Capítulo 13
por Officer KirammanO barulho de um córrego e de uma fogueira acordaram Ayleen, que sentiu a luz perfurando seus olhos conforme os abria. Sua cabeça doía como jamais havia doído e vários pontos de seu corpo ardiam com ferimentos. Ela apoiou as mãos no chão e levantou-se olhando ao redor.
Para sua surpresa, encontrou Imogene recostada no tronco de uma árvore, de olhos fechados, segurando o cabo de uma espada com as duas mãos, mas claramente ressonando. Seu rosto, parcialmente escondido por um capuz, tinha algumas marcas de hematomas e ferimentos.
Sem entender e sentindo-se zonza, sentou -se no chão novamente e mesmo que quase inaudível, o barulho que fez foi o suficiente para acordar uma Imogene assustada e bastante sobressaltada. A morena lhe fitou muda, com uma mistura de alívio por vê-la bem e confusão. Não tinha certeza do que fazer. Não queria arruinar seu disfarce, mas não sabia que havia alguma razão para mantê-lo a essa altura dos acontecimentos.
-Gene – sussurrou Ayleen – você está bem. Eu estava tão preocupada. O que aconteceu, como viemos parar aqui?
Imogene não respondeu, apenas lhe deu um meio sorriso triste, enquanto ponderava entre falar claramente ou seguir com a encenação que durava meses. Optou por não dizer nada. Levantou-se, mancando um pouco, o que não era inteiramente parte de um ato, já que sentia várias dores pelo corpo advindas da luta da noite passada. Havia ficado meses sem se colocar a prova daquela maneira e agora a falta de forma física lhe cobrava uma dívida alta. Usando a espada embainhada como apoio, sinalizou para Ayleen que continuassem caminhando.
A loira, um pouco confusa, mas bastante atordoada ainda, entendeu que aquilo se tratava de uma fuga e apenas a seguiu. Caminharam pela floresta por algumas horas em silêncio, um silêncio incômodo que Imogene sabia que teria que quebrar em algum momento, mas não encontrava a melhor maneira de fazer isso, ainda presa em seu dilema. Não podia dizer que não havia estranhado o fato de Ayleen não perguntar mais nada, falante como a loira costumava ser, mas imaginou que talvez ainda estivesse sentindo os impactos da noite passada. Ela não sabia o que tinham feito com Ayleen antes de encontrá-la, mas não conseguiria perguntar isso agora. Só podia agradecer aos espíritos pelo fato da amiga estar viva.
O clima era frio, os dias finais do outono se aproximavam pra dar lugar à estação mais gelada e no meio de uma fuga, era evidente que suas roupas não eram as mais adequadas para o vento cortante que passeava entre as árvores. Ayleen tremia, parte devido ao clima, parte devido ao estado de choque que ainda se encontrava e não sabia exatamente o que dizer, mas havia um estranho senso de conforto em estar caminhando ao lado de Imogene.
Após algumas horas de caminhada, Imogene ponderou se deveriam parar e fazer uma fogueira, mas não tinha certeza de quão seguro seria isso. Não tinha certeza também, de quantas horas de claridade tinham pela frente antes de chegar ao próximo povoado, ou se havia alguém as seguindo. Optou por continuar caminhando por mais algum tempo, sem dizer nada. Elas haviam alcançado uma estrada havia algumas horas, mas para bem ou para mal, ninguém havia passado por ela até então. Ela apenas tinha esperança de encontrar comida ou água logo, porque sabia que nenhuma delas aguentaria muito mais tempo.
Um baque surdo tomou sua atenção. Ayleen havia caído na relva da beira da estrada e Imogene imediatamente inclinou-se até ela para ajuda-la a levantar.
-Eu acho que minhas pernas não querem mais me obedecer – disse a loira um pouco frustrada. – Sinto que meus pés estão do tamanho de melões. Acha que podemos parar um pouco?
Imogene não tinha certeza se conseguiriam continuar se parassem. Elas precisavam encontrar abrigo e logo. Se ao menos conseguissem um cavalo, tudo seria mais fácil, mas a sorte parecia não estar ao seu lado. Calculava que deveriam estar nas redondezas de Plymouth no momento. Por um momento lamentou não ter pegado a estrada costeira para Glastonbury junto de Bae, mas o caminho era mais difícil sem uma carruagem ou um cavalo seriam dois dias se caminhada. Calculava que chegaria a Devon com mais meio-dia de caminhada, isso é, se aguentassem caminhar.
