A besta
por DietrichGabrielle não olhou para o jovem morto a seus pés, e seu ouvido mal registrava o barulho dos cidadãos enlouquecidos. Olhou para a rainha. O trono estava distante, não conseguia distinguir suas feições, mas sabia que estava sendo olhada de volta.
Outros combates se seguiram. Gabrielle assistiu a todos e viu que Deimos não mentira. As pessoas combatiam até a morte sem hesitação e sua única escolha era lutar ou morrer. E ela precisava lutar.
Foi assim que, em sua próxima luta, ao ver o homem enorme que tentou atingi-la com um machado, ela acabou a disputa o mais rápido que conseguiu, cortando o pescoço do homem com precisão. A multidão vaiou. Queriam que ela prolongasse os combates. Ela tentava matar nos primeiros golpes. Seus oponentes estavam começando a demonstrar medo. A multidão agora ficava em silêncio quando ela entrava na arena.
Quando sua espada atravessou o coração de uma gladiadora, Gabrielle chegou na final.
A amazona encarou o homem que acabava de entrar na arena. Ele tinha uma expressão calma e confiante.
– Parece que vou ter minha primeira luta real do dia – disse o homem – por isso resolvi me apresentar – curvou-se – sou Oedipus, um soldado dos exércitos da Senhora Conquistadora. Estive presente na última conquista da rainha.
Gabrielle sentiu o sangue ferver.
– Creio que eu não precise me apresentar, então – respondeu a amazona.
– Certamente não. Você luta de maneira magnífica. Mas lhe falta algo essencial. O amor pela batalha. Você luta por necessidade. Não gosta de matar.
– Você fala isso como se fosse um defeito.
– Na arena, é um defeito – o homem sacou a espada – sabe, eu fiquei realmente decepcionado com a conquistadora quando ela me mandou parar logo antes de eu enfiar a espada em você.
Gabrielle sentiu o sangue fugir de seu rosto. A memória do corpo de Ephiny caindo ao seu lado pareceu dançar diante de seus olhos.
– Ela tinha prometido o extermínio das amazonas. Quando soube que você ia participar, resolvi entrar na arena para corrigir esse erro – Oedipus pôs-se em posição de combate.
Num grito de fúria, a amazona se lançou contra o guerreiro. Ele segurou seu golpe com destreza e devolveu outro imediatamente, que ela também defendeu. Entorpecida com a raiva, a loira voltou a atacar, mas o soldado desviou e meteu-lhe um forte soco no estômago, que a fez tropeçar.
– Outro defeito é suas emoções – ele provocou – se você combater a conquistadora com essa raiva ela vai te derrubar num piscar de olhos.
Gabrielle tentou se recompor, mas as lembranças da guerra a assaltaram. A dor e o ódio a invadiram e ela mal teve tempo de se defender de um golpe, mas levou um chute no joelho que a fez cair se contorcendo de dor. Levantou-se, mancando.
Foco, Gabrielle, pensou. Você está tão perto.
Observou o homem, procurando uma abertura. Esqueceu a dor no joelho e no estômago, apertou os dedos ao redor do punho da sua espada e esperou o próximo golpe. O homem a escrutinava com atenção, procurando suas rachaduras.
– Você logo vai encontrá-las no Tártaro – ele disse, mas ela não se deixou desestabilizar.
Ele atacou. Gabrielle aparou, desviou e enfiou a lâmina nas costas de Oedipus.
A amazona foi tomando consciência dos gritos ensandecidos da multidão. Olhou suas mãos, e parecia que tinha tomado um banho de sangue. A voz da conquistadora perpassou o barulho, anunciando que ela era a vencedora do campeonato, e que tinha uma hora de descanso antes da batalha contra a rainha.
Dirigiu-se até a cela. Deitou no chão. Fechou os olhos. Adormeceu. Acordou com seu nome sendo chamado. Entrou na arena e lá estava a conquistadora. Não existia multidão ou barulhos. Apenas o olhar assassino da mulher que roubara sua vida.
– Olá, loirinha – Xena cumprimentou – essa é sua grande chance – a morena começou a girar a própria espada nas mãos – me diga, você fantasia com meu assassinato? Goza pensando na minha morte?
A amazona continuou com os dentes cerrados.
– Entendi, não quer conversar. Quanto foco. Vamos ao que interessa então.
A amazona estava atenta a cada ruído e movimento da conquistadora.
– Shiiiiiiaaaaaa! – Xena gritou ao avançar e desferiu um golpe. Gabrielle tentou aparar, mas quase cedeu sob o peso da força da morena, então desviou-se e tentou dar um passo atrás para se ajustar, mas esse momento lhe rendeu uma bordoada nas costas, cuja dor a fez avaliar se sua coluna tinha partido.
Ignorou a aflição e girou, direcionando sua lâmina na abertura lateral da rainha, mas foi bloqueada e ganhou um soco no cotovelo, que teria quebrado seu braço se ela não tivesse jogado o corpo para trás e reduzido o impacto.
As dores estavam difíceis de lidar, mas ela respirou fundo e concentrou-se. Esperou o próximo golpe da conquistadora, e quando este veio, esquivou com agilidade. Tentou aproveitar a abertura para feri-la, mas a conquistadora virou-se e recompôs-se mais rápido do que seus olhos podiam acompanhar. Sentiu o punho da espada da conquistadora contra seu queixo.
Seus olhos se encheram de lágrimas e pareceu que alguém tinha acendido um barril de fogo grego em sua cabeça. Caiu, oscilando entre a consciência e a inconsciência.
Levantou-se, tonta, trêmula, enjoada. Atacou com tudo que podia, mas percebeu a latência entre sua vontade e a resposta de seus músculos. Foi fácil para a conquistadora atingir seu ombro e fazê-la largar a espada. O impacto do chute em seu estômago a derrubou mais uma vez.
– Não… – Gabrielle arquejou – não… preciso matá-la.
– Você já perdeu, cadelinha – rosnou Xena – é melhor ficar quieta se não quiser morrer.
A amazona se ergueu, cambaleando. Postou-se diante de Xena e ergueu os punhos.
– Venha e me pegue – disse Gabrielle.
Xena jogou a própria espada no chão. Estalou os dedos e o pescoço, mostrou os dentes num esgar bestial.
– Muito bem. Faz tempo que quero te dar uma boa surra.
Acertou o nariz de Gabrielle, que ia cair, mas Xena a segurou pelo braço e lhe deu um soco no estômago. Virou-a e deu-lhe um chute nas costas que lançou a amazona longe.
Ela é muito superior a mim, pensou Gabrielle quando sentiu a areia entrar em sua boca, eu nunca tive chance.
Viu que Xena estava prestes a anunciar o final do festival. Cuspiu a mistura de terra e sangue, ergueu-se, e manquejou em direção à conquistadora.
– Que tipo de bicho masoquista é você? – a rainha estava enfurecida – fique no chão!
Gabrielle deu uma risada, os dentes cintilando em meio a seu rosto coberto do sangue que jorrava do nariz quebrado.
– Eu mexo com seus nervos, não é Conquistadora?
***
Xena conseguia apenas recordar da cor vermelha. Os nós dos seus dedos latejavam. Seus homens, sob ordens de Deimos, tinham corrido para impedi-la de espancar Gabrielle até a morte. A plateia, diante do macabro espetáculo, pedia misericórdia. Quando a rainha recuperou um pouco dos sentidos, encerrou os jogos. A amazona foi carregada semimorta até os aposentos dos escravos, seguida por mais de um curandeiro.
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