Amanhecer
por DietrichSerá que Xena tem uma chave desse quarto? Gabrielle pensou. Oh, deuses. O que vai ser de mim? Será que ela pode entrar aqui e simplesmente me matar?
Uma parte dela queria crer que se Xena fosse matá-la, o teria feito há alguns minutos atrás. Mas o que tinha visto daquela vez nos olhos da imperatriz aterrorizara o mais profundo de sua alma. Ela tinha a sensação marcante que a mulher poderia decidir matá-la por capricho a qualquer momento.
Será que devo fugir? Para onde?
Num ímpeto irracional, arrastou os móveis, colocando-os junto à porta. Recuou e sentou-se na cama, recostando-se na parede, mas seus olhos não saiam da porta, como se esperasse uma invasão a qualquer momento.
***
Xena entrou em seu quarto com passos incertos, o peso do álcool latejando em sua cabeça. Ela cambaleou até a cama, deixando-se cair pesadamente. Fechou os olhos, mas o rosto de Gabrielle – aquele olhar aterrorizado e cheio de lágrimas – surgia em sua mente com uma clareza incondizente com seu estado ébrio. Sentiu uma pontada de náusea.
Ela levantou uma arma contra mim. Isso é imperdoável. Estou apenas protegendo meu território. Ela sentiu a mentira dos próprios pensamentos tão logo os formulou. Aquilo que havia de sombrio em si, que sempre tentava manter acorrentado, tinha despertado, ainda que por poucos minutos.
– Por quê? – murmurou para si mesma, sua voz um sussurro trêmulo – Por que ela… por que você…?
Sentiu as lágrimas queimarem seus olhos, e um riso amargo escapou de seus lábios. Não chorava por Callisto, mas por algo que nem sabia como nomear. Apenas sabia que se sentia… exposta. Como se todos os poros de sua pele tivessem sido abertos.
A expressão de terror de Gabrielle persistia em sua mente, cruel e incisiva. Ela não conseguia racionalizar o que isso significava; não entendia o porquê de seus instintos mais primordiais surgirem em presença daquela jovem que parecia tão… desarmada.
Xena pressionou a palma da mão contra o rosto, tentando apagar as lembranças da noite, mas a sensação amarga no fundo de sua garganta só aumentava. Odiava não saber como reagir, odiava a confusão que a dominava.
A última coisa que pensou, antes de perder a consciência, foi que talvez Gabrielle tivesse sido a primeira pessoa em muito tempo a ver quem ela realmente era.
***
Gabrielle despertou com um disparo forte de seu próprio coração. Ofegou e percebeu, pela pouca luz na janela, que ainda era muito cedo. Tinha adormecido sentada e recostada na parede. Não lembrava quando o cansaço havia vencido o pavor, nem tinha ideia de quantas horas tinha dormido, mas seu corpo doía como se tivesse corrido uma maratona.
Levantou-se e lavou o rosto. As imagens da noite anterior eram como um pesadelo vívido, mas seu corpo tremeu ao lembrar que não havia sido um pesadelo. Sentiu lágrimas virem aos seus olhos e perguntou-se o que devia fazer.
Respirou fundo e tentou simplesmente iniciar o dia normalmente. Como um autômato, vestiu suas roupas de trabalho. Colocou os móveis de volta em seus lugares, e parou diante da porta trancada. Encostou o ouvido nela, mas não detectou nenhum barulho.
Trêmula, girou a chave na fechadura, o estalido da lingueta a deu um leve sobressalto. Abriu a porta lentamente, mesmo o rangido parecia arranhar sua alma. Passou os olhos rapidamente pelo espaço: não havia ninguém ali.
Saiu da biblioteca. Ainda era muito cedo, e os corredores estavam lotados de servos que preparavam tudo para que o dia começasse. Acenavam para ela e sorriam, alguns fizeram graça com o fato de ela estar de pé tão cedo, perguntando se ela havia caído da cama.
Gabrielle respondia mecanicamente, dentro dela a urgência de ir… aonde? Saiu do castelo e andou pelo pátio. Por um minuto, a beleza da luz suave do sol nascente aplacou o temor em sua alma.
– Gabrielle – ouviu uma voz familiar.
Joxer se aproximava, acenando alegremente. Ela sentiu um conforto inesperado em ver o amigo. Quando ele se aproximou, não conseguiu se conter e uma lágrima escorreu por seu olho.
– Ei! – o homem pareceu preocupado – Gabs, o que aconteceu?
– Eu… – Gabrielle enxugou a lágrima – estou realmente com saudades de Rhea hoje.
– Ei, ei – o homem lhe lançou um olhar compreensivo – tem café e pão fresquinhos lá em casa, que tal?
– Eu aceito – respondeu Gabrielle – ainda tenho um tempinho antes de precisar abrir a biblioteca.
– Vamos lá então.
