A Deusa da Lua aparece repentinamente frente a Xena, em nada acolhedora de sua angústia.
-Eu prometi a Afrodite que te ouviria, no entanto deves escolher bem as palavras assassina.
Xena recorda das palavras da Caçadora: “Conquistadora, doravante esta é a posição que deves tomar quando estiver em nossa presença.” Imediatamente se coloca sobre seus joelhos e suas mãos.
“-Artemis, eu imploro mais uma vez que deixe Gabrielle fora de tua vingança. Acahitis é um castigo desumano, cruel e ela não merece isso. Recai sobre mim tua ira e eu suportarei a dor que desejares, mas eu suplico que tua piedade e misericórdia protejam Gabrielle” .
-Eu sei exatamente a quantidade de dor que provoco Xena. Conheço as matas e suas ervas e diferente de ti, que causou dor apenas para saciar a curiosidade e exercitar

o poder, eu não preciso destas afirmações. Diga-me Xena, eram estas as palavras que os infelizes usavam para que poupasse seus seres amados? Foi assim que as mães e pais daquelas crianças imploraram pra você? Você foi desumana e cruel Xena e se divertiu com o desespero, com a impotência deles? Você que crucificaria toda casa de Hutanis sem poupar o mais jovem e inocente deles?
-Artemis , eu sei que cometi crimes terríveis, inomináveis e nem que morresse mil mortes diferentes chegaria perto da dor que eu mereço, mas Gabrielle é tua escolhida. Você não está agindo com justiça Caçadora em ordenar a ela que tome tal veneno.
-Você não é ninguém pra emitir julgamentos! Não me confunda com sua própria imagem Destruidora de Nações. Eu não dei tal ordem! Na verdade apenas conversamos e disse a ela que deveria aceitar tua sugestão e que acahitis era um modo pequeno de você começar a pagar toda dor que causou. Ela recusou esta generosa oferta mesmo depois de eu colocar o cálice sagrado em suas mãos com uma dose pronta. Você viveu com Cyane das Estepes, então diga-me Xena, você lembra o que minha escolhida falou quando perguntou sobre o cálice sagrado?
-Sim. “Aquilo que for vertido no cálice sagrado deverá ser consumido com reverência na benção da Caçadora.” Sagrada Deusa, a benção desta manhã! Era pra eu ter bebido e não ela!
-Eu disse a ela na noite anterior que escolhesse você ou uma amazona na sala para o ato e ela escolheu a maior entre elas. Eu não dei a ordem para puni-la, mas para que ela meditasse o quanto suas convicções valeriam.
-Gabrielle é uma mulher de valor e não agiria diferente de suas crenças apenas para poupar uma marca de vela de dor, só que ela não sabia Artemis . Ela não sabia o quão poderosa e intensa a dor seria, mas mesmo que soubesse ela teria tido a mesma atitude. Eu suplico que não a coloque nesta posição novamente, pois não é próprio dela agir com crueldade. Ela é suave, honrada, confiante, apaixonada e sem uma gota de egoísmo ou crueldade.
-Sua pretensão de desconsiderar seu juramento é uma grave ofensa aos votos de fidelidade à Gabrielle. Você tem algo a dizer em sua defesa ou prefere que eu estenda a Solan e outros membros de sua família a sentença?
-Eu precisava saber o que estava havendo para poder ajuda-la, porém ela se negava a dizer e eu vi o quanto ela sofria, eu estava desesperada Artemis. Eu estou apaixonada e não há nada que eu não faria para evitar que ela sentisse aquela dor. Você havia prometido e eu me senti traída. Não peço seu perdão, pois sei que sou culpada de comportamento indevido. Sou uma humilde escrava de Gabrielle, princesa das amazonas da Trácia e reafirmo meu compromisso em servir e obedecer aquela que a representa Artemis , no melhor de minha capacidade, em seu melhor interesse e que Atena me ajude.

-Cyane descobriu que traição pode cortar sua alma quando você lhe arrancou o coração em território sagrado Xena. Por agora vou considerar que a atitude de minha escolhida em repreender você foi suficiente, mas tome cuidado, pois existem ervas mais poderosas assassina e como você diria aos seus escravos, achará acahitis uma suave reprimenda. Eu não lhe fiz promessa alguma sobre Gabrielle, apenas suspendi a parte da sentença relativa a aniquilação de toda sua linhagem e o que existe entre eu e minha escolhida não diz respeito a você ou a ninguém mais. Agora em honra de minha irmã tenho um presente pra você: quando eu me for, daqui a uma meia marca de vela mire no tanque e pense naqueles que quer ver. O encantamento durará trezentos batimentos. Adeus Xena e não esqueça mais seu lugar.
A Conquistadora se ergue, observando que Afrodite cumpriu o que disse sobre manter sua privacidade e todo este episódio humilhante não foi presenciado por outro ser vivo. Apenas os Deuses que desejaram observar perceberam a Senhora do Mundo rastejar aos pés da Caçadora. Em cento e vinte contagens a sacerdotisa surge com vinho refrescado e uma oferenda para a Conquistadora: uma jovem escrava do templo, no serviço da Deusa do amor para seu prazer.
