Corinto
por Dietrich– E aqui está Corinto – anunciou Joxer.
Gabrielle levantou os olhos ante a colossal muralha de pedra que se erguia majestosa, como um guardião imponente cercando toda a cidade. As enormes portas de madeira escura, reforçadas com faixas de ferro reluzente, se abriram lentamente, deixando passar o grandioso cortejo real. Assim como em Potedia, uma multidão animada se aglomerava ao longo da estrada, mas, ao contrário de sua cidade natal, a via era muito mais ampla, e o número de pessoas era avassalador.
A camponesa não pôde evitar que um sentimento de admiração a envolvesse ao capturar a vasta gama de detalhes que dançavam diante de seus olhos. Casas de variadas dimensões, algumas com telhados de palha e outras imponentes, adornadas com varandas esculpidas, formavam um mosaico vibrante. Lojas e tavernas se alinhavam, cada uma mais convidativa que a outra, com letreiros coloridos balançando ao vento, enquanto barracas de feira exibiam frutas frescas, tecidos exóticos e utensílios que brilhavam sob a luz do sol. O ar estava impregnado com uma mistura de aromas tentadores, desde pães recém-assados até especiarias de lugares distantes.
Pessoas de todas as esferas da vida passavam, vestidas em trajes que Gabrielle nunca tinha visto, cada estilo contando uma história de terras longínquas. A diversidade se estendia até as tonalidades de pele, um reflexo vibrante da mistura de culturas que ali transitava.
– Uau! – exclamou e Joxer riu. Gabrielle sentiu vergonha.
– Imagine quando você visitar Atenas nas suas férias – comentou o homem.
– Férias? – questionou Gabrielle.
– Sim.
Visitar Atenas. Gabrielle nem conseguia descrever o que sentia.
O longo cortejo prosseguiu, subindo uma colina suave que se erguia elegantemente, afastando-se do coração pulsante da cidade. À medida que avançavam, a multidão que antes acompanhava o desfile foi se dispersando, e Gabrielle notou a paisagem mudar ao seu redor. Mais uma muralha de pedra se ergueu à frente, robusta e imponente. Por trás dela, o enorme castelo se destacava contra o céu, suas torres altas e majestosas se projetando como dedos de pedra em direção às nuvens.
Enquanto atravessavam os portões ornamentados, Gabrielle sentiu uma onda de curiosidade. O que se desdobrou diante dela era uma “Corinto em miniatura”, uma reprodução em tamanho reduzido da vibrante cidade que deixara para trás. As ruas eram pavimentadas com pedras polidas, e as construções, adornadas com frisos e mosaicos coloridos, conferiam ao local um ar de elegância e vitalidade. O som de risadas e conversas animadas preenchia o ar. O cortejo parou abruptamente diante das imensas portas do castelo, cujos relevos elaborados contavam histórias de conquistas passadas e da grandeza da realeza que ali residia.
Desceu da carroça e estava distraída observando as pessoas se espalharem pelos diversos espaços ali quando ouviu um pigarro ao seu lado. Virou-se e viu um homem baixo, de vestes extravagantes, cavanhaque e bigode com pontas curvas olhando-a com cara de poucos amigos.
– Pois não? – perguntou Gabrielle.
– Gabrielle… não é mesmo?
– Sim.
– Vidalus, ao seu dispor – o homem fez uma cortesia, com cara de quem não estava de forma alguma ao seu dispor. Gabrielle se curvou também e o homem fez uma careta – oh, deuses, vou ter muito trabalho pela frente – ele falou baixinho.
– O que?
– Nada, nada. Gabrielle, me siga. Vou acompanhá-la pelo castelo, e levá-la até onde exercerá seu ofício e aos seus aposentos.
– E minha filha?
– Está com as amas, não se preocupe. Depois também levarei você para conhecer a casa das crianças. Vamos, vamos, garota, não temos tempo – o homem começou a andar apressado.
Por que todos me chamam de garota? pensou Gabrielle, aborrecida.
Entraram no castelo, e Gabrielle se viu em um mundo completamente novo. Tentando acompanhar o passo apressado de Vidalus, seus olhos se arregalaram com a enormidade do salão de entrada, que parecia maior do que todas as casas de Potedia juntas. O teto abobadado era adornado com elaborados afrescos que retratavam cenas de batalhas épicas e festins reais, enquanto as paredes eram feitas de pedras polidas que refletiam a luz suave das tochas acesas. Muitas portas se alinhavam em ambos os lados do espaço, e escadas majestosas se erguiam, levando a andares superiores.
Vidalus a agarrou pelo braço, puxando-a por uma das portas pesadas de madeira, que rangia ao abrir. O corredor que se revelou era largo e imponente, com paredes adornadas por tapeçarias vibrantes que narravam a história da cidade e seus heróis. Mais escadas e portas surgiam ao longo do caminho.
Depois de atravessar mais uma porta e subir um lance de escadas, Gabrielle chegou a um hall menor, mas não menos impressionante. O espaço estava decorado com detalhes finos e, em seu centro, um par de portões duplos se destacava, imponentes e ornamentados. Vidalus empurrou os portões, e um aroma inconfundível de pergaminhos e tinta fresca invadiu suas narinas, despertando sua curiosidade.
Ao entrar na sala, ficou maravilhada com a imensidão do ambiente. O espaço era preenchido com prateleiras que se estendiam até o teto, abarrotadas de pergaminhos amarelados. Luz do sol filtrava-se através de enormes janelas abertas, banhando a sala em uma luz dourada e vibrante, que iluminava cada canto e destacava as gravuras intrincadas que adornavam as paredes, representando figuras lendárias e paisagens deslumbrantes.
