Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Foi quando o sol atingiu o meio do céu que a escuridão gradualmente começou a tomar conta, a princípio como uma atmosfera de um simples dia no qual uma tempestade chega de fininho transformando o dia em noite, exceto que dessa vez era um fenômeno um tanto mais raro.

Carregando meu arco nas costas, acompanhei Imogene para dentro do palácio através de mais uma de suas tantas entradas secretas. Não que eu não conhecesse totalmente as instalações do local onde passei o final da minha infância e toda a minha adolescência, mas ela, com sua natureza exploratória, sabia de cada centímetro por onde poderíamos nos esgueirar sem sermos percebidas. Dessa vez, foi uma pequena porta que dava acesso à dispensa ao lado da cozinha, por onde os caixotes de comida confiscada e os barris de bebida eram estocados.

Ao passar pela cozinha, encontramos algumas cozinheiras e serviçais do palácio atarefadas, mas elas não eram um problema. Eram nossa gente. Imogene sussurrou para uma delas explicando o que estava prestes a acontecer e a mensagem foi sendo passada de uma a uma. Não era justo que fossem pegas em fogo cruzado.

Corremos furtivamente para a ala leste do palácio, onde ficavam parte dos dormitórios dos servos. Ainda precisávamos percorrer mais alguns bons metros e alguns lances de escada para chegarmos até Agur, mas antes disso, alguns preparativos eram necessários. Adentramos um dos quartos e Imogene me entregou um dos embrulhos que carregava e tirou de uma sacola um pote cerâmico com lama preta. Cobrimos a pele dos nossos rostos e braços com a lama, e de cada embrulho tiramos uma pele de lobo, com cabeça e tudo. Eu já havia visto alguns xamãs usarem uma indumentária semelhante, mas nunca pensei que eu mesma usaria uma. Coloquei a pele sobre minhas costas e braços, amarrando-a com tiras de couro, e vesti a cabeça dela como um capuz. Não era algo confortável, era pesado, causava coceira e tinha um cheiro desagradável, mas era o que precisávamos no momento. Antes de sair, olhei pelo vidro fosco da janela daquele quarto e percebi que lá fora ficava cada vez mais escuro.

Quando saímos, tínhamos a noção de que precisaríamos ser ainda mais furtivas, já que com as novas indumentárias seria mais fácil ainda chamar a atenção, mas o palácio estava estranhamente silencioso, exceto por uma correria e burburinho que se ouvia de longe.

Subimos as escadas para o piso superior e apenas um longo corredor nos separava dos aposentos de Agur. Caminhamos devagar nos escondendo atrás de estátuas e de recuos presentes no corredor, e aguardamos por alguns minutos até que ouvíssemos um sinal. O vitral embaçado do final do corredor não nos deixava ver nada lá fora, mas era possível notar que a escuridão começava a tomar conta quase totalmente.

O barulho de uma corneta de guerra ecoou, seguido do som de estilhaços por todo o local. Era o sinal que esperávamos. Se tudo estava ocorrendo conforme o planejado, os nossos guerreiros da resistência haviam começado a atirar bombas de fumaça pelo palácio todo, e enquanto alguns se ocupavam em evacuar os inocentes para que ninguém se ferisse, outros desarmariam os homens de Agur.

Imogene colocou a mão no ferrolho da pesada porta do quarto de Agur, sua respiração era pesada e sua outra mão estava no cabo da espada. Tive que segurar minha exclamação de surpresa quando fomos pegas no flagra pelo apotecário saindo do quarto, mas a visão de nós duas com aquelas peles de lobo devia ser tão pavorosa que o próprio homem quase soltou um grito. Imogene apenas sinalizou que ele fizesse silêncio e deixou que o homem passasse corredor à fora. Agur estava sentado em uma poltrona na frente da porta da sacada de costas para nós. A noite havia terminado de se instalar em pleno começo de tarde, apenas alguns candeeiros no quarto de Agur, que outrora fora o quarto do casal Callaghan, iluminavam o local, não havia nenhum guarda e parecia tentadoramente fácil apenas matá-lo ali mesmo, mas não era para isso que estávamos ali. Nos aproximamos silenciosamente e na penumbra era possível ver um leve tremor naquele homem.

Tuomme kuoleman päällesi, tuhoat yksin” sibilou Imogene, baixo o suficiente para soar aterradora, mas alto o suficiente para que ele a ouvisse. “Nós trazemos a morte sobre você. Você perecerá sozinho”.  Agur levantou-se da poltrona em sobressalto, apenas para cair ao chão em seguida, atônito.

Começamos a nos movimentar como se estivéssemos numa coreografia improvisada, de maneira quase feral, emitindo sons guturais que faziam os olhos de Agur se arregalarem. Honestamente eu não pensei que tal plano daria certo, mas o homem parecia verdadeiramente em pânico, o que me fez duvidar seriamente de sua sanidade naquele momento.

Ssssköll – sibilou Imogene.

Haaaati – sussurrei eu me aproximando dele e vendo gotas de suor frio brilhando em sua testa coberta de cabelos desgrenhados. Vê-lo em pânico era revigorante. Um tirano que na maior parte do tempo estava no alto de um pedestal onde ele mesmo se colocou, quase molhando as calças como uma criança assustada por dois personagens de uma fábula nórdica.

-Nós roubamos a luz e trouxemos a escuridão para o seu reino. Você perecerá sozinho nas trevas, Agur Drachen II.

– Por favor, não. – Suplicava ele com as mãos na frente do corpo.

