Capítulo 22
por Officer KirammanAs celas da masmorra de Agur foram abertas e Enoch a adentrou com um dos seus homens. Depois de um murro bem dado no meio de seu estômago, Enoch puxou seus cabelos desgrenhados para trás, enquanto o outro homem acorrentava suas mãos e pés. Em seguida ele foi arrastado até uma cadeira e teve sua longa barba e seus cabelos raspados.
-O que vocês querem comigo? – grunhiu o tirano.
-Te tornar irreconhecível – respondeu Enoch – Mas ainda falta um toque final. – e então lhe acertou o nariz com as costas da mão e espalhou o sangue que jorrou pelo rosto de Agur.
Ele foi chutado para fora da masmorra onde Imogene e Ayleen conversavam e teve uma capa de viagem jogada sobre suas costas e cabeça, Enoch o deixou de canto e se aproximou das mulheres.
-Tem certeza de que querem fazer isso? Seria muito mais seguro mandar uma patrulha.
-Pelo contrário Enoch. Uma patrulha não conseguiria ser discreta. Eu conseguirei me manter fora das estradas principais e evitar problemas.
-Nós – corrigiu Ayleen. – Nós nos manteremos.
-Você tem certeza disso? Você sabe o perigo que irá correr Ayleen? – suplicou Imogene.
– Pelos deuses, tudo que nós temos corrido nos últimos meses é perigo. Não existe nenhum lugar seguro, e não existe nada para eu fazer aqui. Eu me recuso a ser colocada numa redoma e servir de adorno dentro de um castelo, então se você pretende fazer isso, ou faremos juntas ou nenhuma de nós fará.
-Eu no seu lugar, obedeceria – disse Enoch soltando uma gargalhada sonora de uma maneira tão leve e sincera como ninguém havia visto até então.
-Está bem. – Murmurou a morena, resignada – Ainda assim, três pessoas chamam muito menos atenção que uma patrulha. Levar Agur junto será uma tarefa difícil e incômoda, mas ele é nossa melhor chance de encontrarmos Bae e poderá equilibrar nossas chances se de fato dermos de encontro com o resto de seus homens. Não que eu pretenda usá-lo como moeda de troca, mas posso fazer o que resta do exército pensar que eu estaria disposta a isso. Só não é seguro que ele seja reconhecido durante o trajeto, pois existe gente demais o odiando nesse momento e até o presente momento, precisamos dele vivo.
Duas montarias foram arranjadas para tornar a tarefa mais fácil, Agur, porém, foi andando com as mãos e pés acorrentados, como o prisioneiro que era. O trajeto não seria fácil, até porque era difícil dizer exatamente onde procurar, mas o plano inicial seria ir até Glastonbury pela costa para verificar se Muirne ainda estava por lá. Ambas sabiam que seria uma jornada bastante desconfortável, as noites estavam cada vez mais frias e era necessário que se mantivessem fora da estrada principal, mas com comida e água o suficiente e várias peles para proteção, talvez em dois dias ou menos chegassem no seu destino, isso é claro, se a tarefa de levar Agur a tiracolo não as atrasasse.
Apesar disso, havia um estranho conforto em cavalgar juntas. Era certo que ainda haviam muito a conversar a respeito, e tudo que menos tiveram nos últimos dias foi tempo para sentar e ter uma conversa de maneira apropriada, mas, como uma brisa que vem e vai naturalmente, a leveza que um dia existiu entre elas parecia estar voltando a se instalar. Imogene ainda sentia que precisava ouvir de Ayleen que ela a perdoava, mas de algum modo ela sentia que as coisas melhoravam gradualmente. Não ser odiada já era um bom começo.
Ficar fora da estrada principal era uma tarefa complicada, pois isso significava abrir mão de estalagens ou tavernas, e em vez disso, acampar. Também significava caminhar por trilhas muito mais pedregosas e contornar algumas colinas, mas adentrar áreas povoadas com o que restava do autoproclamado rei da Cornualha acorrentado chamaria uma atenção não requisitada, tanto de pessoas que queriam ver Agur morto, quanto de espiões que poderiam comunicar o que restava do seu exército. Por esse motivo, a primeira parada de fato feita pelo grupo foi num complexo de cavernas, perto de Bridgewater. Ali, havia algum abrigo do vento, havia água limpa para reabastecer os odres e era um local calmo o suficiente para acamparem.
Imogene desmontou do seu cavalo, verificou se a corrente que prendia Agur estava firme o suficiente em sua sela e entregou as rédeas para Ayleen.
