Sangue
por Dietrich– Eu ganhei nossa aposta, loirinha – Xena pegou uma maçã na bandeja de comida e mordeu.
Gabrielle continuou concentrada na limpeza dos aposentos.
– Pois bem – a conquistadora se recostou em sua cadeira – teremos festas na corte. Você sabe, preciso manter esses nobres felizes e gordos para que eles não comecem a ter ideias perigosas. Hoje teremos duelos. Combates até a morte. Qualquer um, aldeão, soldado, escravo, nobre, pode participar. O vencedor terá uma grande glória – a morena mergulhou uma fatia de pão no caldo de carne – lutar comigo e ganhar uns dinares. Você vai participar desse torneio.
– O que? – Gabrielle interrompeu seu trabalho.
– Você ouviu, loirinha – disse Xena – é melhor você ir logo se preparar. Pode falar com Deimos, ele vai te dizer o que fazer.
– Não quero participar disso. Não quero matar por esporte.
– Bem, sorte que o seu querer não importa, não é? – disse a rainha – você vai sozinha ou vou precisar te dar uma surra e te arrastar até lá?
– Acho que você sabe a resposta.
A conquistadora largou o pedaço de pão no prato.
– Você está estragando minha refeição.
A rainha levantou-se e tentou golpear Gabrielle, que se defendeu e socou a mulher nas costelas. Xena perdeu o fôlego por um momento, mais pela surpresa que pelo golpe. Se recuperou e agarrou o pulso da loira, virou-a e prendeu seu pescoço com uma chave de braço.
– Senhora conquistadora? – uma voz masculina chamou de fora do quarto.
– Pode entrar, Deimos – disse a morena. Gabrielle lutava para respirar.
O general carregava correntes.
– Bem que você falou que seriam necessárias – ele comentou.
Gabrielle se debatia, mas seu fôlego estava curto e seu corpo não respondia como ela queria. Deimos acorrentou seus pés, punhos e pescoço.
– Eu não queria machucá-la Gabrielle, quero que você esteja em boa forma para as lutas. Mas sabe, o seu golpe me surpreendeu. Talvez, se você ganhar, possamos nos divertir – comentou a rainha.
– Eu vou matá-la! – gritou Gabrielle, deixando escapar todo o ódio que tinha calado – juro que vou matá-la, cadela!
– Não sou eu que estou com uma coleira no pescoço – a rainha sinalizou para Deimos – leve-a e garanta que ela esteja pronta para o combate.
***
– Minha senhora? Você não respondeu qual das espadas vai querer – disse Eris.
– An? Sim, quero minha espada antiga – disse a conquistadora.
– Anda distraída, minha senhora. Algo a preocupa?
Distraída? Naquela instante, fantasiava o momento que veria a opacidade da submissão nos olhos da amazona. Era verdade que nos últimos dias vinha se deixando distrair com esses devaneios. Perguntou-se se não seria mais sábio matar logo a loira e retomar o foco em ser rainha.
– Está pronta, minha senhora. Deseja algo mais?
Xena contemplou a escrava. Eris evitava olhar para ela.
– Olhe pra mim, Eris.
Os olhos grandes e negros a fitaram. Xena viu que o medo tinha retornado a eles. O medo que a escrava demonstrara nas primeiras vezes que a conquistadora solicitara seus serviços. Havia uma marca no rosto da escrava, onde a tinha atingido.
Tinha uma marca assim no rosto de Gabrielle. A mente da rainha voltou aos olhos verdes altivos, à voz grave e petulante. Os traços suaves do rosto da amazona, o corpo musculoso, os curtos fios dourados.
Um calor de luxúria despontou no ventre da monarca. Ela puxou a escrava e a beijou. Xena sentiu a jovem relaxar em seus braços e se entregar às suas carícias. Lamentou já ter vestido toda sua armadura.
– Não estou distraída, Eris. E desejo algo mais. Quando a noite cair.