Repentinamente um barulho novo chamou a atenção. Um tremor ainda longínquo, mas inconfundível. Eram cavalos.
Ela ajudou Ayleen a levantar e a conduziu para a vegetação ao lado da estrada. Não era seguro ficar ali sem saber quem vinha lá longe. Poderiam ser mercenários, ladrões. Poderia também, ser ajuda, mas não parecia sábio ficar para ver. Postaram-se atrás de uma vegetação fechada o suficiente para ocultarem-se atrás de ramos e folhas.
Quando o trote se tornou mais alto, indicando que quem quer que fosse se aproximava, ela percebeu que não se tratava de apenas uma pessoa. Dois cavaleiros usando capas tomavam a frente enquanto três guardas reais os seguiam na retaguarda brandindo maças e espadas. Era claramente uma fuga e isso fez com que instintivamente Imogene quisesse interferir, pois as pessoas da dianteira aparentavam estar em desvantagem. Mas precisava fazer isso de modo inteligente. Olhou ao seu redor tentando avaliar seus recursos e viu um tronco caído perto da vegetação. Com dificuldade, tentou erguê-lo. A madeira não era tão densa a ponto de a tarefa ser impossível, mas também não era leve para ser erguida com facilidade. Talvez, se tivesse sorte, seu plano poderia dar certo.
-Gen, o que você está tentando fazer ? – perguntou Ayleen, mas apenas recebeu um sinal para que ficasse em silêncio escondida – Pelos deuses, você vai se machucar.
Usando toda o peso do seu corpo, ela conseguiu posicionar o tronco na vertical de modo que ela própria ainda ficasse oculta em meio aos arbustos. Agora era apenas uma questão de sincronia.
Quando os dois primeiros cavaleiros passaram, ela impulsionou seu corpo empurrando o tronco para frente e fazendo-o cair pesadamente na estrada. Os três cavaleiros restantes foram pegos de surpresa quando suas montarias, assustadas, empinaram diante do baque e se recusaram a seguir. Os cavalos relinchavam ferozmente diante do susto que o obstáculo repentino lhes havia causado, e os guardas, confusos e furiosos, desmontaram de imediato para ver o que tinha acontecido.
Imogene tinha confiança o suficiente de que – pelo menos outrora – conseguiria facilmente subjugar os três homens. Isso garantiria os cavalos que precisava para chegar a Devon, mas também implicava em se expor diante de Ayleen. Ela engoliu em seco, ciente de que precisava pensar rápido sobre o que faria, pois poderia não ter outra chance.
Ela sinalizou para que a Ayleen permanecesse escondida e passou o tecido do manto batido que tinha sobre seus ombros ao redor da espada, escondendo-a, e saiu dos arbustos, cambaleando e usando a espada para se apoiar. Ergueu uma mão, acenando para os guardas.
-Você! Quem é você ? – gritou um deles.
-Seu idiota, foi ela quem nos emboscou!
-Você está maluco, como uma mulher manca seria capaz de jogar uma árvore inteira na estrada?
-REVISTE-A. – gritou o terceiro que parecia ter algum tipo de hierarquia maior entre os três.
Um dos homens se aproximou de Imogene, o suficiente para que ela num movimento tão rápido que ele mal pôde ver, sacou a espada e lhe empalou o abdômen com ela. Ela sabia nesse momento que não havia muito mais o que ser feito, precisava derrubar mais dois homens e só poderia fazer isso lutando. Eles se aproximaram dela, ameaçadores, um deles segurando uma pesada maça e outro com uma espada, ambos a cercando. Ela recuou alguns passos, tentando conduzi-los para longe dos arbustos onde Ayleen ainda se escondia, antes que a loira resolvesse saltar dali e intervir para tentar salvá-la, pois isso era algo muito provável dela fazer, mesmo sem saber nada sobre como segurar uma arma. Quando não via uma alternativa senão partir para a luta, os homens caíram para frente, diante de seus pés, cada um com uma flecha espetada na nuca. Imogene arregalou os olhos e fez uma careta, pensando sobre que jeito horrível era aquele de se morrer, e olhou para frente. Os dois cavaleiros que estavam em fuga, tinham voltado e finalizado os soldados pelas costas.
