Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Passado

Alguns anos antes.

A notícia de que Lorde Deidre Callaghan e sua esposa Aderyn haviam sido mortos durante sua viagem numa emboscada feitas por mercenários de estrada pegou todo o condado Devon de surpresa, mas infelizmente não era possível dizer que todos lamentaram sua partida.

Ao contrário de muitos senhores de terras, Deidre tratava o povo do seu território com relativa igualdade e justiça. Sua amizade não garantia regalias ou cargos nobres a ninguém, ele priorizava o bem comum, não se preocupando em prestar cortesias e massagens de ego a alguns poucos interessados. Era assim que seu pai com muito custo havia conquistado um lugar de nobreza e assim ele continuaria o legado até onde pudesse, não importando quem pudesse ficar insatisfeito com sua política. Sempre tratara todos com o mesmo respeito, não importando se fosse outro senhor de terras ou um mero garoto de recados. Isso sem dúvida era motivo de desagrado em muitos que tentavam, através de bajulações ou suborno, conseguir um cargo interessante ao lado do senhor de terras.

É claro que com a surpresa também vieram os burburinhos sobre quem assumiria o Palácio Callaghan, e por consequência, regeria Devonshire, já que Lord Deidre não deixaria nenhum herdeiro homem, e sua única filha, não havia sido desposada.

Para a surpresa de todos, um já bastante ancião Hedwyn Callaghan pela primeira vez em muitos anos, voltava a vestir sua roupa de nobre e apoiado num cajado, descia de sua torre para assumir a ponta da mesa do conselho. A morte do filho e da nora lhe atingiu o coração em cheio, lhe causando profundo pesar e a sensação de que os deuses teriam ficado malucos, ao inverter a ordem natural das coisas, afinal, um velho como ele estava vivo, enquanto “seu garoto”, havia caído. Mas era hora de ser forte. E ainda que quase todos duvidassem da sua lucidez e juízo, Hedwyn estava lúcido o suficiente para saber que aquela era a decisão mais sábia a tomar de imediato, antes que um grande problema se instalasse em Devonshire sem que ninguém estivesse preparado para enfrentá-lo.  As pessoas lhe enxergando como um velho caduco ou não, ao menos havia alguém na posição para que todos soubessem que aquele não era um condado sem líder.

Imogene se aproximou ainda mais do avô naquele momento, ambos se apoiando mutuamente na dor da perda de parte da família. Ela tinha completado 18 anos, não havia mais espaço para brincadeiras e atitudes impensadas. Aparentemente os tempos difíceis sobre os quais o avô lhe advertira há quase um ano atrás estavam chegando.

Ela passava horas por dia, trancada no salão do conselho somente com o avô, que na maior parte do tempo mandava as opiniões dos conselheiros ao inferno e os dispensava em seguida. Ele podia estar velho, mas sabia que na verdade todos estavam ali como cães, famintos por um pedaço de carne… pedaço esse que era o posto de Senhor de Devonshire. Era a Imogene com quem ele estava disposto a falar e escutar, o que levava o povo a  deduzir que o velho caduco estava treinando a neta para assumir o posto de Senhora de Devon. Que tamanho absurdo! Exclamavam as opiniões inflamadas, uma mulher no comando? Isso não existe.

Ayleen nesse meio tempo também sentia seu coração partido pela morte do casal Callaghan, afinal aquelas pessoas bondosas a haviam acolhido e lhe tratado com a mesma dedicação que dirigiam à própria Imogene. Mas havia outra coisa que também pesava no coração de Ayleen, o fato de o destino ter feito com que as coisas mudassem tão rapidamente, e agora, Imogene, com quem passava horas conversando poucos meses antes, não tivesse mais tempo para perder com isso. A responsabilidades haviam lhe distanciado, e embora ela entendesse a necessidade de tudo isso – a temida necessidade de assumir a vida adulta – isso não fazia com que ficasse menos triste, principalmente porque queria ser capaz de ajudar de algum modo, e sabia que não era possível.

Propostas de casamento para a neta de Hedwyn não paravam de surgir, e ela declinava a todas, com ímpetos de jogar os pretendentes gananciosos na lama junto dos porcos.  Reclamações sobre o fato enchiam os ouvidos de Hedwyn, que mesmo sendo na maior parte das vezes um homem sereno e de fala tranquila, sabia ser firme ao dizer que não forçaria a neta a nada.

