Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

A floresta estava silenciosa, mas não em paz. O ar, denso e úmido, carregava o cheiro da terra molhada e das folhas podres que se acumulavam no chão. As árvores, altas e imponentes, formavam um teto verde escuro, onde a luz do sol raramente tocava o solo. Gabrielle caminhava entre as sombras, seus pés leves e rápidos sobre o tapete de musgo, sentindo a umidade das folhas que roçavam sua pele exposta. Ao seu lado, Terreis se movia com a mesma determinação, sua presença silenciosa, mas reconfortante.

O som da floresta era opressor, o zumbido baixo dos insetos, o farfalhar distante de um animal se movendo nas sombras. O cheiro de vida e decomposição misturava-se no ar, criando uma sensação de inquietação crescente. Gabrielle respirou fundo, absorvendo cada detalhe da floresta, sabendo que o ritual exigia mais do que apenas um corpo em movimento – exigia total conexão com o ambiente, uma sintonia que transcendia a realidade imediata.

– Está pronta, Gabrielle? – a voz de Terreis cortou o silêncio, calma e suave.

Ela assentiu, os olhos firmes e resolutos. Lembrou-se das palavras de Yakut, da instrução severa e imutável. Escolha uma criatura da floresta. Mate-a. Beba seu sangue, junto com as ervas. Gabrielle não hesitou. Ela sabia que o ritual não tinha piedade. Era a única maneira de enfrentar Alti no mundo espiritual e salvar a si mesma, e a Xena, do seu destino sombrio.

Entre as árvores, ela avistou um cervo. O animal estava parado, com os olhos grandes e alertas, seu corpo elegante e forte, totalmente inconsciente da presença de Gabrielle e Terreis. Gabrielle sentiu o peso do olhar do cervo, um momento breve de conexão, mas logo a necessidade do ritual tomou conta de seu ser. Ela se agachou com rapidez, sua flecha pronta. Com um movimento preciso e silencioso, lançou a seta, atingindo o animal no pescoço. O cervo estremeceu por um momento, antes de cair, seu corpo frágil se rendendo ao destino imposto.

O som de sua queda ecoou na floresta, abafado pela vegetação. Gabrielle se aproximou, sua respiração pesada enquanto o sangue do cervo começava a jorrar. O cheiro metálico e quente invadiu suas narinas, e uma sensação de repulsa a envolveu. Ela se agachou ao lado do animal, seus dedos tocando a pele quente e úmida, o peso da morte ali, logo à frente. Seu corpo tremeu brevemente, a violência do ato penetrando sua alma. O olhar vazio do cervo a encarava, e Gabrielle sentiu o impacto de sua morte.

Mas não havia tempo para arrependimentos. Ela fechou os olhos por um momento, sentindo a dor e a angústia se dissolverem em sua determinação. Xena, pensou, fechando os punhos, eu farei tudo para salvar você.

Com um movimento rápido, ela cortou a carne do animal, colhendo o sangue em uma tigela improvisada. O líquido quente e espesso era repulsivo ao toque, mas Gabrielle não hesitou. Ela misturou as ervas indicadas por Yakut, o cheiro forte das plantas tomando conta de suas narinas, abafando o cheiro do sangue. Seu estômago revirou, mas ela se forçou a não desviar. Não agora.

Terreis, silenciosa, observava de longe, a fé em Gabrielle evidente. Gabrielle sentiu o olhar da amiga, o apoio silencioso e imenso, e isso a fortaleceu. Ela levou a tigela aos lábios, o gosto do sangue se misturando com o amargo das ervas. Era como se o mundo tivesse se invertido dentro de sua boca: o sabor metálico e cruel do sangue, que lembrava a morte, e o toque herbal, que sugeria a magia antiga. Havia algo profundamente primal nisso, algo que fez seu corpo se aquecer, e ao mesmo tempo, um gelo se formar em sua espinha.

O sangue desceu por sua garganta como uma onda, pesada e enlouquecedora. Uma mistura de repulsa e algo mais – algo estranho, algo sagrado. Ela sentiu a energia mística percorrer suas veias, a sensação de vida e morte fundindo-se de maneira intrínseca. Seu corpo se estremeceu, e uma energia desconhecida se espalhou por sua pele, fazendo seus sentidos se aguçarem.

