O caminhar cauteloso prossegue pelo corredor na floresta, desta vez mais estreito. Gabrielle e Xena em silêncio sondam os arredores enquanto se aproximam da próxima clareira.

É possível notar algumas vozes entoando uma canção familiar Essa música, me faz lembrar de casa Xena por um momento tenta acompanhar a canção com um sussurro rouco, animando um pouco seu semblante.

“É Amphipolys… está tão diferente, não acha?” Gabrielle olha para sua guerreira, desconfiando do próximo desafio que pode estar por vir. “Sim… lembra muito como era antes de…” Ela se emudece e estreita os olhos, tentando examinar à distância alguém familiar.

De onde estão, dá para ver o centro da vila, uma pira acesa, e os aldeões reunidos no centro, em uma comemoração ao dia da colheita. Próximo a pira, uma figura bastante familiar, trajada num vestido colorido, com um cabelo longo escuro, cantando e dançando, acompanhando a alegria do momento.

Passando pela entrada da vila, aquela mulher, com um ar plenamente jovial, interrompe sua comemoração, atraída pelo olhar das duas aventureiras, e começa a se aproximar, com um sorriso irradiante.

Eu já vi esse olhar antes… não é possível… será que é quem estou pensando? Gabrielle levanta uma sobrancelha e olha para sua guerreira, que permanece encarando a figura a se aproximar, seu olhar, vidrado, como se estivesse hipnotizada. “Era o que eu temia…” Xena sussurra.

“Xena, você a conhece?”. Gabrielle percebe surgir um arrepio na nuca dela antes de responder. “Sim… Sou eu, antes de me tornar guerreira…”. Ela retribui um olhar desolado para a barda. “Eu era como você…”.

Antes que percebessem, aquela figura estava a poucos passos de distância, as olhando com um ar meigo e gentil. “Bem vindas a Amphipolys! Prazer, sou a Xena…” Ela estende a mão primeiro para Gabrielle, que a cumprimenta, e logo depois, para a guerreira, que evita contato visual.

“Vocês estão bem? Parecem cansadas… precisam de ajuda?” Céus… ela lembra muito como eu era… que, assustador… como pode ser possível? Gabrielle permanece olhando para ela, assustada.

“Sim, está tudo bem… Viagem longa, obrigada por se preocupar…” Gabrielle interrompe o longo silêncio, admirando ambas se cumprimentarem. Entretanto o que mais chamou a atenção, foi o fato da Xena de antigamente não ter reconhecido a guerreira.

Era como se os dois lados dela estivessem se conhecendo na minha frente… Nossa… que loucura! Ambas olham para Gabrielle esperando algum dizer. “O que há com ela…” Pergunta a jovem. “Nada, ela tem passado por momentos difíceis…” Sussurra a guerreira ainda um pouco acanhada.

“Mas ela vai ficar bem?” A jovem dirige o olhar desconfiado para a guerreira, que responde com um ar impaciente “Sim… não se preocupe.” Então deve ser assim que ela se cobrava para cuidar de mim… está tão claro isso… que lindo.. Para Gabrielle… se concentra… Ela está tão cansada, tenho de tranquiliza-la. Gabrielle então se dirige a jovem, enquanto oferece o braço para a guerreira se apoiar. “Teria um pouco de água fresca, por favor?”

“Mas é claro! Me acompanhem”. A jovem se vira e guia o caminhar delas até a estalagem próxima do centro da vila. Ao entrarem, a jovem oferece uma mesa confortável para elas descansarem, enquanto busca água fresca.

Gabrielle, em um gesto de ternura ajuda Xena a se sentar na cadeira, e arrasta a outra para ficar ao lado dela. Enquanto aguardam, a guerreira levanta seu rosto para sondar o lugar. “mãe…”. A barda, em um leve susto, se vira para ela “Onde ela está?”. A guerreira dá um suspiro “Não parece estar aqui… essa é a estalagem dela…”.

