Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

    Gabrielle despertou, banhada em suor, depois de uma série de pesadelos. A maioria envolvia cenas das mortes das amazonas. O sol ainda não havia nascido, mas, pelo ar da madrugada, Gabrielle soube que ele estava perto de surgir.

    Mexeu-se e soltou um gemido. Seu corpo estava dolorido da longa cavalgada do dia anterior e de dormir no chão duro. O estômago roncou. Tomou um gole do cantil que tinha na cintura e percebeu que era o último.

    Olhou para o lado e viu Xena adormecida recostada numa árvore próxima. Lembrou-se do dia em que Eris tinha drogado a mulher e ela poderia ter tido sua vingança. Nessa lembrança misturavam-se agora a vergonha por ter falhado e a tristeza por lembrar da jovem que acabara se tornando sua amiga.

    Esperou surgir o ódio e o desejo de retaliação que a assomavam todas as vezes que olhava para aquela mulher.

    Não aconteceu. Não sentia nada além de cansaço. Um flagelo de culpa a fustigou. Tinha começado a esquecer suas irmãs?

    Fechou os olhos e tentou ver seus rostos, ouvir suas vozes. Estremeceu ao perceber que seus contornos começavam a ficar difusos, suas vozes começavam a soar como ecos distantes de uma caverna.

    Tentou segurar a imagem de Ephiny no centro da sua mente. Ela apareceu, os belos cabelos cheios, o rosto mal humorado. A delicadeza e o carinho que eram reservados apenas para Gabrielle nos momentos de intimidade. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ver que mesmo essa imagem começava a adquirir o brilho etéreo de um sonho.

    – Perdoem-me – sussurrou Gabrielle para si mesma – perdoem-me por estar viva. Perdoem-me por não ter mais forças para odiar. Perdoe-me Ephiny, meu amor. Tenho que deixá-las ir. Sinto muito por não ter sido capaz de protegê-las.

    Sua vida parecia ricochetear, à deriva, agarrando o que quer que as Parcas lhe jogassem. Não se sentia dona de seu destino, e sim, à mercê dos fatos. Não tinha ninguém no mundo. E de alguma forma tinha acabado em uma missão ao lado da pessoa responsável pela maior parte de suas desgraças.

    Depois de ajudar Xena, teria que descobrir o que fazer com a própria vida. Sonhos longínquos e juvenis sobre tornar-se uma barda viajante reacenderam no fundo de sua memória. Pareciam pertencer à outra pessoa.

    Um suspiro de alguma coisa que lembrava vagamente felicidade começou a voltear dentro do seu peito.

    Contarei nossas histórias. Ao mundo inteiro. Não deixarei nossas memórias desaparecerem. Todos saberão quem foram as amazonas, como éramos corajosas e implacáveis. Como amávamos a natureza, as pessoas, como cuidávamos umas das outras, como celebrávamos a vida, o riso, a música e a alegria. Como ensinávamos as mulheres a serem fortes e a jamais se sentirem inferiores. Todos saberão.

    Era o legado que poderia oferecer ao mundo, e a única forma de fazer valer o maldoso destino que lhe poupara a vida.

    O sol começava a dar as caras quando Xena despertou.

    – Bom dia, loirinha – disse Xena, sonolenta.

    Gabrielle ignorou a mulher, que sorriu e continuou a falar:

    – Estou faminta. Temos que achar algo para morder.

    – Posso resolver isso – Gabrielle levantou-se e se esticou – vou caçar alguma coisa.

    – Oh, mas eu quero ir – retrucou Xena.

    – Você deve estar enferrujada. Além de machucada. Faz anos que não caça, aposto.

    – Aposta? – Xena levantou-se quase de um pulo – tenho uma aposta para propor então. Um jogo.

    – Quer fazer jogos? – questionou Gabrielle – a essa hora?

    – É uma forma de tornarmos essa jornada menos intolerável. Façamos o seguinte. Nós duas saímos para caçar. Quem voltar aqui primeiro com a comida, ganha.

    – Isso é estúpido – disse a amazona.

