Capítulo 5
por Officer KirammanPresente
Havia poucas horas que o Rei Agur havia partido em direção ao porto, montado em seu cavalo de guerra, seguido por um grande grupo de homens e carruagens. Alguns civis davam vivas de encorajamento, orgulhosos do fato do seu Rei estar partindo em busca de conquista de mais territórios, mas outra parcela, a maior parte composta por mães e pais idosos, lamentava chorando a sina de tantos filhos que foram obrigados a integrar-se àquele exército desbravador.
Afinal, não parecia errado tantos jovens e tantos pais de família se entregarem à morte certa em nome de um Rei que lhes havia forçado a prestar um juramento de fidelidade? Os antigos cidadãos de Devonshire, agora parte da Cornualha sentiam a amargura da submissão, mas seria um erro dizer que essa mesma amargura não se estendia aos próprios habitantes da Cornualha original. A população se dividia no que dizia respeito à satisfação com o rei, por muitos motivos, mas era seguro afirmar que aqueles que não se sentiam incomodados eram porque haviam conseguido prestígio e garantias que a maioria, a plebe, jamais teria.
Ayleen estava sentada numa das sacadas do palácio com sua criada pessoal, Rana, ao seu lado. Ao mesmo tempo em que se sentia aliviada pela ausência do marido, se recriminava porque essa não era a postura que uma esposa devia assumir. Mas, além disso, sentia também o coração apertado porque no seu código moral não parecia justo o que aqueles homens faziam. Não achava que os deuses pudessem considerar certa a atitude de invadir um território, matando pessoas inocentes que não quiserem se submeter e pilhar suas riquezas em nome de uma guerra que ainda não acontecia. Era verdade que os romanos eram uma ameaça eminente, mas faria muito mais sentido que os territórios se unissem sem necessidade de matança – que incluía mulheres e crianças indefesas- e assim talvez conseguissem formar uma resistência muito mais forte contra o Imperador. Não, os deuses definitivamente não podiam aprovar algo tão horrendo. Pelo menos não os SEUS deuses, mas ela sabia que as origens de Agur eram outras. A realidade nórdica era muito mais violenta do que a celta e isso lhe fazia ponderar que um líder que entendesse a cultura local e ao menos respeitasse as crenças locais, seria muito mais apropriado ao cargo de Rei.
Tristemente Ayleen começava a entender que não havia um código de honra que pudesse impedir tantas mortes. Hoje seria Clauvegris, e no futuro saberiam os deuses quantos mais condados iriam sucumbir à fúria de Agur. Embora parte dos motivos pelos quais aceitara se casar com Drachen eram para garantir tal fato, ela começava a ver que a comunidade druida em Glastonbury não estava à salva da sede de poder do marido. Se ela realmente quisesse garantir a segurança daquele povo que significara tanto para sua família, talvez ela tivesse que tomar outras medidas.
Ela balançou a cabeça tentando por hora dissipar aquelas preocupações, pois nesse momento não havia nada que pudesse efetivamente fazer pra melhora a situação.
– Rana, você poderia, por favor, perguntar à guarda real ou às cozinheiras se eles viram Imogene? Não a vejo desde cedo, estou um pouco preocupada.
-Sim Milady. Mas não é apropriado que vossa majestade use, “por favor,” ao se dirigir à uma empregada. As pessoas do palácio vão encarar isso como fraqueza porque uma rainha não deve pedir, deve… Ordenar.
-Oh, pelos deuses – Ayleen suspirou exasperada – Você chegou no palácio Callaghan com o que? Uns vinte anos! Nós nos conhecemos há anos, desde que eu era uma menina. Eu não vou tratar rispidamente as pessoas que me servem porque é isso que esperam de uma rainha e, por favor, pare com essa coisa de “vossa majestade”.
Rana assentiu e saiu para fazer o que Ayleen havia lhe pedido. Servir era tudo que ela sabia fazer desde muito jovem e ela sempre soube que uma serva deveria saber o seu lugar, ainda que ela pudesse se considerar uma pessoa de sorte. Chegara ao palácio Callaghan com vinte anos, quando Ayleen e Imogene ainda eram meninas e servira-os por 10 anos, mas tinha plena consciência de que nem todos os palácios funcionavam da mesma forma e sabia que o modo como Agur tratava os empregados era outro. Por isso temia todas as vezes que Ayleen se dirigia a ela de modo inapropriado, pois tinha certeza de que se houvessem reprimendas, elas seriam muito mais fortes para seu lado. Além disso, também não gostaria de ver Ayleen, por quem tinha inegável afeição, em uma situação mais difícil do que a jovem já enfrentava.
Após a saída de Rana, Ayleen ouviu lentos passos pesados se aproximando da sacada e logo a figura de um homem jovem, cabelos castanhos na altura dos ombros se aproximou dela.
-Lord Bae. – ela disse, sem conseguir esconder totalmente as notas de desgosto em sua voz.
-Vossa Majestade.
-Compreendo que nosso rei, meu marido, tenha ordenado que tomasse conta do bem-estar do palácio e sua rainha enquanto ele está fora, mas como pode ver, não existe nenhum perigo no perímetro. – Ela disse um pouco irritada. Ayleen não conseguia olhar para Lord Bae sem sentir raiva borbulhando dentro de si. O fato de que os olhos dele não emanavam nenhum sentimento ‘gostável’ e a péssima atitude para com o resto do povo abaixo de sua hierarquia colaboravam mais ainda para o sentimento de Ayleen.
-Estou apenas cumprindo meus deveres como regente, majestade. É minha obrigação garantir a segurança e bem-estar do palácio na ausência do Nosso Rei.
-Talvez seja mais útil cumprindo seus deveres no salão do conselho ou com o mestre de armas. Afinal, não mediu esforços para chegar aonde chegou, não é mesmo?
Rana voltou em passos silenciosos e pedindo licença se postou ao lado de Ayleen.
-Majestade, ninguém sabe sobre lady Imogene, mas pedi a um dos garotos de recado que a procurassem.
-Tudo bem Rana, obrigada.
-“Lady” Imogene? – perguntou Lord Bae com escárnio – É esse o tratamento de meros empregados por aqui? Com todo respeito, vossa majestade tem muito o que aprender. Servos devem receber ordens e serem tratados como tal, ou você nunca terá o respeito dessa gente.
-Imogene não é minha serva, Lord Bae. No entanto, ter se tornado regente do Rei em sua ausência não lhe torna mais do que um servo do Palácio, e ainda assim, você mantém o título de Lord. Deste modo, não vejo razão para sua preocupação para como trato ou deixo de tratar alguém.
Bae não podia esconder o ultraje em seu rosto, e após alguns segundos respondeu.
-Não entendo qual a sua preocupação com aquela aleijada inútil. – Ayleen sentiu sangue fervendo ao ouvir tal designação, mas não interrompeu – Ser filha de um senhor de terras morto não lhe dá nenhum lugar de honra nesse palácio. Vocês nem mesmo tem o mesmo sangue.
-O senhor claramente não entende muito sobre honra ou sangue Lord Bae. Com a sua licença, me recolherei para meus aposentos.
Ela queria sair correndo daquele lugar e ficar longe da figura desagradável do regente, talvez ir para baixo de uma árvore e ficar horas perdidas em seus inúmeros pensamentos que borbulhavam nesse momento, mas com um gosto amargo em sua boca, lembrou que rainhas não devem correr, não devem fugir, não devem escapar dos seus deveres. Rainhas devem, afinal, serem majestosas e servir. Ela sabia que o preço para manter segura as pessoas que amava era alto, mas não sabia que o amargor dele faria seu estômago revirar.