Reverência
por DietrichGabrielle refletia em silêncio, enquanto Eris a assistia na vestimenta dos trajes da corte. Ela jamais usara algo daquele tipo. Quando terminou de vestir todas as suas roupas, Eris a olhou, parecendo preocupada.
– O que faremos em relação ao seu cabelo? – perguntou Eris.
– O que tem meu cabelo?
– Está muito curto. Não é o cabelo de uma dama.
– Bem, não posso fazer crescer cabelos com minha vontade.
– Obviamente que não – Eris balançou a cabeça – temos que fazer algo a respeito. Me disseram para vesti-la como uma dama e minha pele está em jogo aqui também.
– Eu tinha cabelo longo. Xena cortou quando me trouxe aqui.
– É, eu sei – disse Eris – vou colocar uns acessórios e esperar não receber uns flagelos – começou a enfiar alguns enfeites nos fios loiros. Gabrielle sentiu o seu couro cabeludo repuxado.
– Pronto – Eris se afastou e olhou-a de cima a baixo – acho que é o melhor que poderemos alcançar com o que nos deram. Olhe-se no espelho e me diga se aprova.
Gabrielle dirigiu-se até o espelho. Uma estranha mulher adornada em jóias e um longo traje azul-celeste a olhou de volta. Era uma bela mulher, mas não era ela.
– Suponho que os satisfará – disse Gabrielle e voltou até onde estava Eris, que a olhava angustiada.
– Não pode andar assim – disse Eris, parecendo exasperada.
– O que tem de errado com a forma que ando?
– Tem que dar passos mais curtos. E mexer mais os quadris.
Gabrielle sentiu-se ofendida.
– Não sou assim, Eris.
– Sei que não é, Gabrielle. Mas é assim que eles esperam que uma mulher se comporte aqui. Passos curtos, cabeça baixa, voz suave, sempre peça com licença e viva pedindo desculpas. Era uma coisa que os nobres reclamavam quando Xena estava no poder – comentou Eris – que suas mulheres se tornavam mais desobedientes ao ver outra mulher no comando. Ela inspirava as outras mulheres da nobreza.
– Ela destruiu minha vida – Gabrielle falou num tom cortante – matou minha nação e todas as pessoas que eu amava. Quer falar bem dela para mim, Eris? Prefiro que se cale.
– Eu sinto muito, de verdade, Gabrielle. Não sei como é perder tudo isso, pois nunca tive muito o que perder. Mas isso não muda a verdade do que estou falando.
– Pode manter suas verdades para você – retrucou Gabrielle.
– Isso é uma ordem, senhora? – Eris a fitava com despeito.
– Não me chame assim – Gabrielle contestou – sou uma de vocês.
– Não parece – disse Eris – se fosse, estaria desejando a volta de Xena. É o que nós queremos.
– Só diz isso por que a ama. Ela fez sua cabeça.
– Você me acha estúpida e tem raiva de mim porque a enganei. Eu entendo. Se duvida de mim, pergunte a qualquer outro. Te dirão a mesma coisa. Alguns acham que você está viva porque conspirou com Acestes. Estão com raiva de você. Acham que entregou Xena para eles.
– Não o fiz – retrucou Gabrielle.
– Sei que não o fez – respondeu Eris – mas o faria se tivesse chance, certo?
Gabrielle não respondeu.
– A servirei, pois assim me foi designado – disse Eris – precisarei também fingir que me agrada?
– Não precisa fingir nada pra mim – respondeu Gabrielle.
A porta se abriu bruscamente. Acestes entrou, seguido por um punhado de soldados. Eris jogou-se no chão, se ajoelhou e baixou a cabeça.
Acestes olhou Gabrielle de cima a baixo, com uma expressão aprovadora. Voltou-se para Eris.
– Não ensinou-lhe a reverência, escrava?
– Sinto muito, senhor. Não tive tempo – Eris falou com voz assustada.
– Se justifica, escrava? – Acestes acenou para um soldado, que deu um tabefe forte no rosto de Eris. Os olhos da escrava marejaram – não se justifique, apenas faça o que lhe foi mandado. Sabe fazer reverência, Gabrielle?