    – Ora, vamos – disse Xena, olhando ao redor – esse campo parece propício para lebres. Quem voltar aqui primeiro com uma lebre, ganha.

    – Não tem como tornar essa jornada menos intolerável, Xena. Deixe-me ir caçar e pronto, não precisamos de jogos ridículos.

    – Está me dizendo que tem medo de perder?

    – Pelo amor dos deuses! Tá, vá caçar também se quiser – Gabrielle começou a se afastar, mas Xena a segurou pelo braço. A amazona entrou em alerta e pôs a mão no punho da espada. Xena a soltou e ergueu as mãos com as palmas para fora.

    – Esses são os termos – disse Xena – quem ganhar, deve fazer o que a outra pedir, sem questionar. E não se preocupe – Xena reassegurou ao ver o olhar desconfiado de Gabrielle – prometo não pedir nada escandaloso.

    – Acontece – o espírito competitivo de Gabrielle finalmente levou a melhor – que você vai perder.

    – Isso veremos.

    – Eu vou pelo sul.

    – Norte está bom pra mim – disse Xena – valendo.

    Gabrielle ainda demorou alguns segundos para se mover. Sentiu que tinha sido transportada para um mundo bizarro. 

     

    *** 

     

    A fogueira crepitava. Gabrielle retirava cuidadosamente as entranhas da lebre quando Xena finalmente voltou de sua caçada.

    – Oh, merda – disse Xena, aborrecida.

    – Falei que você estava enferrujada – disse Gabrielle.

    – Parece que sim – Xena jogou a lebre que carregava aos pés de Gabrielle – mas a minha é maior.

    – Já sei o que vou lhe pedir – Gabrielle enfiava os pedaços do animal em espetos de madeira.

    – Não sou uma boa dançarina, loirinha.

    Gabrielle fez uma expressão confusa.

    – Que? Não!

    – Sabia que não tinha criatividade.

    – Vou pedir que, até terminarmos essa missão, não mate ninguém a não ser que seja absolutamente necessário.

    – Que? – Xena estava com raiva.

    – Se tiver a opção de nocauteá-los, ou algo assim, é o que fará. Só matará para salvar sua vida – Gabrielle olhou para a mulher fixamente, esperando uma resposta.

    – Argh! Você tinha que estragar a diversão com essa mania de santinha.

    – Está me dizendo que não consegue?

    Xena a fuzilou com os olhos.

    – Colocar os vermes para dormir, não matá-los. Posso fazer isso. Só não reclame quando um deles voltar pra morder sua bunda. Morte é a única solução definitiva.

    – Bem, você perdeu a aposta. Então é isso.

    O silêncio perdurou enquanto a lebre assava. Gabrielle tentou segurar a própria curiosidade, mas não resistiu:

    – O que você ia pedir? – Gabrielle perguntou, antes de dar uma mordida na coxa do animal.

    – Uma massagem de corpo inteiro.

    Gabrielle quase engasgou com a carne.

    – Meu corpo parece que foi atropelado por uma horda de ciclopes. Minha perna parece que vai cair. Isso que dá passar anos dormindo em lençóis de seda e esquecer como é a vida – Xena achou graça ao ver o olhar estupefato que Gabrielle lhe lançava – o que foi? Sou uma garota simples.

    Gabrielle avaliou a mulher ao seu lado. Apesar da situação deplorável em que se encontravam, Xena parecia feliz. Como…

    Como se ali fosse o lugar onde ela verdadeiramente pertencesse.

    No castelo, Xena comportava-se como um inquieto animal enjaulado, que estava constantemente atrás de distrações do seu tédio. Pessoas para aterrorizar e usar. Gabrielle fora um dos seus brinquedos.

    – Temos muito que fazer, loirinha – Xena devaneava, mordiscando pedaços da carne – temos que nos livrar dessas roupas imundas. Arrumar umas armas decentes. E acho que sei por onde começar nossa busca.

    – Devia ter lhe pedido que parasse de me chamar assim – reclamou Gabrielle.

    – Devia mesmo. Você acabou com todo o gosto dessa aventura.