-Eu sou Sköll, aquele que zomba da sua covardia. – disse Imogene se aproximando do ouvido do homem.

-E eu sou Hati, aquela que odeia a sua tirania. – Sussurrei eu, chegando pelo outro lado.

-A sua terra cairá em desgraça e vergonha.

-E o céu desabará sobre você.

-Você morrerá sozinho.

-E odiado.

-E nenhuma Valquíria te levará, pois você será motivo de repulsa.

Cada frase era dita enquanto nós duas o cercávamos, andando em círculos, como dois lobos encurralando sua presa.

-E-eu lutei em nome dos deuses. Eu… Eu fiz de tudo em nome de Odin. – Clamava o covarde com seus olhos agitados, como se visse mais coisas naquele quarto do que apenas nós duas. A pele de seu rosto estava ruborizada e coberta de suor e seus olhos estavam levemente opacos.

– Você humilhou e oprimiu e assassinou. Você não deu uma morte digna em batalha para seus oponentes, mas colocou grilhões nos braços e pernas deles os impedindo de lutar. Você se banhou no sangue de inocentes.

-Você envergonha os deuses e os seus ancestrais. Corrija seus atos pérfidos, ou apodreça sozinho na escuridão.

-Por favor, por favor, por favor  –  disse dobrando seu corpo ao chão e colocando as mãos sobre a cabeça – O que eu preciso fazer? – suplicou.

Quebre os grilhões dos seus inimigos. Deixe-os lutar com dignidade, ou morra você em desgraça e vergonha.

-Seres humanos não tem preço, Drrrrrachen. Seu ouro fede a sangue e desonra.

-Foram os romanos, os romanos iriam nos invadir, eu apenas barganhei e…

COMO OUSA SE ABSTER DA SUA CULPA, CRIATURA TOLA E COVARDE? – Bradou Imogene num tom de voz tão alto e gutural que eu mesma estremeci. Olhei para a janela por alguns segundos e vi um tom avermelhado começando a aparecer no horizonte lá fora. Se queríamos terminar esse ato com algum sucesso, era hora de lançar a cartada final.

Assine o decreto. Liberte seus prisioneiros e nunca mais ouse cobrar ouro pela vida de outro ser humano.

-Ou sofra a fúria nos dentes de Fenrir. – Concluiu Imogene, agarrando o homem trêmulo pelos ombros e o erguendo com uma facilidade tamanha, que eu só podia julgar ser fruto do ódio que sentia. Ela o atirou para a cadeira na frente da mesa ao canto do quarto. Com as mãos trêmulas e suadas e olhos apertados na penumbra Agur pegou a pena e escreveu uma dúzia de linhas decretando a soltura de todos os escravos e o fim da venda deles para os romanos. O pergaminho foi carimbado com o selo de cera da Agur, atestando a veracidade do decreto. Imogene lhe tomou o documento. O sol voltava a aparecer lá fora. Na cabeça perturbada e confusa de Agur, Sköll e Hati, os dois lobos famintos haviam soltado o astro rei, deixando o dia brilhar novamente e lhe poupando a vida.

Saímos dos aposentos abandonando o homem, para sermos encontradas por alguns soldados da resistência.

-Capturem ele e o joguem numa masmorra. Não deixem que ninguém veja o seu rosto. Ele não vai resistir agora, está completamente entorpecido por uma concentração cavalar de absinto e totalmente delirante.

-Absinto? Então era isso?

-Uma pequena cortesia do taverneiro, que eu e Aldrick preparamos.  – Disse ela sorrindo – Tinha erva o suficiente naquelas garrafas para fazer um urso gigante alucinar.

-Em nome dos espíritos… Eu…

-Imogene! A batalha está no fim, conseguimos tomar o palácio – nos interrompeu Enoch no meio do corredor enquanto chegava correndo arfando.

Imogene o fitou incrédula, sem entender como a briga poderia ter sido tão breve.

-Os guardas reais… – arfou Enoch – tinha algo errado com a maioria deles.

-Pelos deuses, então funcionou… – exclamei tão incrédula quanto Gene.

-Do que você está falando? – perguntou ela confusa.

– Eu e Edalyn… “temperamos” vários barris de vinho com uma dose superconcentrada de sene. Por isso a Taverna não abriu, pois não havia mais bebida pura para ser vendida. Além disso, enviamos um carregamento da planta para as cozinheiras do palácio e nos últimos dois dias elas vem “envenenando” os suprimentos de água usados pelos soldados e pelos homens de Agur. Claro que alguns servos acabaram consumindo também, mas elas tentaram impedir a maioria.

-Sene?

-A erva que você me ajudou a colher quando fomos no bosque naquela ocasião. Ela tem um efeito laxante muito, muito forte.

-Você derrotou um pelotão inteiro de guardas reais lhes dando DIARREIA?!?! – exclamou Enoch aturdido.

-Diarreia, fraqueza, cólicas, desidratação.

-Por isso os soldados estavam um trapo e não resistiram muito tempo na luta.

-Esse era o plano que você escondeu de mim esse tempo todo?! – me inquiriu Imogene me fitando com uma sobrancelha erguida.

-Eu achei que era tolice, nem mesmo sabia se daria certo, mas eu podia tentar, não? Eu não podia dizer, porque isso faria a resistência ir para a batalha confiante demais.

-Pelos espíritos, Ayleen – disse Gene colocando as mãos na cintura e rindo – Nem o Imperador Augustulus deve ser tão perverso.

Nota