Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Presente, mas algumas horas antes…

-Você deveria perguntar aos espíritos o motivo de eu mentir. – Imogene levantou-se do círculo e olhou a velha Muirne nos olhos seriamente. A expressão de fúria da anciã começou a misturar-se com um pouco de confusão.

-Está zombando dos espíritos?

-Eu jamais faria isso. Nunca me passou pela cabeça desrespeitar o povo de Ayleen. É inclusive, em parte para protegê-lo, que estou mentindo. Se não acredita em mim, pergunte aos seus guias e se achar que deve me dar uma chance de explicar tudo, estou disposta a fazer isso.

A sacerdotisa lhe olhou fixamente com um olho mais aberto do que o outro. A dureza de sua expressão começou a vacilar e as rugas de sua face relaxaram. Ela aproximou-se de Imogene e apontou para o chão dentro do círculo. Ambas se sentaram uma de frente para outra e Imogene começou a falar, enquanto a anciã tirava de uma sacola de couro que carregava consigo cheia de plantas e outras coisas, alguns materiais que começou a trançar enquanto ouvia atenta o relato da jovem.

Mesmo com a sensação de que a anciã sacerdotisa, de alguma maneira mística, já conhecesse grande parte dos fatos, Imogene lhe deu um relato detalhado de tudo que aconteceu nos últimos meses e da razão pela qual havia omitido tudo. Ela sentia que naquele momento a política da verdade para com Muirne era o caminho mais lógico e menos provável de trazer danos ou mágoas para com sua relação com Ayleen.

-Eu quero que Ayleen fique segura. Envolvê-la nos meus planos de retomar o condado colocaria sua vida em risco. Ela não pode saber o que estou pretendendo, não por enquanto. Ela tem seu próprio propósito e a sua própria luta.

Muirne balançou a cabeça enquanto terminava os últimos detalhes do objeto que estava trançando. Um colar bastante rústico e belo, com pedaços cordão e algumas pedras com desenhos que Gene não conhecia havia se formado.

-Você é realmente uma criança estúpida. – disse a velha, se levantando. – Estúpida, por não perceber que a luta e o propósito de vocês duas é o mesmo, mas ainda que estúpida, você tem honra e bravura. Talvez possamos trabalhar com essas ferramentas. A anciã se aproximou de Imogene e lhe colocou o colar. A jovem pensou em questionar, mas percebeu que não era um momento adequado.

-Não é como se você não precisasse de toda a ajuda que pode ter. – continuou Muirne.  – Mas vamos precisar de alguns ajustes de perspectiva. Você não vai parar um exército sozinha. Não nessa vida, pelo menos.

De volta ao castelo, em seu quarto, Imogene rememorava a conversa que teve com Muirne. Apesar do desconforto da acusação, não infundada, sobre sua mentira, ela admitia para si mesma que falar com a anciã tinha sido estranhamente reconfortante. Lembrou-se de seu avô e de como era bom poder ter o ponto de vista de alguém que já havia vivido mais. Perguntou-se por que raios afinal seu pai havia deixado de dar ouvidos ao próprio pai nos seus últimos anos de vida, a tentou fazer uma espécie de nota mental para lembrar-se de não cometer o mesmo erro quando ficasse mais velha. Se ficasse mais velha…

“Um ajuste de perspectiva…” a sacerdotisa tinha dito. Ela tinha razão.  Imogene, exausta, agora percebia que havia ficado tão obcecada pelo ódio que sentia por Agur, por ele ter ousado pisar em sua terra, mas sobretudo por ele ter “tirado Ayleen” dela, que passou a fazer dele o bode expiatório de todos os problemas. Não que aquele projeto seboso de Rei não fosse ruim o suficiente, com sua ganância, seu gosto pela morte e desprezo pelo povo comum, mas até agora ela havia ignorado que havia mais problemas em sua bandeja do que um líder que nesse momento, bancava o sabujo feroz numa rinha de cães com os outros senhores de terras. “Ele deve ser tão estúpido e cego em sua luxúria por sangue que deve estar se lançando em lutas sem nenhuma estratégia”, refletiu ela com desprezo. “Pode até ser que esteja morto nesse momento” suspirou ela, não conseguindo conter um meio sorriso nos lábios. Agur havia ferido seu orgulho, era verdade, mas do que vale o orgulho quanto coisas tão mais importantes estavam na balança?

