Lição
por DietrichSó conseguiram despistar os guardas quando estava prestes a amanhecer. Xena conhecia bem o território ao redor, e guiou-os até uma caverna obscura embrenhada no bosque.
Ajudaram Autolycus a descer do cavalo. O homem, apesar de já ter acordado, estava enfraquecido. O carregaram para dentro da caverna e o depositaram no chão.
Xena correu até o outro lado da caverna. Gabrielle a viu cair de joelhos, e foi ver o que acontecia. A guerreira passava mal, estava pálida e tremia. Por instinto, a amazona abaixou-se e pôs a mão no ombro de Xena, que teve um sobressalto diante do toque. Gabrielle, na mesma hora, afastou a mão.
– Conte-me, loirinha, como é se aventurar com dois inúteis? – a voz de Xena era quase inaudível – o velho Auto parece que também não está muito bem.
– Não acredito que o carregou correndo daquela forma – a voz de Gabrielle misturava repreensão e admiração.
– Era aquilo ou morríamos. Tinha que deixar a dor pra depois. Bem, agora é depois.
Xena fechou os olhos e encostou-se na parede da caverna, exausta de suportar a dor. Suava frio.
– Vá ver como está Autolycus – pediu Xena.
– Tem certeza?
– Apenas vá, loirinha.
Gabrielle assentiu, hesitante, e foi até o homem.
– Está acordado? – perguntou Gabrielle.
– Sim – o homem mal abria os olhos – não fomos apresentados – ele estendeu a mão e sorriu. Gabrielle sorriu de volta – Autolycus, Rei dos Ladrões.
– Gabrielle – cumprimentou a mulher, estendendo a mão para o homem. Quase caiu para trás quando ele, em vez de apertar sua mão, a levou até os lábios rachados e a beijou.
– Encantado, Gabrielle. Estou a seu dispor. Para o que precisar.
– Hum. Certo – Gabrielle puxou a mão num átimo. Uma risada cansada soou do outro lado da caverna.
– Não perde tempo, hein, velho tarado? – falou Xena.
– Faz cinco anos que não vejo o rosto de uma mulher, Xena. Fico feliz que os primeiros que eu vejo sejam tão agradáveis.
– Estamos parecendo galinhas depenadas – disse Gabrielle – e fedemos.
– Bem, eu não estou em posição de exigir muito – respondeu Autolycus.
– Se importa que eu o examine? – disse Gabrielle.
– De forma alguma – Autolycus pareceu se animar – meu corpo está a sua mercê.
– Sinto muito, mas você não é meu tipo – Gabrielle ajudou o homem a tirar o uniforme e a camisa suja.
– Oh, não – lamentou Autolycus – diga o que me falta, que eu consigo só por você.
– Para começar, um par de peitos – respondeu a loira. Ouviu Xena rir novamente ao fundo. Gabrielle examinou os olhos do homem e sua aparência geral, concluindo que ele precisava apenas de sol, descanso e comida.
– Isso vai ser difícil de conseguir – Autolycus olhou desconfiado para Xena e depois para Gabrielle – vocês duas…?
– Não! – Gabrielle quase gritou.
– Ah. Certo.
Gabrielle devolveu o olhar desconfiado.
– E você, já?
– Infelizmente não – resmungou o homem – mas não por falta de tentativa, Gabrielle, acredite.
Gabrielle tentou imaginar que tipo de história aqueles dois haviam vivido juntos. Parece haver uma amizade genuína entre eles.
– Gabrielle, muito obrigado – o homem falou, com voz terna – de verdade. Salvou minha vida.
Gabrielle apenas sorriu e apertou a mão do homem.
– Você está bem. Só precisa de descanso, comida decente e uns passeios ao ar livre. Em breve estará revivendo sua reputação.
Os olhos do homem brilharam. Gabrielle se levantou e foi até Xena.
– Ele está bem. Deixe-me olhar sua perna.
– Não há nada que possa fazer, loirinha.
– Na verdade, há. Vamos lá, pare de resmungar.
Gabrielle puxou a perna da mulher, levantou a barra da calça e sentiu os músculos rígidos sob seus dedos. Começou, muito levemente, a massagear a região.
Xena ofegou de surpresa.
Entendia Gabrielle ajudá-la por seus idiotas amigos escravinhos. Também entendia que a loira cuidasse dela quando estava à beira da morte, mas aquilo era demais. Não estava morrendo, apenas sentia dor. Xena tentou por um segundo se imaginar massageando a perna de alguém que ela odiasse.
Era incapaz. E uma lembrança antiga emergiu de repente. Lao Ma. Chin.
– O céu resiste e a terra dura uma estadia longa porque não vivem para si mesmos. Portanto, quem deseja viver muito tempo deve viver para os outros, servir aos outros.
– Eu poderia servi-la, se é isso que você quer dizer.
– É claro que você pode. É fácil servir alguém que você ama. Sente que fará que lhe amem mais. É como um bom investimento de negócios. Não é disso que estou falando.
– Quer dizer que deveria servir a alguém que me odeia.
– Mais do que isso. Necessita servir a alguém que você odeia. Ming Tzu.
– Ming Tzu.
– Sim. O homem que te caçou como um animal. Ele vem aqui amanhã com seu filho.
– Servir Ming. Eu prefiro morrer.
– Você já é uma mulher morta há muito tempo, Xena. Estou te oferecendo uma chance de viver.
Lembrou do prazer que sentiu ao matar Ming Tzu.
A pequena loira parecia ter entendido as lições de sua antiga mentora, quando ela mesma jamais conseguira. Xena finalmente entendeu o que a inquietara desde o momento que pusera os olhos na loirinha, e que a fizera ter tanta vontade de despedaçá-la. Porque as amazonas morreram por sua rainha sem hesitar, mesmo sem a mulher usar do terror ou da violência para subjugar ninguém.
Gabrielle não a olhava, concentrada em sua tarefa. A dor em sua perna, embora ainda intensa, arrefecia um pouco.
– Me odeia, Gabrielle?
Gabrielle interrompeu o que fazia, a encarou por alguns momentos, e guardou silêncio. Continuou a massagem.
– Me responda, putinha amazona – rosnou Xena.
Gabrielle interrompeu-se novamente e olhou para Xena.
– É o que você quer, não é? Quer que eu te odeie.
– Mandei matar sua namoradinha estúpida – disse Xena, cortante.
Gabrielle continuou a encará-la. O olhar da amazona estava ferido, mas firme.
– Eu sei, Xena. Acredite, eu sei. Se eu odiar você, a terei de volta?
– Não seja idiota – Xena sentiu a fúria começar a levar o melhor dela – por que está cuidando da minha perna?
– Porque você está com dor e posso fazer algo sobre isso.
– Eu destruí sua vida! – o grito de Xena reverberou pela caverna. Sua perna voltou a queimar de dor – você é uma débil mental? Uma estúpida santinha? Uma puta masoquista?
Gabrielle não desviou o olhar enquanto a mulher gritava.
– Eu definitivamente mexo com seus nervos – e retomou o trabalho de massagem.
Xena se viu a ponto de esbofetear a amazona de novo. Mas o ímpeto se esvaiu como se nunca tivesse existido. A guerreira fechou os olhos e encostou-se na parede da caverna, permitindo que o cuidado da mulher aliviasse sua dor.
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