Antes que pudesse processar o que estava acontecendo, a dança tomou conta de seu corpo. Um movimento involuntário, uma entrega total ao ritual, como se a terra, o sangue e as ervas estivessem agora no controle. Seu corpo começou a se mover com uma fluidez que ela nunca soubera que possuía, cada gesto um reflexo da natureza ancestral que ela estava invocando.

Ela dançava, as pernas ágeis, os braços se movendo como se fossem parte do vento. O som da floresta, o murmúrio das folhas, parecia se amplificar em sua mente, cada som agora nítido, como se ela fosse a própria floresta. Seus olhos estavam vidrados, sua mente se apagando lentamente. A dor de sua existência, o peso da perda, da missão, se dissolviam no transe, enquanto a realidade começava a se desfazer.

E então, tudo escureceu.

Gabrielle caiu de joelhos, o corpo colapsando, a sensação de estar se desintegrando. O chão da floresta parecia se abrir sob ela, a gravidade desaparecendo, e a realidade se retorcendo em formas incompreensíveis. As imagens surgiam, distorcidas e esmagadoras – imagens de Xena, de sombras e luzes, de vozes, de gritos e sussurros.

Terreis segurava a mão de Gabrielle com prontidão e amor, enquanto ela atravessava a fronteira entre os mundos.

 

***

 

Gabrielle sentiu imediatamente a opressão do lugar, como se o ar fosse espesso e houvesse um peso invisível, em seus ombros. O vento cortava sua pele, trazendo consigo uma dor que se transformava em lâminas invisíveis, atravessando sua carne e atingindo os ossos. O solo sob seus pés era instável, ondulava como se fosse feito de água prestes a se quebrar, e ela mal conseguia manter o equilíbrio. Cada passo era uma luta, o chão parecia querer engoli-la, puxando suas pernas para o abismo abaixo, e o vazio se estendia por quilômetros em todas as direções, uma vastidão desolada e silenciosa, como se o mundo espiritual estivesse morto, ou prestes a ser consumido por algo sombrio.

Mas Gabrielle sabia que aquele era um lugar de mente, não de corpo. Ela se concentrou. Fechou os olhos por um instante, recuando para dentro de si mesma, buscando a serenidade que o ritual de purificação havia lhe concedido. Sabia que, se deixasse a agonia do ambiente afetá-la, perderia o controle, e o que restava de sua missão se dissiparia. Com a respiração pesada, ela se forçou a ignorar as sensações, a dor e o medo. Ali, a mente era tudo.

E então, algo se moveu no vazio.

As imagens começaram a se formar, nebulosas e indiscerníveis, como se o próprio espaço estivesse tentando encobri-las. Quando as sombras se dissiparam, Gabrielle finalmente as viu.

Alti estava diante dela, envolta em um manto negro que parecia feito das trevas mais densas, onde o tecido não refletia a luz, mas a absorvia, tornando-a uma sombra absoluta. Ela se erguia imponente, um ser de pura malícia e poder. O chão onde ela pisava era firme, composto de pedras negras, lisas como vidro, impenetráveis, firmes em sua rigidez, como se a própria Alti tivesse transformado a terra em algo feito de sofrimento. A conexão entre o sofrimento e ela era visceral, pulsando com uma energia maligna que parecia emanar da própria terra sob seus pés.

Ao lado de Alti, Callisto estava presa. Mas não como Gabrielle imaginara. Ela estava envolta em galhos retorcidos e espinhosos, um emaranhado de madeira cruel, os espinhos afundando lentamente em sua carne, arrancando dela uma constante torrente de sangue. Callisto estava pálida, o rosto marcado pela dor e pela luta, mas ainda viva, seus olhos brilhando com uma agonia que parecia não ter fim. Ela estava em sofrimento, mas o pior era que ela não podia morrer. Não poderia escapar. E sua agonia alimentava o poder de Alti.

– Ah, ora, ora, se não é a cadelinha da Xena – a voz de Alti ecoou em Gabrielle, cortante como lâminas –  bem-vinda ao canil.

A risada de Alti ressoou, cruel e vazia. Os olhos ardilosos da mulher a lançinaram e Gabrielle se viu atingida por uma tormenta de imagens, como se uma tempestade de visões começasse a invadir sua mente.

