Voyeur
por DietrichA primeira coisa que Gabrielle percebeu ao despertar foi uma dor tão intensa que desejou perder os sentidos novamente. A segunda coisa, foi que não conseguia abrir os olhos completamente. Estavam muito inchados. Ouviu alguém dizer “ela acordou!”, e pôde distinguir duas ou três silhuetas que a observavam. Quando sua visão começou a focar, identificou Jana entre as silhuetas. A menina a olhava com os olhos cheios d’água.
– Gabrielle, você consegue me ouvir?
– Jana – Gabrielle mal conseguiu ouvir a própria voz. Seu ouvido zumbia, e sua garganta doía terrivelmente – Quanto tempo…
– Três dias – Jana passou um pano úmido em sua testa.
Tentou se mexer, mas a dor quase a fez desmaiar novamente. Seus olhos arderam com as lágrimas.
– Tenta comer um pouco disso, Gabrielle – Jana ergueu uma tigela de sopa – tem remédios dentro.
A amazona acenou com a cabeça. O gesto fez até seus dedos dos pés doerem.
Jana levou uma colher à sua boca. Gabrielle abriu a boca e conseguiu engolir algumas colheradas antes de desmaiar de dor. Quando acordou mais uma vez, Jana dormia ao seu lado. A menina percebeu seu despertar e a fez comer mais da sopa.
Demorou uma lua para que Gabrielle começasse a ter um pouco de saúde. Já podia abrir os olhos, ingerir comidas mais sólidas e seus dejetos não continham mais sangue, o que indicava que seus órgãos internos não estavam permanentemente danificados. Seu nariz estava fixo, e, apesar de seu corpo dolorido ainda estar cheio de vergões roxos e vermelhos, ela podia se mover, sentar na cama e até dar alguns passos sem desejar perder a consciência. Os escravos se revezavam nos cuidados com ela.
O período de cura e dor permitira que ela pensasse em tudo que ocorria.
Não era capaz de matar Xena num ataque furtivo. Nem num combate corpo-a-corpo direto. Pareciam restar apenas opções desonrosas. Envenená-la no café da manhã? A rainha provavelmente leria suas intenções. Matá-la ao dormir? Ela acordaria. Contar com a ajuda de outra pessoa para acabar com ela? Muito arriscado confiar em alguém para isso, embora outros também quisessem vê-la morta.
A resposta às suas perguntas veio algumas semanas depois, quando Eris lhe disse que a conquistadora desejava que ela retomasse seus deveres de escrava. A amazona sentiu-se desolada de pensar que teria de olhar novamente para aquela mulher, mas concentrou-se em seus objetivos. Ela ainda não tinha sido derrotada.
– Escute, Gaby – Eris olhou para os lados. O galpão dos escravos estava deserto, e a jovem continuou a falar, sussurrando apressada – você perguntou uma vez se podia me ajudar. Depois que ela fez isso com você, ficou num mau humor horrível. Me chama com frequência, e está me machucando – uma lágrima solitária escorreu pelo rosto da moça – eu e você somos as pessoas que tem mais acesso a ela, então será que poderíamos tentar fazer algo?
Gabrielle reparou na cabeça baixa da jovem e a maneira como ela abraçava a si mesma.
– Desculpe – Eris falou – eu não devia ter falado nada disso, por favor, não diga nada.
– Calma, Eris, calma – sussurrou Gabrielle – no que exatamente você está pensando?
Eris baixou ainda mais o tom de voz.
– Ela me chama quase toda noite. E eu consegui roubar um pouco de sonífero. Posso dar um jeito de fazer ela dormir, aí você…
– Mas como vou entrar lá sem ser percebida?
Eris enrubesceu.
– Às vezes ela gosta que as pessoas olhem. Eu posso sugerir que ela chame você.
A ideia de assistir os joguinhos sexuais da conquistadora era perturbadora. Eris parecia não ter noção do perigo que corria.
– Se ela perceber o que você está fazendo, Eris, você vai acabar morta.
– Confie em mim, Gabrielle – um sorriso confiante emergiu no rosto da jovem escrava – eu sei fingir e atuar muito bem quando é necessário.
Gabrielle refletiu. Eris provavelmente era a segunda pessoa naquele castelo com mais motivos para querer ver a conquistadora morta. E se alguém tinha possibilidades de pegar a rainha num momento vulnerável, era ela.
– Você tem certeza disso, Eris?
– Tenho. E acho que já podemos fazer isso hoje à noite.
– Então faça. Eu farei a minha parte.
***
Já passava da meia-noite quando um guarda apareceu no alojamento dos escravos e disse que Xena estava solicitando a presença de Gabrielle. Ainda com dores, ela se levantou e seguiu o guarda pelos corredores.
– Você também é putinha da rainha agora? – zombou o soldado enquanto a acompanhava – sendo uma amazona, imagino que isso não seja novidade para você.
Gabrielle cerrou os punhos numa tentativa de autocontrole e refletiu que ainda estava ferida, então era melhor não brigar.
