A Rainha
por DietrichA comitiva da rainha entrou em Corinto, que fervilhava em uma grande recepção de vitória. As ruas estavam tomadas por camponeses curiosos, nobres passeando em suas tendas carregadas por escravos, comerciantes que percorriam a balbúrdia negociando seus bens.
Aos portões do castelo, Acestes a esperava. A rainha desceu de seu cavalo e lhe ofereceu o braço, que o homem enlaçou de forma graciosa. Ficou satisfeita diante do modo estoico com que o regente suportava o fedor de sangue, suor e sujeira que ela sabia que carregava depois de uma campanha de guerra violenta como aquela. Os dois acenaram para a multidão e atravessaram os portões, que se fecharam atrás deles.
– Minha senhora, está linda – Acestes se inclinou e puxou a mão da conquistadora para um beijo.
– Salve isso para as massas, Acestes – a rainha recolheu a mão antes que os lábios do homem a tocassem. O regente se endireitou, desolado. Xena sacudiu a mão, dispensando-o – vá brincar, certo? Já mostrei seu bonito rostinho aristocrata para as pessoas.
– Sim, minha senhora – o homem se curvou e saiu apressado. Passos soaram no salão de entrada e Anteia, sua governanta, apareceu.
– Bem-vinda de volta, minha senhora – a mulher fez uma reverência – seus aposentos já estão prontos.
– E a festa dos ratinhos bastardos?
Anteia pigarreou.
– O jantar para a nobreza já está encaminhado, minha senhora. Assim que o sol se por, iniciaremos as festividades.
– Ótimo. Tempo suficiente para descansar e tirar essa crosta de merda da minha pele.
Xena começou a caminhar em direção aos seus aposentos, debaixo do olhar escandalizado da governanta.
***
Ao entrar no quarto, a primeira coisa que a rainha viu foi Eris ajoelhada aos pés de sua cama. A escrava inclinou-se, os cabelos negros e ondulados caíram sobre seu rosto.
– Seja bem-vinda, minha senhora – cumprimentou a jovem.
– Bem quem eu queria ver – a rainha aproximou-se – levante-se, garota. Tem muito trabalho a fazer.
Eris ergueu-se num átimo e começou a ajudar a rainha a tirar as peças da armadura. Exclamou e cobriu a boca com a mão quando viu uma grande mancha de sangue seco na barriga da conquistadora. Tocou o local e ergueu os olhos preocupados para a monarca.
– Minha senhora, se feriu?
Xena olhou o local a que a jovem se referia.
– Não, Eris, não é meu sangue.
– Oh – a escrava suspirou de alívio.
– Vamos – a rainha terminou de tirar as roupas que vestia e foi até a banheira que a aguardava, a escrava em seu encalço. Entrou na água e suspirou de prazer ao sentir a sujeira começar a descolar de sua pele. Eris pegou o sabão e posicionou-se atrás da rainha, pronta para lavar seus cabelos, mas a conquistadora segurou a mão da escrava e se virou para encará-la.
– Não é assim que quero – disse Xena.
A escrava baixou os olhos, tímida.
– E como quer, minha senhora?
Xena desamarrou os cordões da túnica que a escrava vestia, e o tecido escorregou pelo corpo da jovem.
– Vai tirar o resto ou terei que me dar ao trabalho? – perguntou a rainha.
Eris removeu suas roupas de baixo. Xena fez sinal para que a jovem entrasse na banheira. Quando a escrava estava dentro da água, Xena deu-lhe as costas e lhe entregou o sabão.
– Agora faça seu trabalho.
Eris lavou com atenção e cuidado as costas e os cabelos da conquistadora. Puxou o corpo da rainha contra o seu e começou a esfregar o colo, seios e estômago da mulher. Logo limpava as longas pernas e os pés da rainha. Xena recostou-se na banheira, aproveitando as sensações do banho e os toques da escrava.
Xena saiu da banheira e Eris logo se adiantou, pegando o pano de enxugar e entregando à soberana. A rainha secou-se e entregou o pano à escrava, ordenando que também se secasse. Deitou-se na grande cama e regozijou-se na maciez dos lençóis de seda.