A barda assustada olha para ela e para o lugar, porém não reconhece. Está tão diferente… o que houve? Espera… essa não…”. A guerreira suspira, e comenta “Era assim, antes do incêndio… Lembro que tinhamos perdido tudo… e…”. Ela se interrompe percebendo a chegada daquela jovem.

Ao se virarem, elas percebem a jovem a diante, trazendo a água e roupas novas para a guerreira, gentilmente as oferecendo. “Aqui estão.” assim abrindo um sorriso.

A barda aceita a água e agradece ascendendo a cabeça. A jovem então se vira para a guerreira e estende as mãos com o vestido e um par de sapatos, não tão novos, mas muito bem cuidados. A guerreira os pega, e por um momento se prende olhando para eles.

“Desculpe, são grandes de mais? Se preferir, posso pegar outras, que tal?” seu olhar se abre um pouco mais, evidenciando no brilho uma esperança e ânimo hipnotizantes. A guerreira se prende por alguns segundos naquele olhar.

Estranho, é como se estivessem se admirando, ambos os lados querendo se conhecer melhor… ou é impressão minha? “Você está bem?” A jovem pergunta. “Sim, obrigada…” A guerreira responde.

“Você pode se trocar ali” A jovem aponta para o banheiro ao lado da bancada. “Obrigada.” A guerreira se levanta, caminha lentamente, ainda admirando o lugar, e entra no banheiro.

Por um breve instante, Gabrielle permanece acompanhada da jovem, que aparenta acanhada, porém cheia de perguntas. “Como é ser uma guerreira? E sua amiga, parece ser uma barda, ela está bem? Ela pode me contar uma de suas aventuras?”

Seu olhar parece ansioso por um sim, enquanto a não tão barda (!?) se olha de relance, e percebe. Eu quem sou a guerreira aqui??? Sério isso? Será que é por causa dessas perguntas que ela dá de ombros quando contava suas histórias? Nossa… que… incrível!, “É quase isso… somos ambas um pouco de cada…”, Gabrielle tenta simular a reação de sua amada para a jovem, que recebe um suspiro de admiração.

Pouco depois, sua guerreira já trocada retorna à sala. A jovem se levanta rápidamente, um pouco envergonhada, deixando fugir a sensação de que tivesse cometido um crime ao ter puxado assunto com ela, sem o consentimento da guerreira, que a encara com uma sobrancelha levemente erguida.

“Como estou?” pergunta a guerreira, a fim de quebrar o gelo, e recebe da jovem um sorriso mais alegre. “Muito melhor, parece outra pessoa.” Gabrielle brinca com ela, que reage acanhando-se um pouco, e soltando um leve sorriso.

“Se me derem licença, vou deixar vocês a sós, mas se precisarem de mim, estarei próxima da pira.”. Ambas a agradecem, e antes de sair, a jovem se aproxima da guerreira e sussurra. “Você é muito sortuda, ela gosta muito de você…”, recebendo um sorriso de canto de boca da guerreira, enquanto permanece olhando para a verdadeira (!?) barda.

Assim, a jovem deixa o recinto, e a guerreira lentamente retornam para a cadeira. Gabrielle, ainda confusa permanece imóvel, somente a acompanhando pelo olhar. “Ei… você está bem?” Oh céus.. mesmo ainda frágil, ela se mantém preocupada comigo.. que maravilhoso isso.. espera… se concentra… “Estranho… estamos aqui por uma razão… Temos de descobrir o que é.” A barda se concentra e examina o lugar novamente.

A guerreira a acompanha, dessa vez a examinando, com um olhar atento, porém esperançoso para entender o que se passa. Seu sorriso parece estar mais espontâneo e tranquilo. “Tenho boas lembranças desse lugar…” Xena comenta, enquanto observa a decoração, atraindo a atenção da sua barda. “Eu de vez em quando costumava ajudar minha mãe aqui, quando lotava..” Sua mãe, repentinamente surge, como o vapor d’água fervendo, preparando o lugar para a abertura dos serviços, e em seguida, a guerreira aponta para ela discretamente, indicando a direção para Gabrielle olhar.

