Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

-Me ensine a usar o arco.

Foi com essas palavras que Ayleen quebrou o silêncio que perdurava um longo tempo à mesa do salão principal da taverna. Era tarde da noite, os clientes já haviam ido para casa e os últimos bêbados importunos já haviam sido expulsos. A cozinha já havia sido arrumada, os odres vazios de vinho levados para fora e agora uma pequena vela queimava num castiçal improvisado a partir de uma garrafa velha em cima de uma das mesas de madeira.

Na mesa também se encontravam alguns mapas de onde Imogene levantou os olhos desconfiada após ouvir aquela afirmação. Não era um pedido. Era, de fato, uma afirmação. Talvez até mesmo uma ordem.

A morena retorceu um pouco os lábios, dobrou cuidadosamente o mapa que analisava e o colocou de lado com a caneca de vinho que havia esvaziado havia alguns bons minutos. Já havia passado bastante tempo analisando aquele trabalho de cartografia rudimentar para ter uma ideia sólida de quais seriam as rotas pelas quais Agur poderia chegar com o resto do seu exército. Também havia analisado cuidadosamente possíveis locais onde a geografia favoreceria uma barricada. Talvez uma barricada com explosivos fosse uma boa ideia, afinal a ideia de ver Agur se despedaçando pelos ares era algo que ela contemplaria deliciosamente, mas isso, uma barricada, seria uma declaração de guerra direta ao tirano, o que colocaria em risco a vida de muitas pessoas em Devon. Ainda que combalido pelas batalhas insanas nas quais ele os atirava, ou pelos ataques dos rebeldes da resistência à Cornualha, Agur ainda tinha um exército, e ela, não. O que ela tinha afinal? Nem mesmo tinha a noção do número de cidadãos que faziam parte da resistência, das suas habilidades de combate e de que tipo de recurso, efetivamente poderiam dispor. Se existia alguma chance de impedirem que Drachen continuasse capturando pessoas inocentes para vender como escravos e matando quem ousasse se colocar em seu caminho, essa chance era baseada em estratégia e não em enfrentamento direto.

Ela levantou os olhos e piscou algumas vezes, com o olhar um pouco cansado, despertando de seu próprio fluxo de pensamento.

-O que disse?

-Você precisa me ensinar a usar o arco.

Ayleen estava falando o estritamente necessário com ela desde a discussão que tiveram e isso a deixava bastante triste, mas não podia negar que, também a irritava. Era a primeira vez que a loira abria a boca espontaneamente nas últimas horas que não fosse para responder uma pergunta sua, então, se ela havia tomado a iniciativa de falar, ou mesmo ordenar, talvez fosse de bom tom aproveitar a oportunidade. A questão era: como? Perguntar a motivação de Ayleen parecia estúpido. Recusar, mais estúpido ainda. Aceitar, talvez fizesse algum sentido, mas ainda assim lhe traria um certo número de preocupações que ela não sabia se conseguiria lidar no momento. Imogene estava encurralada. Não por um guerreiro, não por um exército, não por uma fera selvagem. Por uma loirinha de pouco mais de um metro e meio que, se ela fosse bastante honesta consigo mesmo, admitiria que poderia lhe assustar mais do que as três coisas juntas.

-Ou talvez uma balestra – disse a loira interrompendo o silêncio novamente para o alívio de Imogene – Não acho que eu me daria bem com uma espada.

-Certo. Vamos começar com um arco.

Ayleen lhe olhou com os olhos um pouco apertados em desconfiança e surpresa. Achava que a afirmação levaria a mais uma discussão, e talvez internamente, alguma partezinha de si estivesse ansiando por isso, por uma fagulha de atrito, porque ainda se sentia ressentida com Imogene.

-Tudo bem. Amanhã pela tarde então. Na parte de trás do depósito?

-Amanhã pela tarde. – Concordou a morena, um pouco reticente e um pouco temerosa em fazer a próxima pergunta, mas sabia que não teria abertura para isso tão cedo novamente.  – Ayleen…você não vai me falar sobre seu plano?

-Boa noite Imogene – disse levantando-se do banco e se retirando em direção ao quarto.

—–

Na luz suave do entardecer, o campo de treinamento improvisado estava envolto em uma aura dourada, destacando as figuras das duas mulheres. Um enorme monte de feno e palha havia sido amontoado nos fundos da taverna e um alvo, um pouco torto, havia sido desenhado com carvão. Ayleen segurava um arco da maneira que achava ser a mais correta e esforçava-se para tensionar a corda enquanto sua mão tremia. As primeiras flechas haviam caído miseravelmente em sua frente sem impulso nenhum. A meia dúzia seguinte havia sido disparada de verdade, mas longe de acertar o alvo pretendido. Imogene só podia agradecer por não haver nada mais que um muro de pedras atrás da estrutura que haviam montado e por nenhum inocente poder se machucar nesse momento.

-Você está movendo o ombro. Mantenha-o firme.  – Dizia enquanto observava a loira tentar seguir os passos que ela lhe dava – Use o cotovelo e não os músculos do seu antebraço. Puxe a corda até que ela fique alinhada ao seu queixo e… solte.

A flecha havia acertado uma pobre abóbora inocente há pouco mais de um metro e meio do alvo enquanto a pretensa atiradora soltava um gemido de frustração e batia o pé no chão.

-Pelos deuses.

-Olha, o arco nunca foi minha maior especialidade. Talvez …

-Eu acho que seria muito mais fácil com uma balestra – disparou a loira. – É menor, requer menos esforço e…

-É mais letal, você atira para matar, e leva um longo tempo pra recarregar, te deixando vulnerável. Ou seja, se você hesitar ou errar a pontaria, vai dar abertura para que cheguem em você e te finalizem. O que acha de um cajado?