-Obrigada, a tomarei como um presente e deixarei outro. Mande entrega-la imediatamente no palácio aos cuidados de Siana e que ela e Cassandra decidam como utiliza-la até que eu mude de ideia. Agora eu gostaria de ficar sozinha.
Pegando uma pequena bolsa de seu cinto Xena entrega para a sacerdotisa um pequeno saco de couro contendo três talentos de prata. Considerando que um bom escravo se compra no mercado de Corinto por 200 dracmas, uma moeda de prata valendo seis mil dracmas seria algo considerável, entretanto um saco contendo três delas indicava que a Deusa do amor estava recebendo os agradecimentos sinceros da Senhora do Mundo. Elas sabiam que Xena poderia simplesmente levar a menina ou quem desejasse e o fato de retribuir deixou evidente o quanto Afrodite era reverenciada em Corinto .
Mirando o tanque, Xena conseguiu ver a vila das amazonas e toda a preparação para a guerra que permeava o território. Em um espaço oculto por trás da grande cachoeira havia uma caverna cuja parede lateral apresentava um túnel que abria num pequeno vale com uma cabana contendo todo o conforto, oculta pelas árvores de quem observasse de cima ou da caverna, utilizada como retiro da Casa Real por gerações e adiante na própria montanha mais algumas cavernas que serviam de alojamento para outras amazonas, animais de leite e algumas galináceas. Vários jovens centauros e humanos estavam ao redor, assim como as anciãs amazonas e aquelas que não tinham aptidão para a luta. Estas cuidavam para que todos fossem bem atendidos.
Um menino de treze verões estava lutando com um jovem centauro e seu porte denunciava sua herança. A facilidade com que jogava com a empunhadura e a agilidade em seus movimentos, o formato do rosto de seu pai e os olhos de sua mãe emoldurados por cabelos lisos de uma cor diferente e conforme contava Borias, igual aos cabelos de sua mãe. Uma cor de cabelos que lembrava as estepes do norte e também lembrava em muito o brilho do cabelo de Liceus. Mesmo se não soubesse que as águas o mostrariam e a nenhum outro, ela o identificaria prontamente pela total ausência de medo em seus olhos e o foco com que agia.
A imagem se desfaz e mostra uma mulher de cabelo castanho, ondeado, quase da altura de Gabrielle que servia mesas ao mesmo tempo em que dava ordens para que as carroças fossem descarregadas e os legumes preparados para a refeição da noite. Havia trabalhando na cozinha duas mulheres que se Xena não soubesse melhor poderia não perceber que eram amazonas. Atrás de Cyrene, na cozinha, um homem de olhos azuis e uma leve cicatriz na face colocava umas bacias com carne sobre a mesa de trabalho para preparação.
“Interessante, então Toris voltou pra casa.”
A água se turva novamente e surge a imagem de Gabrielle na piscina flutuando de forma relaxada e em seu semblante nem sombra da imensa dor que a assaltou por uma marca de vela. Ela olhava com algum interesse para seu colar de pedras e segurando com força parece ter tomado alguma decisão. Gabrielle estava bem e isso lavou a alma de Xena do imenso peso que a esmagava. O tanque novamente se agita, para ressurgir sereno com os peixes nadando sob um reflexo de sol na pedra.
-“Obrigada Artemis e juro que reconhecerei tua escolhida acima de todos os meus desejos e que acahitis seja a menor das minhas punições se eu descumprir este voto neste solo consagrado.”
A água do tanque se agita e a imagem de Artemis surge nas águas.
-O quanto é sincero este voto assassina?
-Com todo meu ser Artemis .
-Te colocarias a mercê de Gabrielle?
-Sempre.
-Se concordares, toma um pouco de água do tanque em tuas mãos e bebe. Toda vez que Gabrielle ficar irada, tu sentiras as mesmas dores de acahitis na duração e intensidade proporcional à ira da princesa amazona. Ela de nada saberá e será poupada de tomar alguma decisão contra ti como a desta manhã.
Sem um segundo pensamento, Xena mergulha suas mãos no tanque e sorve alguns goles de água fresca e cristalina, fazendo com que a imagem da Deusa Caçadora desaparecesse, não sem antes sorrir de forma satisfeita e enigmática.
Afrodite surge ao lado de sua irmã que observava a Conquistadora voltar para o palácio num trote fácil para preparar-se e enfrentar uma reunião com Elthor, Ephiny
, Gabrielle e a nobreza grega.
-Artemis , você realmente não vai deixa-la saber que Gabrielle não sentiu dor em quase nada e você retirou do cálice toda forte dor deixando apenas uma pequena pontada a cada quarto de marca? Precisava fazê-la sentir a ira de Gabrielle? Sabes que ela pode se irar sem um motivo ligado as amazonas né?
-Sério? Como o que, por exemplo?
-Decepção, tristeza, ciúme e mesmo por saudade.
-Coube a Xena a decisão Afrodite, eu apenas fiz funcionar.
-Sei. Bom isso é entre você e a pequena loira. Você vai deixar Xena pensando que Gabrielle sofreu o equivalente a duas marcas? Isso é crueldade Artemis .
-Não, Gabrielle está apostando que este animal adquiriu consciência. Vamos ver quão profunda ela é.