Desta vez, a barda está acompanhando uma bela memória de sua amada, enquanto ela conta uma bela história. Sua amada descreve cada detalhe de como era seu cotidiano, em uma riqueza de detalhes, que cativou por completo. “Então, esse chá que eu gosto, era receita dela, o mesmo chá que tomávamos juntas depois da batalha… lembra”, a guerreira com olhos reluzentes admira essa lembrança, olhando para a barda. “Que lindo, Xena… Me conte mais, por favor?”. Gabrielle, mais entretida, e curiosa, mantém sua atenção presa na narração, enquanto a guerreira continua a enriquecer a história, enquanto é vivida em meio as lembranças, como num palco de teatro.

“Nos dias que eu folgava, o Liceus é quem ajudava nossa mãe… Nas horas vagas, gostavamos de brincar de luta, com nossas espadas de madeira, era empolgante…” Prosseguia, a nova contadora de histórias, imitando os passos joviais desengonçados de quando era menor, e Gabrielle viu, aquela transformação em seu semblante, a renovando… Admirada, ela mantém-se atenta a cada detalhe, interessada no que está por vir.

“Então, pimba! peguei meu primeiro peixe com a mão… foi muito divertido, ah se… você estivesse la…”, Xena sussura, e pausa para um suspiro. “Com certeza, teria amado…”, a guerreira levanta uma sobrancelha, capturando as entrelinhas da resposta, correspondendo num breve sorriso.

“Deve ter sido maravilhoso…” Gabrielle complementa. “Sim, foi bom… enquanto durou…” Ela repentinamente pausa, e a olha profundamente, forçando levemente as sobrancelhas, sem entender o que acabou de ocorrer. Ela gostou tanto do que falei assim? gente… isso é tão.. normal? Normal… como sentia saudades disso, ser normal… não me preocupar com alguém voando pela janela… para tentar nos atacar… A guerreira permanece nessa introspecção por mais alguns minutos, até ela perceber uma expectativa em sua amada.

“Xena, tenho de admitir, essa era a última coisa que esperava de você…” Xena para por um instante, tentando decifrar o que ela quis dizer. Droga Xena… estragou tudo… você tinha de ter se contido… mas, não parece ter sido uma crítica… foi mais forte, eu precisava falar, o que há de mal nisso?… até foi bom, aliviou esse peso né… mas, pera aí… eu virei a barda aqui? … mas até que é legal, só não vai se acostumando, que prefiro você contando! Xena, já sentindo que falou por muito tempo, se aproxima de Gabrielle, e senta-se tomando um folego. “Eu também…” ela suspira.

“Até que para uma primeira vez, você foi muito além hein!”, Gabrielle diz adotando um sussurro bem humorado, enquanto Xena levanta um sorriso e complementa, “Eu avisei, tenho muitas habilidades…” mas essa eu não sabia que tinha, obrigada gabrielle. A barda se vira para ela, e abre um braço, convidando ela a se reclinar, a guerreira aceita e se reclinha sobre o busto de sua amada.

Em um gesto de agradecimento, a guerreira segura a mão de Gabrielle, porém a barda está focada em outra coisa, sondando o lugar, novamente, como um grilo falante em sua mente. Temos de sair daqui, está calmo de mais, pode ser outra armadilha, muito estranho… deixa eu ver o chakr… essa não… ele ainda está daquele jeito… como não pude perceber… A guerreira sente ela se ajeitar um pouco na cadeira, olha para a barda e depois a acompanha, olhando na mesma direção.

