Mãe
por DietrichA princesa amazona entrou cautelosa na sala do trono. Xena estava sentada na cadeira real ao centro, observando Terreis com um olhar que a amazona achou difícil de interpretar.
A imperatriz levantou-se e caminhou com passos lentos na direção da outra mulher. Seu coração não podia deixar de se sentir conflituoso ao vê-la. Sabia dos sentimentos dela por Gabrielle, e sabia, no fundo, que Gabrielle também sentia algo a mais pela princesa. Ao mesmo tempo, sabia que, se Gabrielle estava novamente em seus braços, livre de maldições e viva, era porque a mulher diante dela tinha se disposto a ajudá-la.
Vamos manter simples, pensou.
– Terreis… – Xena começou, um toque de dureza em sua voz que logo se suavizou – obrigada.
Terreis hesitou por um instante antes de dar mais um passo em direção à soberana, mas finalmente relaxou sua postura. Finalmente deixou o sorriso brotar em seus lábios.
– Não há o que agradecer – ela baixou os olhos um momento, antes de voltar a olhar diretamente nos olhos azuis da imperatriz – fico feliz de ter sido capaz de cumprir essa missão tão preciosa.
– Sei que fui uma vadia com você quando pedi esse favor incomensurável – Xena respirou fundo, tentando manter o controle de suas emoções – mas saber que você esteve lá por ela… isso significa mais para mim do que você imagina.
A vulnerável sinceridade nos olhos e na voz de Xena tomaram Terreis com uma surpresa bem vinda. Gabrielle definitivamente havia despertado em Xena um lado que poucos conheciam. Baixou a cabeça por um instante, pensando nas palavras que queria dizer.
– Xena, eu agora consigo ver o quanto Gabrielle é importante para você – começou ela, com a voz baixa e honesta – talvez mais do que eu pudesse imaginar no início, e isso deixa meu coração muito aliviado. Gabrielle é especial, e eu posso sentir com todas as forças do meu coração, que você é digna dela e que você a fará feliz. E ela te fará feliz também, Xena. Se você permitir.
As pálpebras de Xena moveram-se rapidamente por um momento. As palavras tinham impacto, mas ela também não queria revelar demais à mulher à sua frente. Com vontade de encerrar aquela interação que já tomara demais de si, estendeu a mão, que Terreis apertou com vigor, antes de se despedir com um último aceno.
***
O campo de treinamento estava tranquilo, sem os sons habituais de armaduras batendo ou espadas se cruzando. O sol de fim de tarde lançava uma luz suave sobre o cenário, e o vento fresco brincava com os fios de cabelo de Gabrielle e Solan. Eles estavam ali, sozinhos, aproveitando o tempo juntos enquanto o resto da corte seguia suas atividades.
Gabrielle estava rindo enquanto corria atrás de Solan, tentando pegá-lo. Ele, com a energia típica de uma criança de dez anos, se esquivava habilidosamente, desviando entre os troncos e o chão de terra batida. Em seguida, ele se virou, e, com um sorriso travesso, saltou para o lado, tentando surpreendê-la com um “corte” imaginário.
– Ah, você me pegou! – Gabrielle exclamou, caindo dramaticamente no chão – agora, me diga, guerreiro! O que vai fazer comigo?
Solan se inclinou para a frente com um sorriso travesso, apontando para ela como se fosse uma verdadeira ameaça.
– Vou te derrotar com um golpe fatal! – disse ele, antes de se deixar cair ao lado dela, rindo.
Gabrielle riu junto, sentindo a alegria contagiante do momento, mas logo o sorriso de Solan desapareceu. Ele se afastou um pouco, sentando-se no gramado e olhando para o horizonte, pensativo. Gabrielle o observou com um olhar suave, reconhecendo aquele silêncio, sabendo que era um reflexo de algo mais profundo em seu coração.
Ela se aproximou devagar, sentando-se ao seu lado.
– O que aconteceu? – perguntou ela com calma, os olhos gentis fixados nele.
Solan hesitou, os dedos mexendo na grama. Ele olhou para Gabrielle com um olhar que era ao mesmo tempo carregado de dúvida e esperança.
– Eu… eu sei que você sabe sobre mim, Gabrielle – disse ele, a voz baixa, mas firme – sei que você sabe quem eu sou… quem é minha mãe. Às vezes, eu me pergunto. Você acha que ela se arrependeu de ter me trazido para cá? – ele mordeu o lábio, como se essa dúvida o estivesse consumindo por dentro – será que ela se arrepende de… de ter me tido?
Gabrielle ficou em silêncio por um momento, olhando para Solan, enquanto ele ainda evitava seu olhar. Ela então estendeu a mão e tocou o ombro dele, um gesto suave, mas cheio de acolhimento.
– Solan – começou ela, com uma voz tranquila e serena – eu entendo o que você está sentindo. Mas a verdade é que Xena… Xena tem um jeito muito próprio de mostrar o quanto ela se importa. Pode não ser como as outras pessoas fazem, pode ser difícil de entender às vezes, mas o amor dela por você é imenso. Eu sei disso. Ela te ama de um jeito muito forte, mesmo que ela não diga sempre ou mostre da maneira que você imagina. Ela está aprendendo também, e com o tempo… – Gabrielle sorriu, com um olhar suave e confiante – com o tempo, ela e você serão inseparáveis.
Solan olhou para ela, os olhos começando a brilhar com a leve esperança que Gabrielle havia plantado. Ele balançou a cabeça, ainda sentindo um peso no peito, mas as palavras dela pareciam ter tocado algo dentro dele.
– Você realmente acha que isso vai acontecer? – perguntou ele, mais uma vez olhando para ela, buscando a sinceridade que sempre encontrava em suas palavras.