    – Oh, realmente sinto muito – Gabrielle respondeu sarcasticamente.

    – Bem, tem um povoado não muito longe daqui. Vamos tentar arrumar o que precisamos lá. Se tivermos sorte, não seremos reconhecidas e, veja só, não terei que matar ninguém. Maravilhoso, não?

    Mais um momento de silêncio perdurou enquanto comiam, até que Xena lançou:

    – Quem foi a primeira pessoa que matou, Gabrielle?

    – Que lhe importa isso?

    – Estou me perguntando de onde vem todo esse seu preciosismo em não matar pessoas.

    – Devia estar se perguntando de onde vem sua displicência com a vida das pessoas – retrucou Gabrielle – não somos amigas, Xena. Não precisamos ficar conversando.

    – Vamos ficar mudas o tempo todo? Deixe de besteiras e me diga.

    A lembrança do momento sobre o qual Xena perguntava reapareceu e a deixou desconfortável. Não queria conversar com Xena, mas a presença silenciosa da mulher lhe encarando era ainda mais desconcertante que a conversa descabida.

    – Uma amazona chamada Velasca – respondeu finalmente.

    Xena exclamou de surpresa.

    – Sua primeira morte foi uma amazona?

    – Uhum.

    – Vai ter que me explicar isso.

    – Não tenho que explicar nada.

    – Não me faça te torturar, loirinha. Estou brincando – acrescentou num átimo ao ver a expressão de Gabrielle – mas realmente quero saber. Vamos, conte-me.

    Gabrielle mastigou e engoliu vagarosamente para ganhar tempo, mas a outra mulher era insistente como uma criança birrenta.

    – Ela estava rainha em minha ausência – contou Gabrielle, cansada – estava levando as amazonas por um caminho destrutivo. Não quis me devolver o trono e demandou o desafio para me substituir. O desafio é uma luta até a morte. Eu venci.

    – Uau. Impressionante – elogiou Xena – quantos verões tinha?

    – Vinte.

    – Hum. Quer dizer que matou para recuperar seu trono – disse Xena, sorrindo com aprovação – ambiciosa. Gosto disso.

    Gabrielle preferiu não reagir à provocação.

    – E você, quantos verões tinha quando matou pela primeira vez? – perguntou Gabrielle. Percebeu uma sombra passar rapidamente pelos olhos de Xena.

    – Doze – ela falou com um tom de displicência.

    Gabrielle parou de mastigar.

    – Que?

    – Enfiei uma faca na garganta do bastardo que matou minha família – Xena falou, tranquila, mas Gabrielle percebia que ela estava menos calma do que antes.

    – Era uma criança – Gabrielle estava chocada.

    – Já não era criança há um tempo – Xena mordeu o último pedaço de carne e levantou-se – acho que já podemos partir, loirinha.

    Gabrielle tentou imaginar uma Xena de doze anos matando uma pessoa. Tentou lembrar do que ela mesma fazia aos doze anos. Pastoreava ovelhas em Potedia. Ajudava os pais na fazenda. Brincava com Lila, Pérdicas e Seraphin. Sonhava com sair de casa e conhecer o mundo. Era feliz, alimentada, amada.

    A trilha de pensamentos a levou até as memórias de sua família, que morrera pouco tempo antes do fim da nação amazona. Lila fora assassinada por um bandido qualquer, e seus pais pediram que ela voltasse para casa. Ela se recusou. Tentara trazê-los para junto das amazonas e eles não aceitaram. Pouco tempo depois, Pérdicas lhe mandara uma nota curta e acusatória, dizendo que seus pais tinham definhado de tristeza e morrido.

    Perguntou-se como estaria hoje se tivesse escolhido voltar para casa. Ainda teria uma família? Teria subido em seu lugar uma rainha mais competente? Estariam as amazonas vivas?

    Esfregou o rosto tenso. Não adiantava duelar com o passado. Fechou os olhos e espantou os pensamentos invasores tentando se concentrar no presente. Levantou-se e seguiu Xena, que já subia no seu cavalo.

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