A escrava assentiu, com um sorriso tímido.
***
Jogaram aos pés de Gabrielle um colete de couro e uma espada curta.
– Eu não vou participar desses jogos, Deimos – disse Gabrielle.
– Você vai participar dos jogos sim – respondeu o general – a questão é se você vai participar desarmada e desprotegida ou se quer ter alguma chance. Não se engane, todos os que se inscrevem entram prontos para matar. Nenhum vai ter pena ou deixar de lutar se pensar que a disputa não é justa. Não tem nobreza e honra nesses jogos. É apenas matança.
– E é isso que vocês fazem para se divertir?
– É o que o povo gosta e a Conquistadora oferece.
– É doentio.
– Fique à vontade para refletir sobre a natureza humana – Deimos trancou a cela – os jogos começam em uma hora e você vai ser uma das primeiras.
Gabrielle socou a parede, depois sentou-se no chão e chorou. Olhou para a espada que jazia ao seu lado. Pegou a arma e segurou o punho com as duas mãos, pressionando a ponta da lâmina contra seu estômago. Suas mandíbulas tensionaram ao sentir o arranhão gelado em sua pele. Pediu aos deuses forças para sentir aquela dor última.
Largou a espada no chão. Ainda hoje aquela lâmina poderia estar no peito de sua inimiga. Se ela matasse as pessoas inocentes em seu caminho. Se ela vencesse os jogos.
Apanhou novamente a espada e apertou o punho da arma contra seu coração.
***
A gritaria da multidão era ensurdecedora. Deimos entrou na arena e sinalizou para a rainha que os competidores estavam prontos. Ela se ergueu de seu trono. Um trompete soou e a multidão fez silêncio.
– Cidadãos de Corinto e visitantes. Sejam bem-vindos ao nosso festival anual, onde guerreiros corajosos têm a oportunidade de provar a si mesmos em honrosos combates. O vencedor ganhará um prêmio em dinheiro e uma condecoração. Além de, é claro, ter a oportunidade de me enfrentar em batalha. Não se preocupem, vocês sabem que não matarei o vencedor – a multidão riu – mas mesmo uma velha guerreira precisa se aquecer e mostrar que ainda é capaz de levantar uma espada. Que comecem os combates!
A multidão entrou em delírio. Entraram na arena um jovem, vestindo uma cota de malha e carregando uma maça, e Gabrielle, vestida com couro e empunhando a espada curta.
***
Gabrielle sentiu um aperto no peito ao ver que seu oponente não passava de um rapazote. O jovem lhe lançou um sorriso selvagem.
Ele gritou e atacou com a maça. Gabrielle segurou o ataque e desviou, atingindo as costas do rapaz com o punho da espada e derrubando-o no chão. Ele se ergueu e atacou de novo. Ela desviou com agilidade e deu uma cambalhota pra trás, caindo em pé e ficando em posição de defesa.
O rapaz continuou atacando com fúria, e Gabrielle desviava e defendia. A multidão começou a vaiar, querendo ver sangue.
– Porque você não ataca? – o rapaz ofegava.
– Não vou atacá-lo, não posso participar desse jogo nojento – Gabrielle largou a espada no chão.
O rapaz rosnou.
– O funeral é seu – ele atacou.
Ela tentou desviar, mas levou o cabo da maça com toda a força no braço esquerdo e caiu no chão. Ouviu um sibilo e rolou no chão, dando de cara com a maça no lugar em que estivera sua cabeça. Levantou-se e recebeu um golpe na coxa que a fez ajoelhar-se, e, antes que pudesse reagir, a maça já vinha novamente em direção à sua têmpora. Um golpe que seria fatal, se ela não tivesse pego a espada que jazia a seu lado e enterrado com todas as forças no abdômen do rapaz.
A multidão gritou em júbilo enquanto a mão de Gabrielle se empapava de sangue.
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