Fato é que ela percebia, agora, que precisava se reorganizar. “Serenidade”, tinha dito seu avô. As coisas não vão se resolver numa estação. Reconquistar Devonshire e efetivamente conseguir se estabelecer como líder, era um dos objetivos principais, mas e depois disso, o que haveria de fazer? Ayleen ainda estaria casada com Agur, e Agur continuaria com sede de sangue e poder, e usando a ameaça romana como pretexto para inflar cada vez mais a quantidade de homens e seu exército, à medida que fazia um arrastão pelo território celta, destronando senhores e deixando pessoas na miséria. Hoje estava em Clauvegris, e amanhã sabe Deus qual seria seu próximo alvo. No final das contas, ele estava causando mais mal a todos do que os próprios Romanos, e ela bem sabia o que os Romanos poderiam fazer de mal, afinal, eles haviam sido os responsáveis pela devastação de boa parte dos territórios celtas. Se hoje a comunidade druida era tão reduzida, era por causa de um maldito Imperador do passado.

Entretanto, ela andava muito entre a plebe. Essa era a vantagem de parecer uma cidadã comum, inválida, muitas vezes confundida com uma mendiga. As pessoas não tem medo do que alguém com tão pouca moral pode ouvir, ainda mais se essa pessoa mal conseguir se comunicar direito. Em suas rondas pelas vielas e becos da cidade, ela ouvia muitos viajantes e mascates falando sobre questões políticas, ouvia soldados reclamando entre si, ouvia taberneiros comentando sobre como o império romano estava enfraquecendo ano a ano, fosse pela diminuição de recursos, fosse pela gestão duvidosa do Imperador Augustulus e em maior escala ainda, pelos conflitos religiosos entre os adoradores da religião cristã e os que permaneciam seguindo os deuses antigos do panteão romano. Imogene, ainda que lamentando tanto sangue, ria internamente de maneira irônica ao refletir sobre como um Império que tinha subjugado tanta gente, chegou a um ponto onde começaram a se matar entre si. Mas então, ela lembrava-se de tudo que havia aprendido com o avô, através das histórias contadas e percebia que seu próprio povo não era diferente. Toda a terra, aquela terra tão sagrada para os druidas, estava encharcada de sangue de inúmeras batalhas do passado, e continuaria sendo regada por muito tempo com esse mesmo sangue. Era lamentável a luxúria dos homens por glória e poder.

            Encostada na cabeceira de seu catre e iluminada por uma vela que enfraquecia pouco a pouco, ela respirava fundo em frustração. Seria ela apenas mais uma peça nesse jogo de poder? Estaria no sangue dela toda a violência, sede por sangue e poder, tão característica daquele povo? Até onde se lembrava, sua família e as relações mais próximas do clã Callaghan sempre haviam tentado ser os mais justos e benevolentes possíveis, mas teria ela uma visão e lembranças precisas dos fatos, já que sua perspectiva era justamente a de quem pertencia ao lado que detinha o poder? Aos olhos de uma criança que foi amada, seus pais são como deuses sem mácula, mas os anos adolescentes ao lado deles haviam sido reduzidos por escolha dela mesma que optou por se afastar. E se seu próprio pai, aquele mesmo pai que rejeitava os conselhos de Hedwyn, fosse alguém a quem ela não conseguiria admirar com a maturidade que tinha hoje? Ela nunca saberia. Dreidre e Aderyn estavam mortos, emboscados por mercenários. Não estavam ali para serem julgados e tampouco estavam ali para lhe acolherem. Ela sentia falta deles, de Hedwyn e também de Ayleen, pois compreendia que seus planos, estúpidos, como havia pontuado Muirne, a haviam afastado dela. Teria ela realmente sido uma tola? Havia aprendido tantas coisas no oriente, mas ao voltar para casa, seu orgulho havia lhe feito se sentir superior a muitas pessoas que havia convivido enquanto crescia. Teria sua arrogância feito ela cometer erros terríveis? Será que seu avô estava errado? Com a mente turbulenta por tantos pensamentos cinzentos, ela custava a adormecer, mas o cansaço de uma viagem longa que tinha durado mais de um dia começava a derrotar seu corpo, lhe mandando pra um sono que nada tinha de tranquilo.

Nota