– Vem aqui, escravinha – murmurou a rainha, de olhos fechados.
Sentiu os lençóis mexerem-se ao seu lado. Aspirou o frescor e o perfume que emanavam do corpo de Eris. Estendeu-se sobre o corpo nu da escrava, beijando sua boca com lentidão. Eris entrelaçou sua cintura e a apertou com força. A rainha parou o beijo e olhou o rosto afogueado da jovem.
– Sentiu falta disso?
Eris assentiu, mas Xena sacudiu a cabeça, em negativa. Massageou o lábio inferior da escrava com seu polegar. A jovem entrecerrou as pálpebras.
– Palavras, Eris.
– Sim, minha senhora. Senti falta.
Xena pegou a mão da escrava e pôs entre suas pernas, ao mesmo tempo que colocava dois dedos dentro da outra mulher.
– Bem – disse a rainha – você sabe o que fazer.
***
Atiraram Gabrielle em uma cela no calabouço, e ao seu lado puseram um pote com água e uma bacia com pão e carne.
O cheiro da comida e da água fizeram seu corpo começar a tremer. Manquejou até os recipientes e mordeu um diminuto pedaço da carne. Seus instintos queriam que se alimentasse de uma só vez, mas ela não tinha intenção de passar mal. Só terminou de comer toda a refeição quando a noite já tinha caído.
O barulho de ratos correndo lhe deu um sobressalto. Sentou-se no chão e recostou-se na parede de pedra, descansando a cabeça e fechando os olhos.
“Disseram-me uma vez que a conquistadora jogou uma mulher viva num poço de caranguejos carnívoros. No dia seguinte só restavam ossos.”
– Deve ser mentira, Igara – Gabrielle falou para as paredes, esfregando os braços enquanto imaginava os beliscões dos animais na pele – apenas uma história qualquer.
Um estalido metálico ecoou no calabouço. Guardas entraram em sua cela. Um deles lhe atirou uma fedida pele de cervo.
– Suas vestes para a festa, majestade – disse o homem.
Gabrielle atirou a pele pra longe.
– Não vou vestir isso.
O impacto do punho do homem em seu rosto a deixou tonta.
– O que disse, animal?
– Eu disse – Gabrielle olhou para o guarda – que não vou vestir isso.
Dessa vez o golpe foi no estômago e ela ficou sem ar. Fez menção de levantar-se, mas o homem a derrubou e a atingiu novamente. Gabrielle sentiu os punhos e os pés do homem por todas as partes de seu corpo. Sua visão começou a borrar.
– Eu.. – Gabrielle cuspiu sangue.
– Fale mais alto, selvagem – disse o guarda.
– Vestirei.
O homem a ergueu e jogou a pele por cima de seus ombros. Outro se adiantou e enfiou uma coroa de espinhos em sua cabeça. Os ferrões entraram em sua testa e o sangue desceu por seus olhos, cegando-a.
***
– Foi uma bela campanha, senhora conquistadora. Estamos muito satisfeitos – o lorde inclinou-se diante da rainha, depois esticou-se e olhou ao redor – a festa está esplêndida.
A rainha já tinha perdido a conta de quantos tinham vindo cumprimentá-la usando as mesmas palavras.
– Uma recepção belíssima, sua majestade. Bem-vinda de volta – outro homem curvou-se diante dela.
Xena respirou fundo, tamborilando os dedos no trono. Uma alta mulher de cabelos ruivos se aproximou e fez uma reverência.
– Senhora conquistadora – disse a mulher – fico muito feliz em vê-la novamente.
– Que gentil da sua parte, Ophelia – Xena cruzou as pernas e apoiou o queixo numa mão – ainda solteira?
– Sim, senhora conquistadora – a mulher olhou para o chão, consternada – nenhuma pessoa ainda foi capaz de substituir o lugar que meu falecido marido ocupa em meu coração. Sinto a falta dele todos os dias.