-Eu vou buscar lenha para fazermos uma fogueira. Não demoro. Seja cuidadosa.
Ayleen conduziu os cavalos até perto da entrada da caverna e começou a limpar a área para que fizessem uma fogueira. Havia poucos minutos restando de luz solar, então era hora de acender as tochas e candeeiros para que passassem uma noite protegidas. Enquanto tirava os materiais do alforje do seu cavalo, ouviu Agur resmungar enquanto se recompunha da caminhada que para ele havia sido muito mais cansativa.
-Ora, quer dizer que a bonequinha de cristal sabe alguma coisa sobre acampar.
-Calado. – retorquiu Ayleen sem levantar os olhos para fitá-lo.
-Tão frágil e protegida, dentro das muralhas do castelo. Você foi uma rainha, teve ouro, teve servos aos seus pés, teve tudo. O que mais você quis? Sua amiguinha inválida? Seus malditos druidas?
-Eu nunca fui uma rainha, porque você nunca foi realmente um rei, Agur. Tudo que você foi, era um moleque mimado com algumas armas letais em mãos e um exército de lunáticos dispostos a brincar com você.
-É uma pena que minha amada esposa veja as coisas desse modo… Eu sinto muito, Lady Ayleen.
-Você não sen…
-Eu sinto muito por não ter a chance de ter aproveitado esse seu corpo macio mais vezes como na nossa noite de núpcias.
Ayleen largou as coisas que retirava dos alforjes no chão e com mais rapidez do que acreditava ser capaz, sacou seu arco empunhando uma flecha mirada no meio da cara do seu interlocutor.
-Ahhh, que surpresa agradável – disse ele rindo com uma voz rouca – a donzela em perigo não está mais tão indefesa, e tampouco é uma donzela. Mas será que tem o que é suficiente para ser uma assassina?
-Continue falando e logo descobrirá, Agur – disse Imogene voltando com uma braçada de galhos secos. – Mas assassinato e execução são duas coisas bem distintas, ainda que você jamais vá entender isso.
-Ah, eu entendo sim, uma coisa ou outra sobre a diferença. Execução é o que eu pretendo fazer com seu regente, com você e com a minha amada esposa. Assassinato, é o que eu mandei fazer com os seus pais.
-Você o que? – a testa de Imogene enrugou-se em incredulidade e de imediato ela soltou toda a lenha que carregava para então sacar a sua espada e voar até a garganta de Agur.
-Tirar o senhor de Devonshire de cena era um plano bastante fácil. Eu não contava com um velho decrépito assumindo o lugar dele e nem uma mulherzinha enxerida querendo brincar de governar, mas felizmente tudo isso foi bastante passageiro. Devo agradecer à Lord Baelish, suponho, mas é uma pena ter que fazer isso logo antes de cortar a cabeça dele.
Imogene tinha seu rosto vermelho de fúria e apesar do frio, sua testa estava reluzente de suor. Sua respiração estava acelerada e todo seu corpo estremecia de raiva, exceto a mão que segurava a espada contra o pescoço de Agur.
-Imogene, não faça isso – suplicou Ayleen. – Ele está tentando mexer com sua cabeça, você não é uma assassina, lembre-se do nosso plano.
-Você… tirou tudo de mim. Você me roubou minha família. Você me roubou meu condado. – arfava ela com lágrimas caindo dos olhos, ainda que seu olhar fosse da mais pura raiva. A lâmina estava fixa contra a pele de Agur a ponto de um filete de sangue começar a escorrer e apenas um pouco mais de pressão seria o suficiente para acabar com tudo. – Você me roubou até mesmo a minha voz. Você me roubou…roubou….
-Não… Ele nunca me roubou. Eu estou aqui com você – Ayleen disse colocando sua mão sobre o braço da morena – Por favor Gene, vamos seguir com o plano. Eu queria vê-lo morto tanto quanto você, mas você sabe que existem coisas maiores do que a nossa vontade em jogo. Bae está em perigo. Muirnw e o meu povo podem estar também.
Imogene baixou a espada, dando as costas para Agur e respirando profundamente por alguns segundos. Saber que esse tirano havia sido o responsável pela morte dos seus pais era como reacender todo o luto e sofrimento que havia sentido na época, e saber que eles haviam morrido por causa de um plano maior de dominação fazia ela querer acabar com tudo de uma vez bem ali. Mas Ayleen estava certa, e ela tinha tantos motivos para querer matá-lo quanto ela tinha. No entanto, havia coisas maiores em jogo, e Agur ainda era útil.