Mas os meses se passavam rapidamente, e a dor da perda do filho, somada ao peso das responsabilidades nada adequadas à sua idade fizeram o velho ancião definhar aos poucos, afinal já havia passado da expectativa de vida de um homem comum havia alguns bons anos. Sua saúde foi se fragilizando fazendo com que perdesse as forças pouco a pouco e não pudesse mais se locomover, isso não fazia, no entanto, com que renunciasse ao posto de Senhor de Devonshire. Forte ou não, Devonshire tinha um líder e enquanto ele estivesse ali, o bando de cães gananciosos que se formava ao redor ainda não atacariam.

Como consequência da sua imobilidade, Imogene era quem saía às ruas, conversando com as pessoas e se informando do que acontecia no condado. Era geralmente escoltada por algum guarda do Palácio – geralmente o jovem Bae, que servia seu pai desde garoto e tinha passado parte da infância brincando com Imogene – , mas ela não tinha paciência para isso. Muitas vezes simplesmente saía sozinha, com a plena certeza de que sabia se cuidar. Ainda que de cama, ou de sua cadeira no salão, o avô lhe aconselhava diariamente, lembrando-a da necessidade de ser forte e fazer escolhas difíceis em determinadas ocasiões. E foi quando a carruagem de Agur Drachen II entrou no condado numa manhã de outono que Imogene soube que finalmente o tempo de ser forte havia chegado.

Ao contrário do que todo o povo do condado havia suposto, Agur Drachen não veio com uma proposta de casamento para Imogene. Aparentemente a notícia de que todos os demais pretendentes haviam sido enxotados do Palácio Callaghan havia se espalhado.

A proposta de casamento que ele trazia, surpreendendo todos, era dirigida à Ayleen Anderith, a protegida da família Callaghan.

Ayleen recebeu a notícia em choque, tentando entender que sentido faria um guerreiro como aquele querer se casar com uma garota simples como ela, que nada tinha a oferecer. Mas então lembrou-se que havia crescido no palácio sob a guarda do casal Callaghan. As pessoas próximas do casal sabiam que ela era apenas sua protegida, mas muitos, durante muitos anos, chegaram a pensar que ela e Imogene fossem de fato irmãs. Ela balbuciou insegura e de início teve ímpetos de recusar, mas ela sabia que cedo ou tarde chegaria o dia em que precisaria fazer o que era suposto para todas (ou quase todas) as moças da sociedade onde vivia. Ela não era uma sacerdotisa druida como foi sua avó, e não tinha a força de Imogene para colocar as escolhas do coração acima das escolhas da razão.

-A resposta é não – disse Ayleen delicadamente, sentada à mesa do conselho à esquerda de Hedwyn que ocupava uma ponta, com Imogene sentada à sua direita e Agur ocupando a outra ponta– Eu ainda não acho que seja a hora certa para casamento. Ela olhou para Hedwyn e então para Imogene, procurando um olhar de aprovação ou censura, mas não encontrou. O fragilizado Hedwyn fitava firmemente Drachen com o resto da dignidade que a doença lhe permitia e sua neta olhava fixamente para a madeira da mesa, deixando os cabelos longos, soltos naquele dia, esconderem sua expressão.

-Talvez você deva ponderar sua decisão durante mais algum tempo, milady – disse Agur com sua voz áspera – devo confessar que não apresentei todos os termos da minha proposta. Como todos aqui sabem, Devonshire faz fronteira com meu território, a Cornualha. Devon costumava ser uma nação rica e forte, mas hoje…Bom, todos sabem sobre a saúde de Lord Hedwyn, é consenso geral que ele não durará pra sempre.

Imogene fez menção de levantar-se e dar uma resposta afiada a aquilo, mas seu avô segurou seu braço, sinalizando para que ela deixasse o outro homem prosseguir.

-Pode-se considerar também consenso geral que um condado sem um senhor é um alvo certeiro para outros senhores de terra invadirem, pilharem, e finalmente, tomarem o Palácio tornando-se líderes. Em demonstração de camaradagem genuína eu tenho interesse de poupar Devon de tais perturbações, considerando o matrimônio com Lady Anderith, um laço entre condados, dada a relação dela para com o Palácio Callaghan. Como todos sabem, eu tenho um exército forte e bem-preparado ao meu comando…deste modo, se Devon perecer sem um Senhor, estarei disposto a estender minha proteção à todos os habitantes desse condado garantindo assim que nenhum habitante sofra a com a conquista de um tirano qualquer.