“Desculpe… queria ter feito surpresa, mas… não deu tempo… de limpar” Gabrielle soltou o chakram de sua cintura e o coloca em cima da mesa, o brilho daquela arma está manchado por uma vermelhidão muito familiar, a guerreira permanece olhando por um tempo para o objeto e levanta um sorriso discreto. “Olha só… usou bem ele, hein?”, a barda, levemente consternada leva a mão à sua testa. “Sim.. deu um receio.. mas segui o que você ensinou…” não pense… só sinta, se concentre e deixe fluir… ambas entoam essa frase, meditando no significado de cada uma. 

A guerreira volta seu olhar para a meditante barda e a observa, dessa vez, força um pouco os olhos, a investigando por algum tempo. Gabrielle percebe, e volta sua atenção para ela “Xena, tudo bem?” ela não evita o tom mais leve no falar, uma certa preocupação. “Sim.. só queria saber… o que fiz contigo, você era tão..” a barda a interrompe “frágil?” levantando uma sobrancelha. “Sim… como você se sente?” Xena se apoia seu queixo numa mão e a observa.

Gabrielle se permite pensar um pouco. “É… te ver em perigo despertou uma determinação que eu não sabia que tinha… é assim que você se sentia…?”. A guerreira suspira. “Um pouco… no começo era pura adrenalina e impulso, não tinha tempo para pensar muito… com o tempo fui aprendendo a me concentrar, manter o foco… aqui, nesse lugar, tranquilo, é uma coisa, mas no meio do combate, é bem diferente… um passo em falso e… enfim. Nunca tinha visto esse seu lado… guerreiro” A barda continua observando sua guerreira com admiração.

“Hum… confesso que sempre tive vontade de ver melhor esse seu lado, pacífico… é tão belo… me tranquiliza.” A barda parece levitar durante um suspiro, enquanto sua guerreira, perplexa, enrubresceu. “Obrigada, Gabrielle…”, ambas se envolvem em um meigo abraço, por alguns minutos, sem falar mais nada, somente admirando a importância do momento.

De repente, os copos, velas e castiçais começam a tremer, como se tivesse iniciado um terremoto. Gabrielle se volta para a guerreira, arregalando os olhos. Cavalos… galopando rápido… esses estalos… são de espadas… é uma invasão??? Essa não…. não pode ser… é aquela invasão! “Xena! Venha!” Gabrielle segura a mão da guerreira e corre com ela para a guardar em um local seguro.

A expressão da guerreira parece estar perdida, sem saber o que fazer, ou qual rumo tomar, vendo, sem enxergar. “A jovem… onde ela está?” a guerreira pergunta preocupada. “Essa não, ela está na pira! Fique aqui que vou lá…” A barda é interrompida por uma voz mais dura dessa vez, um pouco carregada. “Eu vou também… Vamos encarar isso juntas, por favor.”.

Gabrielle permanece imóvel por um instante, mas compreende a razão e concorda acenando com a cabeça. Ambas vão em direção a porta e logo depois de abri-la, viram o exército já oprimindo o vilarejo, que está tomado pelo fogo.

A frente delas, elas conseguem somente ver duas sombras, e atrás a grande fogueira, uma figura mais jovem, em pé, com uma espada na mão, e uma subjugada de joelhos aos seus pés, com a aparência imponente, mais do que dos guerreiros de lá presentes.

Gabrielle sente sua guerreira buscar por sua mão, antes que pudessem reagir, ou agir, percebem o movimento horizontal feito pela jovem, e a figura imponente, já inerte, caindo ao chão inanimado.

Ainda esperançosas para conseguir alcançar a figura, se aproximam rapidamente, em uma vã ilusão de que daria para impedir o inevitável que acabara de ocorrer.

Aquela forma jovial, vai clareando, e enfim conseguem ver aquela jovem olhando vidrada para sua primeira vítima fatal, empunhando a espada, com a lâmina enrubrescida, mãos e braços relaxados, olhando para aquele guerreiro inerte, o calor em suas mãos, porém sem aquele brio nos olhos, como se suas esperanças tivessem sido drenadas.