Eles cavalgaram até onde Imogene estava e desmontaram. Um deles era um pouco mais alto e encorpado, e se dirigiu até ela, tirando a capa que usava e mostrando seu rosto. Era um rapaz de pele bronzeada, atarracado e de cabelos castanhos claros, bastante sujos, quase na altura do ombro. Seu rosto estava sujo de terra e sangue.
-Você nos ajudou. – disse ele, chutando um dos guardas, para certificar-se que estava de fato morto. – Quem é você?
-Eu sei quem ela é – disse a outra figura encapuzada, desmontando do cavalo e caminhando até ela. Ela tirou a capa, revelando um rosto conhecido por Imogene – Eu vi essa garota crescer. Olá Imogene .
Ayleen cambaleando saiu dos arbustos praticamente se arrastando de exaustão, fome e fraqueza.
-Rana! Pelos deuses – exclamou a loira com as forças que lhe sobravam. – Você conseguiu fugir.
-Parece que a sorte nos sorriu! Veja se não é a maldita rainha! – rosnou o primeiro homem, com um sorriso furioso, agarrando Ayleen pelo seu corpo frágil e segurando a espada em seu pescoço.
-NÃO!!!! – gritaram Rana e Imogene em uníssomo.
-Enoch, não faça isso – continuou Rana. – Não é pra isso que eu aceitei te acompanhar, espere!
O homem tinha fúria nos olhos e não parecia querer recuar de sua intenção de machucar, ou pelo menos capturar Ayleen. Desesperada, Imogene interveio.
-Não faça isso. – Ela disse, olhando para uma Ayleen assustada e confusa. – Ela não é a rainha. Ou pelo menos nunca quis ser. Nenhuma de nós dá a mínima para o Reino de Agur. Por favor, solte-a.
-E como saberei que você não diz isso apenas para que eu a deixe ir?
-Enoch, é verdade. Eu conheço as duas desde que eram criança. Ayleen se tornou rainha para impedir mais matança. Ela nunca concordou com as ideias de Agur. E Imogene é nossa aliada. Olhe para o pescoço dela. Por que uma aliada do rei usaria um colar druida?
O homem baixou a espada e relaxou o corpo, soltando a loira. Imogene olhou para o próprio colar, entendendo finalmente o motivo de Muirne ter lhe dado o objeto.
-Por que nos ajudou? – inquiriu o homem.
-Eu não sabia quem eram. Vocês pareciam em apuros. E eu queria os cavalos deles – respondeu ela apontando para os três soldados mortos. – Rana, não sei se Devon é o lugar mais seguro para Ayleen, mas eu preciso chegar lá.
-Estamos indo para lá também. Eu preciso entregar uma mensagem para a resistência. Mas não é seguro irmos para a Fortaleza, não sabemos quais dos homens lá são fiéis a Agur.
-Resistência? Mensagem? Por que eu tenho a sensação de que eu sou a única que não sabe o que está acontecendo? Imogene, quando você se tornou tão eloquente? Quem é Enoch? – Ayleen estava cansada, confusa e assustada, mas agora também sentia irritação.
-Nós precisamos conversar e eu prometo te explicar quando sairmos da estrada. Mas agora precisamos de abrigo, comida e segurança, tudo bem?
-Tudo que posso dizer é que Enoch não é o inimigo. – disse Rana – Ele estava junto com o grupo que atacou o castelo, mas eles não são os inimigos. Eu prometo que vou explicar tudo depois. Vocês conseguem cavalgar?
Imogene segurou as rédeas de um dos cavalos que pertenciam a um dos guardas mortos e o puxou para perto, montando-o e oferecendo a mão para que Ayleen fizesse o mesmo. Ela posicionou Ayleen em sua frente, de modo que a loira conseguisse encostar-se nela e não caísse. Ela não tinha certeza se no estado de exaustão que a amiga se encontrava, às beiras de uma hipotermia, se ela conseguiria segurar-se direito montando na parte de trás.
Voltando para a estrada, seguiram-se todos para Devon, aonde em cerca de duas horas deveriam chegar agora que tinham montarias.
-Me desculpe – sussurrou Imogene no ouvido da loira enquanto cavalgavam. – Eu prometo que explicarei tudo quando estivermos em segurança.
-Ah, você realmente tem muito a explicar. – Ela disse e fechou os olhos, deixando-se ser embalada pelo movimento do cavalo.