-Não quero pastorear ovelhas, Imogene. Quero ser útil em combate.

A morena girou os olhos e suspirou, tentando encontrar paciência e serenidade, pois não queria iniciar uma discussão agora. Ainda se sentia culpada por ter mentido para Ayleen, ainda que em sua cabeça, fizesse sentido ter mentido para protegê-la, mas já havia se questionado bastante se havia tomado a decisão correta ao fazer isso. Precisava reconquistar a confiança da amiga. Ela foi até Ayleen, pegou o arco em suas mãos e se posicionou, mostrando o jeito certo de fazê-lo. Seus movimentos eram fluidos e precisos como os de uma dançarina, e embora sua forma física ainda não estivesse tão boa quanto costumava ser há anos, devido a todo o tempo que passou fingindo estar debilitada, sua indiscutível habilidade era notável. O jeito como se firmava no chão, cada pé no local exato, afastados apenas o suficiente para garantir a estabilidade do seu corpo, o jeito que posicionava seu ombro fixo com um braço e com o outro, tensionava a corda do arco o suficiente até perto de seu queixo, o jeito com que seus olhos azuis se travavam no alvo, se apertando levemente, agora parcialmente ocultos por alguns fios de uma franja longa e um pouco teimosa que emoldurava seu rosto angulado absurdamente belo, o movimento sereno e ritmado de sua respiração até o último segundo quando a prenderia e deixaria a flecha voar, atingindo o alvo de maneira impecável.

Ayleen queria poder dizer que havia prestado atenção em toda a técnica e na flecha voando com precisão, mas seus olhos ainda estavam fixos em Imogene e sua respiração estava pesada como se alguém tivesse roubado parte do ar que ela deveria respirar.

-Sua vez. – disse, virando-se pra trás e despertando Ayleen, que se lembrou finalmente de respirar apropriadamente ignorando a sensação de boca seca e o calor absurdo que sentia queimando em seu peito nesse momento.

-Eu… – ela começou sacudindo os braços levemente, como se isso a ajudasse a dissipar um pouco das sensações – Eu não sei se…talvez devamos parar por hoje. Nós precisamos ajudar Edalyn, os clientes logo vão começar a chegar e a resistência logo vai se reunir no porão para…

-Pararemos quando você acertar o alvo. Tente novamente.

-Pra isso vamos ficar aqui até a madrugada, pelos deuses.

-Certo, me contento com quase o alvo. Vá em frente.

A loira olhou o arco na mão estendida de Imogene, ainda hesitante em pegá-lo.

-Venha cá – disse a morena lhe segurando pelos ombros e a conduzindo para o local onde ela mesma estava momentos antes. Ela afastou suas pernas com a ponta da própria bota, mostrando como deveria firmar sua pisada e passando os braços ao redor do corpo menor de Ayleen, segurou seus braços de maneira suave, os posicionando corretamente. Imogene não pode deixar de perceber que a pele dos braços da loira estava toda arrepiada e ainda que quisesse desesperadamente fazer um comentário brincalhão sobre isso, sabia que ainda não tinha esse direito. No entanto, não havia causado aquilo de maneira intencional, até então. Segurando a cintura de Ayleen por alguns segundos a mais do que era realmente necessário, ajustou sua postura, fazendo o trajeto com sua mão até a escápula e apertando levemente a região ao checar o tensionamento da puxada.

-Relaxe – disse de maneira intencionalmente baixa e mais grave, chegando com sua boca bastante perto do ouvido de Ayleen e percebendo em seguida os cabelos curtos da nuca da aprendiz se eriçarem. Ela podia sentir a respiração de Ayleen acelerando e tinha certeza que os batimentos dela haviam subido consideravelmente também, porque afinal, os seus próprios batimentos também haviam se descontrolado levemente. Que grande guerreira, pensou consigo mesma. Posicionando novamente as mãos na cintura de Ayleen, mesmo que confessasse pra si mesma que isso não seria necessário, continuou. – Agora posicione a flecha, e use três dedos para segurá-la de leve na corda, deslizando o indicador sobre a haste. Quanto mais você puxar, mais preciso será o disparo. Use seus ombros, não o antebraço.

Ayleen tentava ao máximo se concentrar nas instruções e fazer tudo certo, chegava a ser uma questão de orgulho, mas seu próprio corpo lhe traía. Cada toque de Gene, era carregado de uma energia intensa, os dedos roçando levemente contra a pele dos braços dela, enviando arrepios pelos seu corpo todo e sua própria respiração irregular. Como raios haveria de controlar sua respiração para acertar o alvo nessas condições. Apesar da distância emocional que ainda existia entre elas, naquele momento, se havia alguma razão para ela estar zangada com Imogene, era por estar tornando a sua tarefa de se concentrar tão difícil. Ela suspirou um pouco frustrada, o que não passou despercebido.

-Certo… – continuou Imogene, com uma voz intencionalmente mais rouca e grave, falando perto o suficiente do pescoço da loira para ela sentir sua respiração quente. – Eu te desafio a acertar…quase o alvo.

-O que eu ganho se vencer o desafio? -indagou, com a voz mais animada do que gostaria de soar.

– Eu não sei. Você pode escolher qualquer coisa que queira, depois. – disse com os lábios quase encostando na orelha da loira.

– E se eu não conseguir? – perguntou, desconfiada.

-Você me conta seu plano. – disse Imogene, afastando-se abruptamente e levando consigo todo o ar quente e a energia densa que havia envolvido o corpo de Ayleen até então. Claro, ela não iria desistir, Imogene nunca desistia. Acertar aquela flecha agora era crucial. – Agora dispare.

E Ayleen disparou.

Nota