– O que quer dizer é que não quer abrir mão do controle que tem sobre as terras dele – a monarca sorriu.
Ophelia pôs a mão no peito e balançou a cabeça.
– Serei eternamente grata a sua majestade por mudar a legislação e me permitir a honra de administrar as posses do meu amado.
– Seu cunhado não está tão grato.
– Até hoje ele não me dirige a palavra, minha senhora. Uma tristeza para a família.
Xena fez sinal com o dedo para a mulher se aproximar mais. Quando a orelha da ruiva estava quase encostada em sua boca, sussurrou:
– Ainda está cavalgando o pau do Ariston?
Xena ouviu a mulher engolir uma risada e afastar-se, postando-se reta, o rosto impassível.
– Vossa majestade é muito graciosa.
– E você é a única criatura nesse salão que não é uma pilha de esterco de vaca.
– Fico honrada em ocupar esse posto tão particular.
– Ah, saia daqui. Ainda tem uma fila de abutres querendo me tirar uns pedaços.
Ophelia fez mais uma reverência e saiu. Quando a rainha tinha terminado de cumprimentar toda a corte, o cerimonialista fez o anúncio que Xena estava esperando ouvir.
– Todos levantem-se para saudar a convidada de honra da Senhora Conquistadora. Gabrielle, Rainha das Amazonas!
Murmúrios confusos se espalharam pelo salão. As pessoas voltaram os olhos para a passarela central. Alguns exclamaram de horror, outros riram, enquanto a mulher na pele de cervo mancava em direção à rainha.
Xena estreitou os olhos. A loira caminhava de cabeça elevada. Os olhos grandes e verdes destacados na máscara de sangue fitavam os seus. Fixos e insolentes.
A rainha endireitou as costas e começou a esfregar com força os braços do trono. Um rosnado baixo começou a vibrar em sua garganta. Seu rosto adquiriu uma expressão ferina enquanto sustentava o olhar ostensivo de Gabrielle.
As risadas tinham cessado, e as pessoas acompanhavam cada passo da amazona, até ela parar diante do palanque do trono. Xena levantou-se e desceu os degraus até estar diante da outra mulher.
– Aqui está a Rainha das Amazonas – disse Xena ao público – a única remanescente de uma nação selvagem que morreu por tentar resistir às nossas caridosas tentativas de civilizá-las. Elas recusaram, insistiram em permanecer selvagens. Então eu a apresento a vocês, senhoras e senhores, pela selvagem que ela é. Ela não é uma rainha, elas não eram uma nação. Eram bestas ferozes que precisavam ser abatidas para não perturbar o sossego de nossa terra pacífica. E abatidas elas foram.
Xena baixou os olhos para Gabrielle, e a amazona cuspiu no rosto da conquistadora.
Alguém derrubou um talher e o barulho tilintou alto.
A coroa de espinhos arranhou a mão de Xena e voou longe quando seu punho atingiu Gabrielle, que desabou no chão e parou de se mexer. A rainha limpou o rosto e chutou a mulher caída, depois pisou em seu rosto e apertou-o no chão com força.
– Este animal aqui – a rainha torceu o pé – eu resolvi adestrar. Ela vai ficar viva, como símbolo do lugar a que pertencem aqueles que me desafiam.
Xena controlou seu fôlego descompassado e apreciou o silêncio estarrecido da multidão. Tirou o pé de cima do rosto de Gabrielle e fez sinal para um guarda.
– Leve essa cadela para o canil – ordenou a rainha. Ele ergueu Gabrielle e a arrastou para fora dali.
Com a mão manchada de sangue, Xena ergueu uma taça de vinho.
– A um novo mundo, sob meu comando.
– A um novo mundo – responderam os nobres. Aos poucos, a tagarelice recomeçou, o barulho de talheres encheu o ar, e as risadas voltaram a ecoar por todo o salão.
Daquela vez, Xena não conseguiu forçar-se a descer e participar das interações que a etiqueta demandava. Ficou em seu trono, silenciosa, bebericando o vinho. Olhou a mão suja de sangue e pensou nos orgulhosos olhos verdes.
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