A escrava
por DietrichGabrielle voltou ao alojamento dos escravos. Cumprimentou os outros que ali estavam, acenando para Jana, que brincava com outra menina do outro lado do galpão. Alcançou a cama que tinham lhe destinado e fechou os olhos.
Ela tinha certeza que seu golpe tinha sido preciso. Era como se a conquistadora tivesse lido seus pensamentos. Como se o mito das narrativas fosse real.
Sacudiu a cabeça. Era mais provável que o seu golpe não tivesse sido tão certeiro quanto ela pensava. Estava num lugar estranho, tinha perdido todas as pessoas que amava, era escrava da mulher que odiava e sua mente não estava nas melhores condições de sanidade. Por vezes ainda pensava ver ou ouvir a voz de suas companheiras amazonas e seus sonhos continuam sendo terríveis, embora tivesse parado de gritar a noite. Ela só precisava tentar mais uma vez, e a confiança que Xena tinha na própria invulnerabilidade era a chave para matá-la.
Com confiança renovada, preparou-se para o amanhã e adormeceu.
***
Xena saboreava sua primeira vitória em relação à Gabrielle. A pequena mulher petulante faria de tudo para vingar sua nação e a rainha contava que ela continuasse tentando.
A vingança era a única coisa que restava à amazona. E Xena lhe tiraria qualquer possibilidade de consegui-la. Quando a loira percebesse que sua vingança não passava de uma ilusão, seria sua.
O pensamento a excitou. Mandou chamar Eris, que entrou quase correndo no quarto e se curvou diante dela.
– Achei que tinha esquecido de mim, minha senhora – disse Eris, com os olhos baixos e uma dose de malícia.
O tom de voz da escrava encheu a rainha de uma irritação inesperada. Deu um tapa no rosto de Eris, coisa que nunca tinha feito antes com a jovem. A escrava soltou uma exclamação em que se misturavam a dor e a surpresa.
– Você já estava começando a se sentir especial? Só porque te uso pra foder de vez em quando, sua puta?
Eris baixou os olhos cheios de lágrimas.
– Perdão minha senhora, não quis insinuar…
– Eu lhe chamo quando eu quiser, se eu quiser. Sua vida é minha e eu posso matar você aqui por puro capricho. Você sabe disso, não é? – segurou a escrava pela mandíbula e a empurrou em sua cama.
– Si-sim, minha senhora, por favor, me perdoe – Eris soluçava.
A conquistadora se estendeu em cima da escrava, seus olhos lampejavam de fúria e ódio. Ela rodeou o pescoço da jovem com as mãos, sem apertar. Eris tremia, seu choro tinha cessado.
– Você sabe que sua vida pertence a mim? – a voz da rainha era um sussurro.
A escrava balançou a cabeça pra cima e pra baixo.
– Diga! – a rainha gritou fazendo uma breve pressão no pescoço da escrava. A voz baixou de volume novamente – diga cada palavra, Eris.
– Mi-minha vida, pe-pertence à se-senhora – Eris gaguejou.
Por um momento, Xena viu-se partindo o pescoço da jovem. Em vez disso, socou o travesseiro ao lado da cabeça da escrava. Sua respiração ficou um pouco mais calma, mas ainda estava cheia de fúria e excitação.
– Que bom que você sabe disso, Eris – escorregou a mão até os cordões da túnica da jovem e começou a desatá-los – que bom que você sabe disso.
***
Gabrielle se dirigiu aos aposentos de Xena no horário determinado. Entrou sem bater, e demorou alguns segundos para entender a cena que encontrou.
Xena estava de pé ao lado da janela olhando o pátio, meio coberta por uma pele de animal, mas, de resto, nua. Fumava algum tipo de cigarro que exalava um perfume de ervas. Na cama da conquistadora dormia uma jovem que Gabrielle reconheceu como Eris, uma moça gentil que conhecera ontem na cozinha. Também estava nua e semicoberta pelos lençóis de seda.
Gabrielle apertou os olhos para ver com mais clareza. O corpo de Eris estava marcado por vergões vermelhos. A amazona sentiu uma onda de repulsa percorrer seu corpo.
Xena deu uma tragada no seu cigarro. Virou-se para Gabrielle.
– Por que esse espanto? Imaginei que esse tipo de coisa era comum entre as amazonas.
– Abusar das pessoas? Certamente não – Gabrielle encarou a conquistadora com desprezo.
Xena usou o pouco autocontrole que tinha para não correr e arrancar a língua atrevida da loirinha. Em vez disso, começou a caminhar, e a pele que a cobria escorregou, terminando de revelar sua nudez.
– Pergunte a Eris sobre abuso, e veja que resposta ela tem a dar. Você não devia estar preparando meu banho?
Gabrielle entrou no banheiro e preparou o banho, tentando controlar as mãos que tremiam de raiva. Quando terminou, foi buscar a refeição matinal de Xena na cozinha. Eris apareceu lá e começou a preparar a própria refeição. Gabrielle largou a bandeja com a comida de Xena na mesa e se aproximou da escrava.
– Você está bem? – perguntou, preocupada.
– Estou, Gabrielle – a jovem parecia surpresa.
– Eu estive no quarto da conquistadora agora a pouco – disse a amazona.
– Ah – a jovem enrubesceu e olhou assustada para os lados, mas as pessoas estavam distraídas com seus afazeres – eu, bem…
– Você está machucada? – perguntou, tentando averiguar o corpo da outra mulher.
– Machucada? Não. Gabrielle, não posso falar sobre isso – Eris desviou os olhos e voltou a preparar a comida – por favor, não pergunte mais nada.
– Se eu puder ajudar com algo…
– Com o que, por exemplo? – Eris começou a levar a própria bandeja – não há nada que ninguém possa fazer.
Gabrielle seguiu a jovem e sentou do lado dela no refeitório.
– Eris…
– Não está ruim – a mulher mexia na comida – estamos todos bem alimentados. E – baixou a voz – ela não me machuca. Ela só é intensa, às vezes. Acho que ontem estava com raiva de alguma coisa e me assustou um pouco. Foi só isso. Mas a maioria dos dias não é assim. É – o sussurro tornou-se quase inaudível – é até bom quando ela está normal. Quando está com um humor normal.
– Entendo – disse Gabrielle – mas se você tivesse escolha, você faria isso?
– Não, não faria – a jovem ergueu os olhos, parecendo se surpreender com as próprias palavras. Voltou a olhar para a comida, mas não pôs nada na boca – por favor, Gabrielle, me deixe só.
Gabrielle fitou o rosto abatido da outra mulher. Viu na face alva um hematoma semelhante ao que ela mesma trazia em seu rosto, onde a conquistadora lhe esbofeteara. Levantou-se e pegou a bandeja de comida da conquistadora, decidida que não eram apenas as amazonas que mereciam ser vingadas.
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