***
Joxer conduziu Gabrielle até sua pequena casa, um lugar acolhedor e modesto, cheio de móveis de madeira e com o aroma de pão recém-assado. Ele puxou uma cadeira para que ela se sentasse na mesa e logo trouxe uma caneca de café fumegante e uma cesta de pães. Gabrielle se esforçou para sorrir e aceitou o café, sentindo o calor reconfortante da bebida em suas mãos.
– Deve ser difícil para você – disse ele com suavidade, observando-a com uma preocupação genuína nos olhos – Longe da pequena Rhea.
Gabrielle assentiu, tomando um gole de café para ganhar tempo enquanto formulava uma resposta. Não podia falar sobre o medo que estava realmente corroendo-a por dentro, então se apegou à história que havia contado a Joxer.
– Sim, muito – ela murmurou, desviando o olhar para a mesa – Às vezes, quando penso em quanto tempo estou sem vê-la, meu coração fica apertado. Ela é tudo pra mim, sabe?
Joxer sorriu, e a expressão de compreensão em seu rosto era quase uma confissão silenciosa de seus sentimentos.
– Eu entendo perfeitamente. Cada vez que preciso sair e deixo Sophia fico me perguntando se estou perdendo algo. Sei que as crianças crescem tão rápido. Num instante, elas são pequenas e precisam de você, e, no outro… – Ele deu de ombros, com uma expressão nostálgica.
Gabrielle esboçou um sorriso genuíno, apreciando a ternura com que Joxer falava de sua filha. Esse momento tão simples, repleto de cumplicidade e compreensão, era exatamente o que ela precisava para aliviar o peso daquela manhã.
– Ela tem sorte de ter um pai como você – disse Gabrielle, um calor verdadeiro tingindo suas palavras – É claro que ela sente sua falta, mas eu sei que ela tem orgulho de você.
Joxer corou levemente e abaixou os olhos, visivelmente comovido.
– Obrigado. Isso realmente significa muito para mim – Ele hesitou por um momento, como se quisesse dizer algo mais profundo – Você sabe, às vezes, quando a vida nos arrasta para longe, é o pensamento de quem deixamos para trás que nos dá força para continuar.
– Sim, eu entendo o que quer dizer – disse ela – Às vezes, é só isso que nos mantém firmes.
Gabrielle terminou de beber seu café, sentindo-se um pouco mais calma.
– Obrigada, Joxer – disse, dando um sorriso sincero – Você não imagina o quanto eu precisava disso.
Ele retribuiu com um sorriso modesto, desviando o olhar. Gabrielle percebeu o brilho carinhoso nos olhos dele e sentiu o coração apertar com a mentira que tivera de contar.
– Eu sempre estarei aqui, Gabrielle. Sempre – respondeu, sem ousar mencionar o que realmente queria dizer. Em vez disso, ofereceu apenas mais café – Mais uma xícara antes de voltar?
Ela balançou a cabeça e se levantou, com um suspiro suave.
– Não, eu… já devo estar atrasada – sorriu – Mas nos vemos logo?
– Sempre que precisar – ele disse, abrindo a porta para ela, com um último olhar de ternura contida.
Gabrielle despediu-se com um aceno e começou a caminhar de volta ao castelo, sentindo o calor da conversa recente se esvair pouco a pouco, sendo substituído por uma crescente tensão. Respirou fundo, alisando a roupa e tentando encontrar uma calma interior antes de retornar àquela fortaleza, onde sabia que a sombra da imperatriz esperava.
***
Xena despertou com a cabeça latejando, o gosto amargo do álcool ainda impregnado em sua boca. O sol filtrava-se pelas cortinas, e ela precisou apertar os olhos para aplacar o incômodo da luz. O quarto parecia girar levemente, mas, mesmo em meio à dor de cabeça e à náusea, a memória da noite anterior pulsava em sua mente com uma nitidez cruel.
Gabrielle. A lembrança de seu rosto aterrorizado cravava-se em sua consciência como uma faca. Uma onda de culpa a assaltou, tão intensa que quase conseguiu suprimir o desconforto físico. Ela soltou um suspiro longo e virou-se na cama, afundando o rosto no travesseiro.
Uma vontade desesperada de compensar Gabrielle de alguma forma surgiu em seu peito.
Eu nem devia me preocupar com isso. Eu não devia me preocupar com o que ela está pensando de mim.
Sabia disso, e aterrorizou-se quando percebeu que se preocupava, e muito, e que não conseguiria ignorar aquilo.
– Merda, Xena. Merda! Que tipo de criatura patética você está se tornando?
Xena ficou deitada por mais alguns minutos, respirando fundo, enquanto tentava dissipar os últimos traços de seu estado alcoólico.
Uma batida suave na porta de seu quarto a fez praguejar. Certamente era a maldita serva que vinha preparar seu banho. Gritou para que ela entrasse, e a jovem fez uma mesura educada, enquanto se dirigia ao banheiro para preparar sua tina. Quando ela saiu, arrastou-se e mergulhou na água. Aquilo imediatamente a fez sentir-se um pouco melhor.