Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

    Gabrielle mal conseguiu processar a longa tarde de celebração na corte. Sua cabeça ainda estava tonta com a série de eventos inesperados. Os longos discursos de Acestes estavam começando a deixá-la entediada. Viu nobres pestanejando. Olhou ao redor buscando o rosto dos seus amigos. Viu alguns circulando pelo salão, atendendo à corte. Pareciam abatidos e amedrontados. Alguns a olhavam com desprezo. Seu coração apertou de tristeza.

    Estou fazendo isso por vocês. Para poder protegê-los. Se eu tiver um pouco de poder poderei falar em seu favor.

    Era o que estava fazendo? Ou zelava apenas por sua sobrevivência em um mundo que tinha perdido o sentido?

    Lembrou-se do ímpeto que correu por seu corpo quando, de arma na mão, tinha tentado fugir com eles. Como sua alma se encaixara em seu corpo naquele momento. Agora sentia-se um fantasma sufocado, e aquelas roupas destoantes lhe pesavam como chumbo.

    Acestes falava, e falava, e falava. Algo sobre retomar a ordem, colocar as coisas nos devidos lugares, educar selvagens. A mão dele acariciou seu ombro com suavidade. Alguns nobres aplaudiram entusiasmados, outros pareciam escandalizados. Eram as mesmas pessoas que a tinham visto percorrer aquele salão com uma coroa de espinhos?

    Acestes segurou sua mão e desceram do palanque do trono, em direção aos nobres. Muitos se curvaram diante deles. Ela repetiu como pôde a reverência que lhe fora ensinada. Aos poucos, se tornou automático.

    Gabrielle imitou os sorrisos que via.

    Acestes a deixou e foi dialogar com os homens da corte. Gabrielle viu-se cercada por mulheres da nobreza. Elas elogiavam sua roupa, seus olhos. Uma disse que pediria aos deuses para que seu cabelo logo crescesse e ficasse bonito. Que não acreditavam no que Xena havia feito com ela, e que agora ela estava sob a proteção de um bom homem.

    A amazona deu o seu melhor para sustentar as conversas vazias e a etiqueta que regulava as interações daquelas pessoas. O mais discretamente que conseguiu, foi dispensando-as e afastando-se, buscando um local onde pudesse ficar um pouco só. Visualizou um canto menos povoado do salão, e tentou esgueirar-se até lá. Achou que tinha conseguido um pouco de sossego quando uma figura alta de cabelos alaranjados se aproximou dela.

    – Gabrielle, seja bem-vinda. Meu nome é Ophelia. Creio que uma vez você estava presente no conselho da conquistadora?

    A amazona voltou a vestir sua máscara, perguntando-se se aquilo nunca ia acabar.

    – Obrigada pela gentileza, Ophelia. Estive presente uma vez no conselho, de fato.

    – Era escrava, então – a mulher bebeu um gole da taça que segurava – uma ascensão bem incomum.

    – Só posso agradecer ao destino que me concedeu a sorte de agradar o lorde Acestes – Gabrielle repetiu a resposta que havia ensaiado, sentindo a língua dura.

    – E ele, a agrada?

    Era a primeira vez que alguém lhe perguntava isso. Gabrielle ficou mais atenta à mulher que falava com ela.

    – Não tenho do que reclamar até o momento.

    Ophelia tamborilou a própria taça com as unhas compridas.

    – Ele não é desagradável aos olhos. E, a depender do assunto que lhe interessa, não deve ser má companhia. Tem um senso de humor generoso, pois uma vez fiz uma piada com ele quando confundiu Sófocles e Eurípides e ele jamais usou isso contra mim.

    A alfinetada tinha sido tão sutil que Gabrielle se perguntou se realmente tinha entendido. Teve que conter um risinho.

    – Está me dizendo que lorde Acestes não é um apreciador das artes?

    – Eu confesso que não sei muito bem o que ele aprecia ou não. A conquistadora, no entanto, não acompanhava o teatro. A grande vantagem dela é que não tentava fingir que gostava.

    – De fato. Me parece que a conquistadora preferia outros entretenimentos – Gabrielle não conseguiu disfarçar a dureza em sua voz.

    – Uma mulher complicada, sem dúvida. Difícil de agradar às pessoas. Curioso como uma mulher tão violenta conseguiu cair nas graças do povo, não acha?

    – Não da nobreza? – questionou Gabrielle, deixando a discrição de lado.

    Ophelia tomou um gole demorado do seu vinho.

