Correntes
por DietrichGabrielle voltou-se e viu a rainha, seguida de perto por Eris.
– Estou apenas tentando tirar essas pessoas daqui em segurança – disse Gabrielle.
Xena reconheceu o olhar altivo e desafiador que ela tanto se empenhara em destruir. Mas lá estava ele de novo, como se nunca tivesse ido embora. Por algum motivo, ficou satisfeita em vê-lo.
– Parece, loirinha – disse Xena, jogando no chão um pano que caiu fazendo um estrépito metálico. Gabrielle olhou e viu que dentro do pano estavam várias armas – que pela primeira vez na vida estamos querendo a mesma coisa. Vocês todos – disse Xena, agora se dirigindo aos escravos – armem-se e vamos dar o fora daqui. Você, loirinha – Xena voltou a olhar para Gabrielle – vai proteger a retaguarda. As ovelhas vão no meio. Vamos tirar esses pobres coitados daqui.
Gabrielle ficou paralisada uns instantes enquanto os escravos corriam em direção às armas, mal sabendo como segurá-las. Ela se abaixou e pegou uma das armas. Sentindo cada fibra do seu corpo doer de contrariedade, ela fez um aceno de concordância em direção à conquistadora.
– Ótimo – disse Xena – sigam-me. E não parem. Quem ficar pra trás estará morto.
***
Xena parecia um furacão em batalha. Bandos de soldados caíam ante o brandir de sua espada, enquanto ela, seguida pelos escravos e Gabrielle, corriam em direção aos portões. Gabrielle teve que se livrar de alguns ela mesma, mas isso não a impediu de observar a carnificina que resultava das habilidades da conquistadora.
No entanto, o calor da confusão arrefeceu em um milésimo de segundo. Gabrielle mal teve tempo de registrar o séquito de arqueiros que disparou uma dezena de flechas contra a conquistadora. Viu a mulher dar um salto sobre-humano e desviar da maioria delas, mas prendeu a respiração quando uma das setas atingiu o ombro esquerdo da rainha.
Xena fez uma careta de ferocidade, ao mesmo tempo que arrancava a flecha de seu ombro. Mas a dor pareceu distraí-la. Ouviu-se o tilintar do metal no chão quando outra seta atingiu a panturrilha esquerda de Xena, fazendo-a tropeçar e derrubar a espada.
Uma dezena de soldados saltou sobre a conquistadora como lobos famintos. Carregavam correntes e trancas. Uma multidão de homens cercaram todos eles. Houve um tumulto momentâneo, e, após alguns soldados caídos, Xena apareceu no chão, acorrentada e imobilizada.
Gabrielle sentiu uma espada em sua garganta e outras mais em diversas partes do seu corpo.
– Largue a arma, Gabrielle.
Era Acestes. Gabrielle largou sua arma. Olhou para as pessoas que a seguiam e sinalizou. Todos eles largaram as armas e se refugiaram perto uns dos outros.
Acestes parou ao lado de Xena e a olhou. Gabrielle se surpreendeu ao ver que a rainha sorria. O homem chutou a conquistadora, mas o sorriso dela não arrefeceu.
– Levem-na para as masmorras – disse Acestes.
Vários soldados, aos trancos e barrancos, foram puxando Xena pelas correntes. Acestes se voltou para Gabrielle. Sorriu afetuosamente.
– O que farei com você, Gabrielle? Pode parecer que não, mas sempre prestei atenção em você – Acestes volteava ao seu redor. Gabrielle não se movia, sentindo a pressão de diversas lâminas por seu corpo – é bárbaro o que aquela mulher fez com você e seu povo. Um completo absurdo. Eu jamais faria aquilo. Vocês estavam perdidas, precisavam de civilidade. Mas extermínio, e ainda humilhá-la, bárbaro.
Acestes parou em sua frente, tão perto que invadia seu espaço pessoal. Gabrielle contemplou o rosto marmóreo, de quase perfeitas proporções. O olhar artificial causou-lhe arrepios. Lembrava um boneco de cera.
– Não quero matá-la, Gabrielle. Quero tê-la ao meu lado como prova de um governo menos animalesco. Quero mostrar às pessoas que uma amazona pode converter-se em uma dama apropriada.
Gabrielle sentiu a boca azedar. Olhou para os escravos assustados logo atrás dela.
– Estaria ao meu lado, Gabrielle?
Gabrielle baixou os olhos e perscrutou o chão. Falou com a voz mais humilde que conseguiu invocar.
– Estarei, senhor. Só tenho uma demanda, se não for exigir muito.
Acestes estreitou os olhos.
– Demandas, Gabrielle? Está em posição de demandar?
Gabrielle fingiu constrangimento.
– Peço apenas pela vida dessas pessoas – acenou em direção aos escravos – são inocentes e não tem culpa de nada.
– Tentavam fugir daqui – disse Acestes, num tom cortante.
– Por que os estimulei – disse Gabrielle – eles queriam ficar e servi-lo. Mas ainda estou cheia de ideias esdrúxulas, como bem sabe. Achei que podia levá-los à libertação.
Acestes fez uma expressão compadecida.
– Tsc, tsc… pobre Gabrielle. Pois bem. Como prova de minha boa fé, não matarei esses escravos. Eles retornarão ao trabalho. Mas não em seus devidos postos. Tratarei que sofram um pouco por sua traição. Mas você tem razão, eles são ovelhas. Não tem pensamento próprio, não podem pagar pelos seus arroubos insensatos. Desejo concedido, Gabrielle.
Gabrielle sentiu o nó em seu peito afrouxar um pouco.
– Sou infinitamente grata.
– Acorrentem-na – ordenou Acestes. Gabrielle o fitou com uma interrogação nos olhos.
– É apenas uma precaução a mais – o homem explicou – não precisa mais se preocupar. Você está segura. Mas estamos passando por uma transição de governo. As coisas estão acaloradas. Logo, logo, quando os ânimos se acalmarem, estará livre dessas correntes.
– Acestes, que fará com Xena?
Acestes exibiu seu sorriso de fantoche.
– Não se preocupe. A megera pagará pelo que lhe fez.
Gabrielle ouviu a voz de Eris soar um lamento contido logo atrás dela.
– Agora vá para seus aposentos. Já os tenho preparados para você. Terá tudo que precisa para ser uma verdadeira dama.
As lâminas recuaram. Gabrielle viu-se andando a passos curtos, as mãos amarradas, escoltada por dois soldados. Olhou para trás. Seus amigos a olhavam com a expressão desolada. Tentou olhar para eles e transmitir esperança. Tentou comunicar que se entregava para poder ter como mantê-los vivos. Não conseguiu discernir pelos rostos que se afastavam se tinham entendido sua mensagem.
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