A guerreira, imóvel, com um olhar vidrado, repete a si mesma “Não.. não.. tudo, menos isso…” ela balbucia, repetidamente, mergulhando em um transe tétrico. Aquela força renovada recentemente aos poucos se esvai, a guerreira e a jovem, aparentando mover-se em sincronia, olham para suas próprias mãos, encharcadas com aquele rubor. Viram as mãos, encontrando mais daquele rubor brilhante, se ajoelham e continuam a encarar a mudança, em choque.

Gabrielle sente um arrepio sair de seu estômago, olha para sua guerreira, que esboça uma careta, se esforçando para levantar, o que fora bem sucedido. Ela então se aproxima da jovem, ainda em estado de choque, se agaixa e põe uma mão em seu ombro. A jovem vira seu rosto para a guerreira, e ela percebe que aquele brilho não mais estava lá. “Ei… está tudo bem, eu estou aqui… Você não fez nada de errado…”. A guerreira permanece a observando, tentando esboçar um sorriso para a tranquilizar.

A jovem, ergue uma de suas mãos, e a apoia sobre a mandíbula da guerreira, somente olhando, tentando olhar para dentro dela. Gabrielle consegue vencer seu medo, e se aproxima da guerreira, agachando-se ao lado dela. A jovem volta seu olhar para a barda, ainda apática. A seguir, ela retorna a olhar para a guerreira, sua expressão começa a mudar, suas sobrancelhas se curvam para dentro, forçando a musculatura, a frustração surge, e em um tom sombrio, entoa “Você está certa… eu até que… gostei…” Seus olhos começam a refletir as chamas da pira, e das casas, contudo mais reluzentes do que o próprio fogo.

A guerreira sente um tremor vindo de seu interior, e lentamente se levanta, com Gabrielle acompanhando o movimento, elas dão alguns passos para trás, a medida que a jovem se levanta, usando a espada como apoio. “Hoje… vocês testemunharam… meu nascimento… A Destruidora das Nações surgiu hoje… e todo aquele que se opuser a minha autoridade… TERÃO A MINHA IRA!”. A jovem ergue um sorriso sombrio.

Gabrielle apoia a mão sobre sua guerreira, a movendo para trás, e segura o cabo de sua katana. A jovem dá alguns passos na direção delas, porém os berros dos guerreiros chamam sua atenção, assim ela dá um mortal para trás, entoando aquele grito de guerra, porém mais agudo e rouco, carregado de ódio, e sai correndo em direção ao exército. Começa o combate entre os invasores, e o exército de uma pessoa só. Sua espada começa a dançar grandes passos, aproveitando cada impulso de golpe dado nele, quanto mais tentam ataca-la, mais forte a espada dela retorna, sedenta pelo próximo abate, golpes secos, rudes e violentos se seguem, aumentando proporcionalmente à intensidade das lutas, e a quantidade de combatentes ainda em pé vai diminuindo rapidamente.

Gabrielle e sua guerreira permanecem observando a cena, enquanto escutam aquele grito ecoar pelo ar, acompanhados de risadas roucas. A barda volta seu olhar para a guerreira, que encara cada movimento, como se estivesse recebendo cada golpe, expressando a dor, seus olhos vidrados na cena, perdem o rumo, e instintivamente agarra o braço de sua amada. “Por favor, vamos embora… eu não aguento mais… pede para ela parar!”.

A barda reune suas forças, e conduz a guerreira em uma corrida, em direção a saída do vilarejo, enquanto ela pensa “O que você fez Gabrielle… ela não podia ter visto isso… essa dor… era muito mais profunda do que pensei.. isso não é justo com ela… Gabrielle repete para si mesma, enquanto segura a mão de sua guerreira na fuga. Ao olhar para seu rosto, percebe seus olhos marejados, ainda inertes olhando através da barda, porem sua face reflete sua vontade de desaparecer de sua vista, de profundo constrangimento. “Ei… calma… está tudo bem… eu estou aqui contigo… Vamos… Estamos quase lá!”. Ela recebe um aceno de cabeça da guerreira, aceitando as palavras de conforto.