– Como é viver com um bando de mulheres que nunca foram fodidas de verdade? Ou a conquistadora usa um caralho de couro pra foder você, putinha?
Tinha uma missão importante a cumprir. Não podia pôr as coisas a perder com atos impensados.
– Sabe que a maioria dos soldados é louco pra pegar você e te mostrar como se fode de verdade? – escorregou a mão na bunda de Gabrielle.
O soco foi certeiro e o soldado caiu desacordado fazendo um barulho alto nas escadas. A amazona apressou o passo e saiu dali antes que alguém flagrasse a cena. Entrou nos aposentos da rainha sem se anunciar.
Eris estava lá, nua, mexendo em uma tigela com mel e em outra com frutas diversas. Ao ver Gabrielle entrar, apontou a porta do banheiro. A amazona pôde ouvir os barulhos do banho.
A ideia do que estava prestes a acontecer começou a dominar Gabrielle. Iria matá-la, finalmente. Nada podia dar errado, se Eris fizesse a coisa certa.
Xena saiu do banheiro, já despida. Exalava um perfume que lembrava canela, o qual se espalhou pelo quarto inteiro.
– Vejo que está melhor, Gabrielle – a expressão da rainha era de chacota.
Gabrielle observou quando Xena se aproximou da mesa, pegou um pedaço de fruta, mergulhou no mel e comeu. Eris não demonstrava em seu rosto o menor sinal de que tinha algo ali. Era realmente uma boa atriz. Gabrielle suava frio, mas refletiu que seu nervosismo podia facilmente ser atribuído ao fato de estar sendo obrigada a assistir as aventuras libidinosas da conquistadora.
Eris estava partindo frutas quando Xena chegou por trás e começou a correr a mão pelas costas da jovem, depois por sua barriga e seios. Eris levou mais um pedaço de fruta à boca da conquistadora, e esta abocanhou não apenas os petiscos, mas também os dedos da jovem, chupando-os.
– Você fazia assim com ela, Gabrielle? – Xena disse num rosnado rouco de excitação – com a sua amazona? Doce e suave?
Gabrielle sentiu como se uma lança perfurasse seu peito.
– Ou você gosta de brutalidade, loirinha? – e ao dizer isso agarrou Eris de súbito e a jogou de bruços na cama, ao que a jovem exclamou de espanto – aposto a segunda opção, pois você parece que está sempre pedindo uma surra – e mordeu com força as costas de Eris. A amazona viu que a jovem cerrava os dentes, mas o olhar que lançou a Gabrielle pedia que não interferisse.
Xena pegou a tigela com o mel e as frutas e comeu mais um pouco. Mudou a posição da escrava na cama e derramou uma parte do líquido espesso no peito da outra mulher. Inclinou-se e chupou os seios da jovem, e Gabrielle distinguiu um gemido que não era de dor escapar dos lábios da escrava. Não deixou um vestígio do mel no corpo dela. Gabrielle se perguntava se o sonífero ia ou não fazer efeito.
– Essa putinha aqui adora foder comigo, sabia? Ela pode lhe contar mil coisas e dizer que não, mas a verdade – Xena escorregou os dedos pelo abdômen da escrava – é que ela faria qualquer coisa que eu mandasse sem pensar duas vezes. Não é mesmo, escravinha?
– Si-sim, senhora – Eris arquejou. Gabrielle não soube dizer o que era dor, prazer, fingimento ou verdade na voz da jovem.
Xena trocou de posição com Eris, e a jovem colocou mais um pedaço de fruta ensopado de mel na boca da rainha. A conquistadora meteu os dedos dentro de Eris, que começou a se mover em cima dela.
Gabrielle mal conseguia olhar, num misto de vergonha, confusão, uma excitação deslocada, e a necessidade de manter o foco. Eris começava a gemer mais alto quando a mão que segurava seu seio desabou na cama e a conquistadora fechou os olhos.
Eris saiu de cima dela, vermelha e ofegante, e olhou para Gabrielle.
– Agora – disse a escrava.
A amazona correu para a gaveta da rainha em que ela tinha encontrado a pequena adaga, e viu que ela ainda estava lá. Virou-se para a escrava.
– É melhor você não ver isso. Vista-se e saia daqui.
Eris hesitou por um momento, mas obedeceu.
Gabrielle apertou o cabo da adaga nas mãos suadas. Ali estava a oportunidade perfeita. Sua captora estava completamente vulnerável. Tinha adormecido com o rosto de lado, e a amazona podia ver sua veia pulsando, totalmente à mercê da sua lâmina. Sua vingança. A assassina das suas irmãs estava finalmente derrotada.
Ergueu a lâmina e traçou mentalmente sua trajetória até o pescoço da conquistadora. Sua mão estava firme. Sua mente, focada. Nada a poderia impedir.
– Vejo vocês em breve, minhas irmãs – sussurrou.
Desceu a adaga com toda sua força.
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