Gabrielle sorriu com ternura.
– Eu sei que vai – respondeu ela com uma firmeza que o fez acreditar – não há nada mais forte do que o amor de uma mãe, mesmo que leve tempo para se revelar. Ela vai mostrar isso de seu jeito, e você vai ver que, com o tempo, ela sempre vai estar lá para você.
Solan deu um pequeno sorriso, os olhos suavizando, como se uma parte de suas inseguranças estivesse começando a desaparecer. Ele deu um longo suspiro, agora mais tranquilo, e se deitou de costas na grama, olhando para o céu.
– Eu quero acreditar nisso, Gabrielle… Eu quero acreditar que ela me ama de verdade – ele fechou os olhos por um momento, sentindo o vento suave em seu rosto.
Gabrielle se deitou ao lado dele, olhando para o céu também.
– Vai dar tudo certo, Solan – ela disse, a voz carregada de certeza – vai dar tudo certo. Eu prometo.
***
A sala do trono estava repleta, os nobres alinhados de maneira rígida e formal. O ambiente era pesado com a expectativa de que algo importante estava prestes a acontecer. Xena, imponente como sempre, estava de pé ao lado de Solan, que, apesar da juventude, se erguia ao lado dela com uma postura digna, embora nervosa. Sua respiração era um pouco mais rápida, e ele olhava para a corte com ansiedade.
Xena ergueu a mão, pedindo silêncio. Quando a sala finalmente se aquietou, ela olhou ao redor, encontrando alguns rostos respeitosos e outros não tão agradáveis. Sua voz, forte e firme, ecoou por toda a sala.
– Hoje, eu me encontro diante de vocês não apenas como a Imperatriz Xena, mas também como mãe – disse ela, seus olhos deslizando sobre a corte – é com grande honra que anuncio oficialmente a existência do meu filho, Solan, e que o nomeio como meu legítimo herdeiro.
O murmúrio percorreu a sala, mas Xena não hesitou. Ela manteve sua postura ereta, deixando claro que sua palavra era a única que importava.
Solan se contraiu um pouco, nervoso. Seus olhos procuraram por um momento de conforto no rosto de Xena, e ela o retribuiu, o amor brilhando em seus olhos. Solan finalmente abriu um sorriso enorme e sincero e viu ali, pela primeira vez, a sua mãe.
Alguns nobres olharam entre si, trocando murmúrios baixos, enquanto outros se mantinham em silêncio, como se tivessem sido forçados a engolir uma verdade amarga. Não demorou para que as tensões se tornassem palpáveis. Xena, com um olhar afiado, percebeu os que ainda se agitavam, incomodados com o fato de um filho bastardo entrar na linha de sucessão.
Ela manteve a postura de autoridade, os olhos passando rapidamente por aqueles que se mexiam inquietos. Seu olhar cruzou com o de Theodorus, seu general e aliado, que estava a seu lado, como sempre, imperturbável. A troca silenciosa entre os dois foi carregada de cumplicidade. Eles haviam investigado a corte, minuciosamente, e nada escapara. Sabiam quem era leal e quem não era, quem desafiaria essa decisão e quem se submeteria, mesmo que a contra gosto.
Xena continuou sua fala, sua voz agora ainda mais firme, como se uma ordem tivesse sido dada a todos.
– Não há espaço para contestação sobre essa decisão. Solan será meu sucessor. Ele é o herdeiro legítimo deste império e, como tal, será tratado com o respeito que sua posição exige.
Solan, embora nervoso, sentiu a solidez das palavras de Xena como um alicerce. Ela o havia reconhecido formalmente diante de todos, e isso era mais importante do que qualquer título ou posição. Quando ele olhou para sua mãe, um sorriso tímido brotou em seus lábios. Ela o reconhecia. Ela o aceitava como seu.
Os nobres começaram a se levantar, um a um, para cumprimentar Solan, alguns com gestos formais, outros com um sorriso contido. O filho de Xena, o herdeiro legítimo, agora era uma realidade oficial.
Xena deu um passo à frente, retomando a palavra com a autoridade que a tornava inquestionável.
– Para comemorar este momento histórico – disse ela, seu olhar agora voltando-se para todos – haverá um grande baile. Será um evento para apresentar oficialmente meu herdeiro ao reino. Uma celebração para todos verem quem Solan realmente é e o papel importante que ele desempenhará em nosso império.
Ela fez uma pausa, observando os rostos na sala, muitos agora tentando disfarçar a insatisfação com um sorriso forçado.
– Todos estão convidados – continuou Xena, sua voz cheia de certeza – e espero que todos, sem exceção, honrem o novo futuro do império. O futuro de Solan.
Com isso, ela deu um último olhar ao redor da sala, vendo alguns nobres que ainda resistiam à ideia de ter Solan como herdeiro. Mas, antes que alguém pudesse protestar, Xena fez um movimento com a mão, sinalizando o fim da reunião.
– Esta reunião está encerrada.
Com a reunião oficialmente encerrada, os nobres começaram a se retirar. Xena fez menção de se retirar também, mas Solan a segurou pela mão e a chamou.
– Mãe – ele falou.
Aquela palavra, tão curta e tão simples, quase fez a imperatriz colapsar. Tentando não se desfazer em lágrimas, ela respondeu, com voz entrecortada:
– Sim?
– Nada. Só queria te chamar assim – disse o menino, sorrindo.
Xena não conseguiu resistir e levantou o menino nos braços, abraçando-o com todas as suas forças. Ele retribuiu soltando uma gostosa gargalhada. A imperatriz chorou copiosamente, sentindo como se seu coração finalmente tivesse retornado ao lar.