Capítulo 4
por Officer KirammanPassado
Imogene subiu correndo a escadaria espiral que dava acesso à torre onde os aposentos do avô ficavam. Havia perdido as contas de quantas vezes havia feito aquele caminho de cara fechada quando criança, indo se consolar no velho Hedwyn após levar bronca por ter fugido do palácio para “fazer coisas de menino”.
O avô nunca lhe repreendera, ao contrário disso, lhe secava as lágrimas e contava as histórias que havia ouvido quando jovem. Contava sobre florestas pelas quais havia cavalgado montanhas que havia subido, inimigos que havia enfrentado. Contava-lhe sobre como tinha conhecido os druidas, falado com bardos que lhe cantaram canções sobre terras distantes. E acima de tudo, foi o avô quem lhe contou sobre o povo mais rápido do que o ar. Se a Imogene frágil de três anos antes tinha dado lugar a uma mulher guerreira, era graças à história que Hedwyn havia lhe contado.
Ela deu três batidas na porta e ouviu o avô mancar até a fechadura, abrindo. Os olhos azuis daquele rosto cheio de rugas emoldurado por cabelo branco como neve se apertaram na tentativa de se certificar quem realmente viam. Imogene abriu um sorriso e quando se preparava para saudar o velho, recebeu um tabefe bem dado na orelha direita.
-AI. – Reclamou – isso é jeito de saudar a sua neta que não te vê há três anos?!
-Pois deveria bater mais – disse o velho, largando de lado seu cajado que servia de bengala e lhe abraçando. – É o que merece depois de passar três anos sem mandar sequer uma ave com uma mensagem. Achei que tinha nos trocado pelo povo de olhos puxados. – disse soltando-a e dando passagem para que ela entrasse e sentasse num banco ao lado da cama.
O quarto não era muito grande, mas havia várias prateleiras cheias de livros. Numa parede, uma velha armadura e espada há muito aposentados e ao lado dela, uma mesa com vários pergaminhos.
-Você sabia onde eu estava? – Imogene indagou perplexa.
-É claro que eu sabia! Toma-me como tolo? – o avô lhe deu outro tapa de leve em sua orelha ao qual ela tentou desviar sem sucesso – Depois de eu ter contado aquela história, para onde mais você iria?
-Mas… Por que você nunca disse nada ao papai?
-Porque ele mandaria uma patrulha para lhe trazer de volta, por todos os deuses! E então você fugiria de novo, ou ficaria emburrada como um Leprechaun sem o pote de ouro.
-Obrigada.
-Mas isso não é desculpa para não ter dado notícias. Você podia muito bem ter enviado um pergaminho sem revelar onde estava. Espero que pelo menos tenha valido a pena. – bufou o velho.
-Tenha certeza que sim, vovô. Os homens do meu pai nunca quiseram me ensinar nada. Pois bem, agora talvez seja eu quem deva lhes ensinar algumas coisas.
-Não se vanglorie – outra tapa leve na orelha lhe atingiu. – Um guerreiro contando vantagens de suas habilidades é um alvo fácil e tolo. Seja humilde o suficiente para entender que o aprendizado não terminou. Ser um guerreiro não é apenas ter força e saber bater em outras pessoas.
-Eu sei, vovô. Não foi apenas isso que eu aprendi.
-Você ainda vai aprender que com poder, vem responsabilidades. E a responsabilidade às vezes vai exigir que você pondere antes de bater. Que se mostre humilde diante de um adversário, para conseguir derrotá-lo depois. E isso exige paciência. Eu espero que você tenha aprendido tudo isso, porque os deuses sabem que nós vamos precisar.
-Ao que se refere vovô?
-Nada importante. Apenas mantenha isso em mente.
-Você sabe de algo.
-É claro que eu sei de algo. – Ele tentou mais um tapa, mas dessa vez Imogene desviou e lhe fitou com um sorriso zombeteiro – Eu sou um velho, não um tolo. Eu não luto ou participo de conselhos hoje em dia, mas eu me arrasto por aí falando com pessoas. Com bardos, com druidas, com guerreiros, ferreiros e com profetas. Sim, profetas. Aqueles que todos vocês julgam como lunáticos, malucos, mas nas minhas décadas de vida eu já vivi o suficiente para saber que às vezes o que eles dizem se torna real. E eu te digo, Imogene, que os deuses nos ajudem, porque nós teremos de nos preparar para uma época difícil.
-Você acha que os romanos vão nos invadir? É a isso que se refere?
-Os romanos ainda estão longe, Imogene. Aparentemente o perigo está muito mais próximo, como um sabujo pronto para cravar os dentes nos nossos calcanhares.
-Por que você diz isso?
-Porque foi o que me contaram, por todos os deuses! – exasperou-se Hedwyn – Não é como se eu não quisesse saber mais! Mas profecias são como águas turvas. Você pode até enxergar, mas não sabe os detalhes do que elas guardam. E não, não me olhe com essa cara de quem está olhando para um velho caduco que não sabe do que fala. Dê algum crédito ao seu velho avô, afinal provavelmente vai ser a única a fazer isso.
-Talvez devesse dizer isso ao papai. Talvez ele possa fazer algo.
-Deidre não me escuta há anos. Para ele eu sou apenas um velho implicante que não serve pra mais nada.
-Isso não é verdade, você é o pai dele afinal.
-Um senhor de terras não pode baixar a cabeça para seu pai idoso, senão que respeito os homens dele teriam? – Hedwyn disse com sarcasmo.
-Mas vovô…
-O meu tempo passou, Imogene. Talvez a única coisa que me reste seja a sabedoria, e ela nem sempre é valorizada quando não se tem força para somar. Mas você ainda tem tempo, tem força e tem sabedoria, suponho. É por isso que eu preciso que você seja forte e saiba tomar decisões certas quando for necessário. E decisões certas nem sempre envolvem encher pessoas de pancada, que fique claro. E reze aos deuses para que seu avô seja apenas um velho caduco que não sabe do que está falando.