-Devonshire tem um líder, Lord Drachen – falou Imogene friamente, pela primeira vez surpreendendo a todos que sentavam ao redor da mesa – E na ausência do meu avô, eu sou a legítima herdeira do título. Independente da escolha de lady Ayleen, esse condado não precisa da proteção de outro senhor.

-Existem questões políticas que mulheres não compreendem, milady. – retorquiu Agur. – Além do mais sem ter contraído matrimônio com nenhum Senhor de Terras, isso faria de você apenas uma jovem inexperiente e sem pulso para comandar um feudo tão grande como…

-Talvez não todas as mulheres, mas o senhor está falando com uma exceção, Lord Drachen. E quanto ao meu pulso, talvez o senhor deva experimentá-lo antes de questionar.

Um silêncio gelado se fez no recinto por alguns minutos, até que a voz rouca de Hedwyn foi ouvida quebrando o clima hostil.

-Independente das dificuldades que Devonshire enfrenta ou venha a enfrentar, aceitar um matrimônio com Lord Drachen é um decisão que somente Lady Anderith pode tomar. Não há necessidade de fatores políticos se misturarem à essa decisão. De qualquer modo,  o senhor é bem-vindo a pernoitar no Palácio até que ela possa anunciar sua escolha definitiva.

-Justo – respondeu Lord Drachen – Apenas espero que todos pesem sabiamente os prós e contras. Como vocês sabem, há uma ameaça Romana chegando, e logo batalhas internas por territórios locais não serão o maior problema que os condados vão enfrentar.

 -Lord Drachen – Ayleen disse firmemente embora sua voz fosse suave e ponderada. Já havia escutado demais, agora chegava sua vez de falar – Deixemos as palavras enfeitadas de lado. Todos sabem que a proposta do senhor ao oferecer proteção à Devonshire é apenas um termo ameno para se referir à integração do condado à Cornualha.

Alguns sussurros surpresos foram ouvidos. Aparentemente todos tinham Ayleen como uma jovem à qual assuntos políticos da corte não interessavam, sendo assim bastante ingênua. Mas as expectativas estavam sendo quebradas.

-Como Lady Callaghan deixou claro, Devonshire tem um líder e não necessita de proteção de outro Senhor. No entanto todos sabem que o senhor é um conquistador de territórios, e não podendo de imediato agregar Devon às suas conquistas, partirá para outros alvos.

-O que há com as mulheres desse palácio? – riu Agur abrindo os braços com deboche – Parecem que todas sabem um pouco mais do que cozinhar e bordar.  Primeiro uma aspirante à guerreira e líder que mal saiu das fraldas e agora, minha possível futura esposa e sua língua afiada…, Mas estou curioso, prossiga, milady…

Ayleen apertou os dentes contendo a raiva que o comentário lhe causou, mas finalmente relaxou e prosseguiu.

-Eu aceitarei o matrimônio com o Senhor diante de duas condições. Nenhum ataque será lançado à Devonshire por parte da Cornualha. Lord Hedwyn continuará sendo o Senhor do condado, e na sua ausência, Lady Imogene, e nenhum exército Cornualho irá tentar mudar isso. Isso não é um pedido de proteção, é um acordo, e como tal, espero que seja honrado. A segunda condição é que os mesmos termos serão estendidos à Glastonbury e a comunidade druida que habita as montanhas de lá. Eles deverão ser deixados em paz, sem nenhuma interferência externa.

-E qual o seu interesse no condado vizinho à Devonshire e aquele bando de gente selvagem? – questionou um dos homens de Drachen.

-Meus antepassados faziam parte daquele bando de gente ‘selvagem’. Enquanto meu pai foi Senhor de Glastonbury, um acordo de paz e respeito foi firmado com os druidas, e o Senhor que tomou o condado após a morte de meu pai, manteve esse acordo. Meu interesse é garantir que o condado não seja tomado por outro senhor que não tenha intenção prosseguir com o acordo em nome de outros deuses. Em resumo, eu me casarei com Lord Agur Drachen, se tanto Devonshire quanto Glastonbury tiverem a garantia de serem deixadas em paz. São esses os meus termos.

-Lord Calgar – disse Agur ao seu braço direito – envie uma ave para a Cornualha avisando para enviarem um comboio de serviçais. Em sinal de respeito à Devonshire, realizaremos o casamento nesse território, se Lord Hedwyn, nos der a honra, é claro.

Nota