Viu Xena a golpeando, as mãos dela firmes e sem misericórdia. No primeiro golpe, Gabrielle tentou reagir, mas sua própria resistência parecia inútil, o impacto esmagador. A dor era intensa e física, o som de carne sendo golpeada era real. O rosto de Xena era impassível, frio distante, e o olhar no fundo de seus olhos era uma mistura de desprezo e determinação, como se ela estivesse disposta a destruir Gabrielle sem hesitação.

Então a cena mudou, e Xena estava ali, em sua forma mais violenta. As palavras que saíam de sua boca eram venenosas, de uma crueldade que rasgava a alma de Gabrielle. Ela a chamava de fraca, de inútil, e seguia espancando-a, seus punhos visíveis no ar. Gabrielle sentiu gosto de sangue na boca, seus músculos dilacerados. Sentiu lâminas em suas costas quando Xena a golpeou com um flagelo com pontas de ferro, e sentiu o calor viscoso do sangue escorrer por suas costas.

Gabrielle se sentiu pequena, impotente, como se não fosse nada além de uma vítima, perdida em um mundo onde sua própria identidade era distorcida e quebrada.

Quando estava novamente prestes a ser golpeada por Xena, concentrou-se no azul dos olhos dela e buscou resgatar seu amor. A consciência que ela havia cultivado com tanto esforço voltou a guiá-la. A luz que ela carregava, a luz que havia sido desperta dentro dela no ritual de purificação, irradiava novamente, fraca no início, mas crescendo rapidamente. As ilusões de Alti começaram a se desfazer, desmoronando como castelos de areia, uma por uma. Cada visão de Xena, cada visão de dor, se dissipava à medida que Gabrielle reafirmava seu poder interior.

Ela olhou para Callisto, que ainda estava aprisionada, sangrando, mas não completamente destruída. O perdão que ela sentia por Callisto se fortaleceu, uma compaixão profunda e inesperada pela mulher que tanto a ferira. Gabrielle caminhou até ela, sua luz agora brilhando com força total. Alti tentou resistir, tentando manter Gabrielle em suas ilusões, mas a luz de Gabrielle foi como uma espada afiada, cortando tudo ao seu redor.

Com um último pensamento de perdão, Gabrielle estendeu sua mão para Callisto, libertando-a dos galhos retorcidos que a aprisionavam. A dor que ela sentia começou a dissipar-se, e o rosto de Callisto, apesar do sofrimento, parecia encontrar uma paz temporária.

Sem Callisto sofrendo, Alti pareceu diminuir. Gabrielle se voltou para ela, seus olhos carregados da certeza de sua missão. Alti fez mais um esforço de aprisioná-la em imagens de dor, mas Gabrielle avançou,  impetuosa.

Num gesto fulminante, Gabrielle enfiou a mão no peito de Alti. Sentiu o coração pulsante em seus dedos e deixou sua luz irradiar.

– Eu sei que existe algo de bom em você, Alti – disse, resoluta – encontre isso e deixe crescer. Eu te ofereço a minha energia, a energia do amor que eu sinto, para que você se cure. Encontre isso, Alti. Encontre a paz.

Os olhos de Alti se retorceram em agonia, mas à medida que a luz em Gabrielle aumentava sua expressão foi suavizando lentamente, até ela fechar os olhos num momento de entrega. Seu corpo sombrio se dissipou num clarão e ela desapareceu.

Gabrielle voltou-se para Callisto, que se retorcia no chão, parecendo um cachorro encurralado. Ela lutava para não ser engolida pela terra. Gabrielle foi até ela e a puxou.

– Callisto – Gabrielle falou, num tom de voz baixo e triste – você já sofreu o suficiente.

– Me deixe em paz – Callisto murmurou, seu corpo ainda coberto de feridas, sangue e terra.

Gabrielle tomou o rosto dela entre as mãos e deixou novamente a luz irradiar.

– Por favor, Callisto – Gabrielle murmurou – encontre em você a menina inocente que você um dia foi, antes do mal se abater sobre você. Sua família te ama e está te esperando. Pense neles, você vai reencontrá-los. Você merece esse amor e essa paz.

– Minha família… – Callisto suspirou, fechando os olhos e também se entregando à luz. Mais um clarão ocorreu e Callisto desapareceu. Gabrielle, exausta, mas com lágrimas de felicidade escorrendo pelo rosto, fechou os olhos e permitiu-se voltar à terra.

Nota