Gabrielle estava com o coração acelerado e com vontade de ir até Eris para ver como ela estava, mas se controlou. Se curvou da melhor forma que podia.
Acestes balançou a cabeça, desapontado.
– Uma pena – lamentou o homem – mas nada que um treino não resolva. Por hoje, a corte terá que desculpar suas maneiras abomináveis. Escrava, rapazes, deixem-me só com Gabrielle um momento.
– Senhor? – questionou um dos guardas, receoso.
– Você me ouviu. Saiam.
Todos se entreolharam e saíram. Eris acompanhou os soldados e saiu dando uma última olhada preocupada em Gabrielle.
– Você deve estar se perguntando por que a mantenho viva, Gabrielle – Acestes começou a voltear pelo quarto.
– De fato estou curiosa, senhor – respondeu Gabrielle.
– Apenas Acestes, por favor. Seremos amigos – o homem sorriu – isso se você quiser, claro.
– Claro, Acestes – disse Gabrielle.
– Veja, por incrível que possa parecer, muitas pessoas gostam de você por aqui Gabrielle. Nobres que se compadeceram de suas humilhações públicas, soldados que a viram lutar, escravos que se identificam com você. Bem, ultimamente, nem tanto. Os coitados têm a estúpida ideia de que você é de alguma forma parte dessa revolução. E gostavam daquela aberração que estava no poder. Como cãezinhos que se agarram às pernas de quem lhes atira um osso roído. Desaprenderam seu lugar. Por isso tive que matar tantos deles para concretizar a reforma desse lugar. Muitos não queriam vê-la cair.
Gabrielle sentiu a boca azeda.
– Eu poderia estar com uma das garotas da nobreza – continuou Acestes – mas se for você, vou aparecer como caridoso e benevolente. Inventaremos uma história romântica, que inspirará as mulheres da corte. E como tem um homem no poder, não se incomodarão com uma regente de origem camponesa. É o que era originalmente, certo Gabrielle? Uma camponesa?
Gabrielle tentou articular palavras. Sua cabeça girava.
– Não sou um bruto – Acestes falava – jamais forçaria algo que você mesma não desejasse. Aliás, se ficar ao meu lado descobrirá que não me interesso por determinadas atividades físicas, de modo que não precisará ficar angustiada. Talvez apenas quando for esperado que você conceba. Até lá, não desfrutará de minha companhia noturna. Sequer me interesso por quem você trouxer para sua cama. Imagino que tenha aprendido um estilo de vida degenerado junto às amazonas. Mas, em público, terá que manter uma certa aparência. Ser gentil, doce, discreta. A corte não gosta de pessoas escandalosas, como era aquela mulher.
Gabrielle ainda não sabia o que dizer.
– Não dirá nada? – Acestes questionou – é uma oferta generosa.
Gabrielle pigarreou. Tentou formar palavras.
– Estou muito surpresa, senhor.
– Já foi rainha, Gabrielle, ainda que de uma tribo de selvagens. Não deverá ser difícil ocupar um lugar importante. Até porque não terá que fazer muito mais do que me acompanhar, ser linda e graciosa ao meu lado. Sabia que é linda, Gabrielle?
Gabrielle finalmente ergueu a cabeça para encarar o homem que falava. Os olhos pretos que a contemplavam, aguados e tolos, não casavam com o falatório que jorrava dos lábios avermelhados.
– É uma oferta generosa, senhor. A aceitarei de bom grado – Gabrielle conseguiu formular.
– Excelente! O que quiser, Gabrielle, será seu, dentro do razoável, claro. Te ensinarei boas maneiras. Será a rainha mais bela que esse reino já viu. Faremos história juntos. Agora, faça assim – Acestes demonstrou uma reverência para Gabrielle.
Gabrielle imitou o movimento.
– Já melhorou, aprende rápido. Em breve a buscarei, Gabrielle. Temos um evento a atender.
– Que evento seria, Acestes?
Ele sorriu.
– Um presente especial meu para você. A morte de Xena.
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