Gabrielle a conduz para longe da batalha, ainda sendo travada, enquanto ouvem a jovem improvisando o tão temido grito de guerra, que seria a marca registrada da guerreira, porém de repente, sentem o chão tremer a diante delas. Gabrielle entra na frente da guerreira, que se encolhe indefesa. A frente dela, suas formas lembram muito a daquela mesma jovem, porém, desta vez, um pouco diferente, com um olhar predatório, e aquela mesma espada, ainda mais enrubrescida, acompanhada de um sorriso malicioso e voraz.

“Ah, já vão? Não gostaram da festa? ela só acabou de começar!” A jovem começa a se aproximar lentamente. Enquanto isso, ambas recuam proporcionalmente. Gabrielle mantém o contato visual. Essa não… ela está descontrolada… tenho de fazer algo… mas, eu não posso lutar contigo… não vou. A barda firma os pés, e guarda a sua arma. A jovem interrompe seu avanço e inclina levemente sua cabeça. “Não quer dançar?” Diz ela em um tom sarcástico.

“Não… você não é assim, eu te vejo… sinto aqui…” Ela aponta para o próprio coração, e prossegue “não se negue o direito de amar… eu te entendo, a raiva e o medo… mas não há ninguém aqui que quer teu mal…”. Aquela face sombria demonstra uma mudança de expressão, da ira descontrolada para uma perplexidade ofuscante, o sorriso malicioso deu lugar a um relaxamento, a espada é soltada e vai de encontro ao chão.

A jovem ergue suas mãos, manchadas e as observa por um tempo… as lágrimas surgem de desespero, caindo em si sobre a gravidade do que fez, e o pânico surge em seu semblante. Gabrielle sente uma mão tocar seu ombro, e olha na direção da guerreira. Com um olhar sério, ela pede permissão para se aproximar e a barda consente. A guerreira então se aproxima da jovem que ainda não notou quem vai ao seu encontro.

Chegando próximo dela, a jovem nota e dirige seu olhar para ela, os olhos azuis mais abertos, consternados, perdidos ao longe, ansiosos a fugir envergonhada do que se passou. A guerreira interrompe o silêncio “Ei… está tudo bem… já passou… está tudo bem… você estava se defendendo… e sua familia também… estou muito orgulhosa de você…”. A jovem se encolhe tentando se abraçar, enquanto os soluços surgem.

A guerreira se aproxima mais, e a envolve em um abraço, repetindo a frase como um mantra até que ela se libertasse daquela tão conhecida tensão. Num piscar de olhos, a jovem desaparece de seus braços, a guerreira tenta procurar ao redor, porém não a encontra. Ela sente que algo mudou, sente algo pesado envolvendo seus pulsos, busto e ombros. Lentamente ela torna seu olhar para si, e percebe sua armadura.

Gabrielle, sem acreditar no que vê, permanece no mesmo lugar, parada, enquanto sua guerreira se vira para ela, com um olhar novo, um sorriso de alívio acompanhado de um olhar angustiado, ainda desorientado, porém adotando aquela postura tão familiar, que transmite uma autoridade natural. A barda dispara em sua direção, a abraçando com todas as suas forças.

Xena a olha, consternada “Me perdoe… por ter visto isso…”. Gabrielle a encara séria, porém com um sorriso meigo “Eu te amo, pelo que você é…”. A guerreira, surpresa deixa escorregar uma lágrima de alívio. “Vamos?” Gabrielle a convida para continuar a jornada, recebendo de sua guerreira um sorriso mais destemido “Vamos… juntas…”. Ambas se dirigem para a próxima passagem ainda naquela floresta sombria, entrando no corredor próximo a saída do vilarejo.