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No limiar entre o mundo dos vivos e o dos mortos, Xena observava Gabrielle a bordo do navio, sua presença espectral pairando silenciosamente. O peso de seu sacrifício – a escolha de morrer para salvar 40 mil almas – era uma sombra constante, uma decisão que deveria lhe dar paz, mas continuava a atormentá-la mesmo após a morte. “Fiz o que tinha que ser feito”, pensava Xena, mas a dor de Gabrielle, visível mesmo de outro plano, fazia-a questionar se o preço pago não fora alto demais.

À noite, deitada sob as estrelas, Gabrielle revivia cada momento com Xena – o calor do seu abraço, a força das suas palavras, o eco das suas risadas. Agora, tudo isso parecia um sonho distante, uma lembrança de um tempo melhor.

Xena, observando de seu plano etéreo, sentia cada onda de dor que atravessava o coração de Gabrielle. “Será que ela algum dia entenderá?”, ponderava Xena, lutando contra a impotência de sua forma espectral. Ela refletia sobre os inúmeros desafios e perigos que enfrentaram juntas – as crucificações, envenenamentos, batalhas contra demônios e arcanjos. Cada um desses momentos havia fortalecido seu vínculo, mas agora, esse mesmo vínculo parecia ser a fonte de uma dor inconsolável para Gabrielle.

Gabrielle questionava-se sobre as 40 mil almas, tentando entender a lógica por trás do sacrifício de Xena. “Por que as almas delas e não a nossa vida juntas?”, ela se perguntava, perdida em um mar de dúvidas e luto. Ela se recusava a acreditar que Xena tivesse se sacrificado apenas por manipulação, que todo o amor e lutas compartilhadas pudessem ser apagados por um único ato.

Xena, sentada solitariamente em seu plano de existência, desejava poder confortar Gabrielle, dizer-lhe que seu amor sempre permaneceria, que o sacrifício tinha sido por um bem maior. Mas ela sabia que palavras não poderiam preencher o vazio deixado por sua ausência. Tudo o que podia fazer era observar e esperar que Gabrielle encontrasse algum consolo, algum entendimento nas ondas do destino que continuavam a levá-las por caminhos separados.

Os seres humanos haviam sido criados com quatro braços, quatro pernas e duas faces. Mas tentaram invadir o Olimpo e Zeus os dividiu ao meio com um raio. E foi assim que passaram a tentar se completar. Xena era a metade de Gabrielle e Gabrielle era a metade de Xena. Como poderiam sobreviver ao desafio de mais uma vez estarem uma viva e outra morta? Dessa vez tudo parecia tão permanente… tão mais difícil… porque Xena tinha que permanecer morta para que as 40 mil almas tivessem paz, disseram.

“Eu preciso seguir em frente e honrar esse legado” foi o pensamento de Gabrielle no meio da madrugada seguido de um “Caralho! Como foi que você se meteu nisso?” …é… Gabrielle seguia confusa, pensou Xena, mesmo eu estou confusa… , pensou ela. E então resolveu sentar ao lado de Gabrielle na cama e tentar conversar.

_ Gabrielle, consegue me ouvir?

_ Oi Xena… como está aí do outro lado?

_ É… não é a mesma coisa sem você…

_ Aqui também anda tudo calmo…

_ Você sabe que estou aqui, não sabe? Que te amo e que estarei sempre ao seu lado por toda a eternidade e todas as nossas vidas, não sabe?

_ Eu sei Xena. Mas por quê? Por… quê?

_ Eram quarenta mil vidas…

_ Eu sei que estou sendo egoísta, mas não entra na minha cabeça que isso tenha sido sua culpa. Você entende isso?

_ …

_ Você entende Xena?

_ … Gabrielle…

Gabrielle começou a esmurrar o travesseiro, ela dormia sozinha na cabine, mas os sons eram ouvidos por seus vizinhos de navio, eles não viam Xena como ela. Mas pra eles, era um processo de perda que ela estava passando e então eles tentavam compreender. Mesmo porque, ela era uma exímia guerreira e ninguém se atreveria a perguntar se estava perdendo o juízo. Enquanto ela socava travesseiros e chorava num misto de não aceitação, raiva e uma dor imensa, Xena tentava lutar com a sua incorporeidade para tentar abraçá-la. Era doloroso para Xena também, ela permaneceu morta para dar paz a 40 mil vidas e se perdoar, mas a dor de Gabrielle a fazia sentir-se arrependida dessa decisão. Mas ela não podia voltar atrás agora. Ela abraçou Gabrielle ao seu modo e Gabrielle abraçou um travesseiro pra conseguir sentir algum conforto na tentativa de abraço.

_ Odeio Akemi
_ …

_ Você não me deixou morrer Xena. Se eu tivesse morrido pelo menos estaria com você agora, por que não me deixou morrer? por que??

Xena não conseguia falar, não havia o que falar. Como ela falaria algo, como você responde a uma pessoa enlutada que não consegue aceitar a situação? Você só senta ao lado dela e permite que ela chore e desabafe, não há o que fazer. Isso fazia com que ela sentisse a dor de Gabrielle tão profundamente quanto ouvia os pensamentos dela. Esperava pelo bem de ambas e pelo Bem Maior, que o processo de luto seguisse seu rumo. Xena não havia seguido sua jornada no plano espiritual para ficar ao lado de Gabrielle, lhe dar forças, entretanto, sua escolha não lhe trouxe a paz que ela buscava e ela não tinha certeza de que trouxe paz para quarenta mil pessoas. Vendo o sofrimento de Gabrielle no navio, ela tinha certeza de que o sofrimento da pequena era maior para si do que a paz dos outros. Pode parecer egoísta, mas tudo que ela tinha era a palavra de Akemi e uma única alma que lhe agradecera pelo sacrifício.

Mas, sacrificar-se neste caso era abrir mão de continuar defendendo as pessoas, como Guerreira, e ela deveria seguir o caminho do Guerreiro. As dúvidas se aglomeravam em sua mente. Fez de fato a melhor escolha? Xena ponderava e se questionava, mas agora parecia tudo tão permanente…

_ Gab.. Gabrielle, consegue me ouvir?

_ ..consigo.. – Gabrielle olhava para ela com olhos fundos e inchados, de quem dormia pouco e chorava muito.

_ O que você sente quando pensa no meu sacrifício? Seja honesta, eu preciso saber.

_ Eu sinto que você foi manipulada e que isso era só para que você permanecesse morta Xena. Não fazia sentido nada daquilo… ainda mais depois de tantos anos e tanto tempo. Você já fez muito por Callisto, ficar se sacrificando toda vez que o seu passado aparece para te condenar não parece muito… você…

Xena, sentada de maneira espectral no ar ao lado de Gabrielle colocou a mão no queixo reflexiva. “Gabrielle amadureceu muito nos últimos anos, não é mais a jovem que me seguiu de Potédia, aliás, ela é uma grande rainha amazona, é uma grande barda, é uma guerreira incrível e é a pessoa que mudou meu coração… e se estiver certa?”

_ Precisamos… precisamos descobrir mais sobre isso Gabrielle. E se você estiver certa, precisamos me tirar daqui.