    – Estávamos todos satisfeitos, eu diria. Nada do que reclamar. Alguns se incomodavam com seus modos, digamos, diretos, mas o terror que inspirava mantinha longe os perigos. Mesmo assim, eu diria que a maioria está feliz com a mudança. Tem perspectiva de mais melhorias. Lorde Dardanos, por exemplo, se ressentia muito das rígidas leis que Xena impôs em relação ao comércio de escravos. Deve estar ansioso por aumentar seus lucros uma vez que Acestes flexibilizar os mercados.

    Gabrielle sentiu o coração descompassar. A mulher estava lhe comunicando que Acestes pretendia piorar as condições dos escravos do reino. Talvez a história de Eris não fosse apenas fruto de seu estranho amor pela conquistadora.

    – Certamente o lorde Acestes terá a sensibilidade necessária para considerar todos os lados dessa questão tão importante – contestou Gabrielle.

    – Talvez, se uma voz amigável conseguir influenciá-lo. Mas Acestes é um descendente das mais antigas famílias gregas. Tem o coração apegado às tradições.

    – E quanto a você, Ophelia? À que se apega seu coração?

    O rosto neutro da mulher finalmente se abriu em um sorriso discreto.

    – Gosto de você, Gabrielle. Gostaria que realmente pudesse fazer algo em relação a tudo que vai acontecer.

    – O que acha que vai acontecer?

    – Com certeza terei bastante tempo para conversar com você sobre isso, uma vez que meu cunhado fará de tudo para aliviar-me do pesado fardo que é reger as terras de meu falecido marido. Ele e Acestes são próximos. Mal posso esperar para retomar a vida normal de uma típica mulher grega.

    Gabrielle soube então que não precisava manter os modos diante daquela mulher. Ela estava claramente ressentida com a queda de Xena.

    – Ophelia – Gabrielle se aproximou, lançando à mulher um olhar de urgência – certamente Acestes não pode ser pior que Xena. Você viu o que ela fez comigo aqui nesse mesmo salão.

    – Como eu disse, uma mulher complicada.

    – Complicada? É isso que tem a dizer?

    – Melhor ou pior, depende de suas prioridades, de quem você é, do que você acredita.

    – Acredito que uma mulher que gosta de torturar e matar não é adequada para ser rainha.

    Gabrielle viu a máscara da mulher oscilar por alguns segundos. A ruiva olhou ao redor. Estavam isoladas, ainda. A nobre falou, numa voz quase inaudível:

    – Olhe bem ao seu redor, Gabrielle. Preste bastante atenção em todos esses rostos. Tem pessoas que gostam de torturar e matar aos montes nesse salão. Garanto a você, nenhum deles tinha problemas com a violência que Xena praticava. Além de gostarem de violência, querem também tratar seus escravos como lixo descartável, porque é mais rentável. Querem controlar suas mulheres, para não se confrontarem com a própria insignificância, e querem seus lucros aumentando junto com a fome do povo. Tinham tudo, e ainda assim não suportavam que uma mulher de origem camponesa os governasse. Eu não sou normalmente tão direta, Gabrielle, mas você parece ter um coração justo. Eu lhe digo apenas uma coisa. Não vou comemorar quando Xena morrer hoje na arena. Ela fez desse mundo um lugar melhor para o povo, e isso está prestes a ser perdido.

    – Ela destruiu minha vida.

    – Eu sinto muito por você, Gabrielle. Com certeza sua vingança é mais importante que todas essas pessoas. Fico feliz que poderá ver o fim de sua inimiga.

    Gabrielle ia responder, quando a voz de Acestes ressoou pelo salão.

    – O antigo regime precisa terminar de cair – disse o rei – e veremos seu fim hoje, na arena, onde a besta será destruída.

    Os nobres ovacionaram.

     

    ***

     

    Xena cadenciava sua respiração, e movia seu corpo o máximo que podia dentro dos limites das correntes. Os grilhões afundavam em sua pele, rasgando e machucando. Ouviu o barulho de passos se aproximando e um séquito de guardas apareceu.

    Xena sorriu ao ver os olhos receosos deles. Como era bom saber o quanto a temiam. Um dos menos covardes se adiantou.

    – Hora de morrer, Xena – e abriu a porta da cela.

    Com a rapidez de um relâmpago, Xena atacou e o prendeu entre as correntes que algemavam suas mãos, começando a sufocá-lo.

    – Tem razão, rato – grunhiu a rainha.

    De imediato, os demais soldados sacaram suas espadas e pressionaram as lâminas por todo seu corpo. O homem estrebuchava em seus braços.

    – Largue-o agora, ou a matamos! – gritou o segundo menos covarde.

    Xena ainda segurou o homem por alguns segundos. Uma das lâminas começou a arranhar seu pescoço. Ela finalmente soltou o soldado. Ele caiu no chão, puxando o ar com força.

    – Ok, ok – Xena deu de ombros – serei uma boa garota.

    Os homens a empurraram, sem desencostar as espadas dela. Estava curiosa para saber o que Acestes lhe havia reservado. Imaginava que a colocaria para lutar contra alguns brutos na arena. Se fosse, seria um ótimo espetáculo e ainda teria a chance de matar alguns estúpidos antes de morrer.

    Era um bom final. 

     

    ***

     

    Gabrielle ficou surda por um tempo com a alta ovação que subia da plateia. De onde estava, tinha uma visão perfeita de toda a arena. Acestes acenava para o público. Quando o clamor arrefeceu, ele discursou:

    – Hoje testemunharemos o fim da mulher que corrompeu nosso reino. Podem voltar a dormir tranquilos à noite. A paz e a ordem retornaram.

    Mais ovações. Acestes gesticulou para um soldado. Gabrielle viu um portão se abrir. Xena saiu por ele, sem as correntes, e carregando um bastão de madeira. Um alto rugido ressoou pelo campo. As pessoas gritaram de susto. Uma enorme fera atravessou correndo outro portão, sua disparada veloz sendo contida pela corrente que a prendia.

    – Um animal será destruído por outro animal – proclamou Acestes.

    Gabrielle sentiu sua boca secar. Não era possível que ele ia fazer o que ela estava pensando.

    Ele vai fazer ela ser devorada viva.

    Acestes pegou sua mão e encostou os lábios em seus dedos.

    – É para você, Gabrielle – a voz dele era doce.

    Gabrielle desviou os olhos da arena, mas o homem pôs a mão em sua nuca e a forçou a virar o rosto para o campo aberto.

    – Quero que veja cada detalhe. Ela vai ser destroçada, como você foi.

    Acestes acenou mais uma vez. A fera foi solta e avançou direto na direção de Xena, com suas enormes presas à mostra.

    Xena viu o animal correndo em sua direção em velocidade vertiginosa.

    Tudo que ela tinha era o cajado, e o enfiou tão rápida e certeiramente no meio da garganta do bicho que ele caiu de costas, engasgando. Xena conseguiu partir o cajado ao meio e enfiar a ponta aguda de madeira no peito do animal, matando-o em segundos.

    – Isso é brincadeira – disse Xena, animada. Matar feras podia ser tão ou mais divertido que matar pessoas.

    Acestes balançou a cabeça, contrariado. Gabrielle não conseguia mais desgrudar os olhos da cena que se desenrolava diante dela. Outra fera foi solta na arena.

    Animal a animal, besta a besta, Xena acabava com eles implacavelmente. A plateia urrava de admiração. Acestes não estava gostando da reação do povo.

    – Essa mulher é uma completa abominação! Vamos acabar logo com isso — ordenou que liberassem de uma vez todas as feras.

    Xena sentiu algo que há anos não experimentava.

    Medo.

    Uma besta era uma coisa. Uma horda de bestas era outra completamente diferente.

    Ela fechou os olhos e conseguiu ouvir o rosnar das feras se aproximando por todos os lados. Tomou consciência de todos os músculos do seu corpo, uma febre eufórica desceu em sua alma.

    – Você quer ver um animal, Acestes – sussurrou a conquistadora – você verá.

     

    ***

     

    O que aconteceu em seguida Gabrielle não seria capaz de pôr em palavras. Os gritos, os rugidos, o horror. Alguns espectadores haviam desmaiado, outros passavam mal. Gritavam, alucinados. O sangue esguichava como se alguém tivesse aberto uma fonte no chão. Ela sentia Acestes tremer ao seu lado. Ele gargalhava em soluços convulsos.

    Mal se distinguia o que havia na arena. Os corpos das enormes bestas, todas mortas, se espalhavam pelo chão sangrento. E junto a todos esses corpos, Xena estava caída, imóvel, sangue jorrando por diversas partes do corpo.

    Ela está morta.

    Ouviu as pessoas vibrarem nas arquibancadas. Sentiu-se enjoada.

    Acestes discursava, Gabrielle mal ouvia as palavras. Olhava o corpo de Xena. Seu coração deu um salto ao perceber o movimento leve da cabeça, e os penetrantes olhos azuis se abriram para encará-la, como se soubessem que estava observando.

    Xena sorriu seu esgar maldoso.

    Não pode ser.

    Xena fechou novamente os olhos e pareceu se entregar à morte.

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