Vidalus continuou puxando-a até chegarem a um amplo balcão de madeira escura, onde um senhor idoso se curvava sobre uma mesa, escrevendo com uma concentração tão profunda que seu nariz quase tocava o pergaminho.
Mais uma vez Vidalus pigarreou, mas o velho não deu qualquer sinal de ouvi-lo.
– Atrius – ainda sem resposta – Atrius! – Vidalus quase gritou.
– Oi? Sim? – o homem finalmente ergueu os olhos.
– Atrius, essa é Gabrielle. É a nova encarregada da biblioteca.
– Oh, pois sim! Pois sim! – o velho se ergueu com um sorriso no rosto e foi até Gabrielle, segurou uma mão dela entre as suas e sacudiu vigorosamente – seja bem vinda, senhora! Sim, sim! Que alegria!
– Obrigada – respondeu Gabrielle, sem jeito.
– Diga-me, onde estudou? Tebas? Atenas? Delfos?
– Eu… an… na verdade, sou de Potedia.
– Potedia, Potedia, não lembro de uma escola em Potedia… – o velho coçou a cabeça pensativo.
– Atrius – Vidalus interrompeu – você vai ficar ainda alguns dias, passando para a moça os detalhes do seu trabalho. Suponho que já desocupou os aposentos?
– Sim, claro.
– Bem, pois me siga, Gabrielle.
O homem o levou até um vão nos fundos, onde uma porta dava entrada a um enorme e confortável quarto. Estava sem nada, apenas uma cama, uma mesa, uma cadeira, um baú e uma estante. Gabrielle percebeu que não tinha nada com que ocupar aqueles móveis.
– Bem, aqui está a chave do quarto – Vidalus lhe entregou uma chave grande de metal – Atrius depois lhe entregará a chave da biblioteca. Você abre quando o sol nascer, fecha quando o sol se pôr. Hoje não precisa fazer nada. Dê uma volta, se familiarize com o castelo. Amanhã esteja aqui para começar seu treinamento. Alguma pergunta?
– Quero ver minha filha – disse Gabrielle.
– Ah, claro. Bem, mais uma vez, acompanhe-me. Preste atenção nos caminhos para não se perder.
Saíram do castelo e se dirigiram a uma das muitas casas que haviam ao redor.
– É aqui que vivem as crianças dos empregados que moram no castelo. As demais crianças vivem nas casas com os pais. Sua filha vai ficar aqui antes de ser mandada para as escolas.
– Ela não pode ficar naquele quarto comigo?
– A conquistadora prefere não ter crianças morando no castelo. Mas não se preocupe. Você pode vir aqui sempre que quiser. Quando não estiver trabalhando, claro. Aquele lugar ali – apontou para o que parecia uma taverna gigante – é a cozinha. Pode ir lá a qualquer momento que sentir fome, inclusive madrugadas. Mas no expediente de trabalho uma pessoa irá levar suas refeições na biblioteca. Algo mais? – o homem parecia extremamente ansioso para se livrar dela.
– Acho que por enquanto nada, Vidalus. Muito obrigada.
– Por nada – o homem se curvou e saiu.
Gabrielle bateu na porta da casa e uma das amas, que já a conhecia, abriu a porta e deixou ela entrar!
– Mamãe, mamãe! – Gabrielle ouviu o grito da filha e esta pulou em seus braços.
– Oi meu amor – Gabrielle beijou o rosto da filha – como está por aqui?
– Mamãe, eu tenho uma cama só para mim! E me deram um baú cheio de roupas bonitas! E eu comi um prato enorme cheio de carne! E…
Gabrielle observou o local. Era uma espaço amplo e aconchegante, com muitas camas grandes e confortáveis. Cada cama tinha ao lado uma mesinha, uma cadeira e um baú. Nos fundos da casa havia uma cozinha e um refeitório.
– Mamãe, não cabemos eu e você na cama, como vamos fazer?
– A mamãe vai dormir no castelo, princesa.
A menina fez beicinho.
– Não vou dormir com você?
– Não meu amor. Mas vai dormir com seus amiguinhos.
– Quero dormir com você.
– Amor… – Gabrielle sentou na cama da filha e passou a mão pelos cabelos da pequena – me escute… nossas vidas vão ser muito diferentes agora. A mamãe arrumou um emprego, e vai passar os dias no castelo da imperatriz, trabalhando. Quando acabar o trabalho, vou vir aqui ficar com você – respirou fundo, tentando segurar as lágrimas que se juntavam em seus olhos – daqui a um tempo, você vai viajar. Vai para uma escola muito bonita, cheia de amigos, onde você vai aprender muitas coisas maravilhosas.
– Você vai comigo?
– A mamãe vai ficar aqui no castelo, trabalhando. Mas todo verão você vai voltar aqui e vamos passar todo o tempo juntas.
– Não quero ir para a escola, quero ficar aqui.
– A escola é como o castelo. Só que cheio de crianças e muitas coisas para aprender. Ler, escrever, pintar. Aprender sobre as estrelas, os números, os instrumentos musicais. Não parece incrível?
– E se você me esquecer?
– Impossível, meu amor. Vou pensar em você todo dia. E vou te mandar muitas cartas também.
– Você promete?
– Prometo.
– Rhea, Rhea, vem cá! – uma voz infantil soou do lado de fora.
– Mãe, posso ir brincar com a Sophia?
– Claro, meu anjo, vai lá.
Gabrielle soltou a filha, que correu animada até a amiga. A loira finalmente deixou descer as lágrimas que lutava para segurar. Perguntou-se se algum dia conseguiria parar de chorar. Apesar da dor, seu coração estava exultante em ver a filha feliz e imaginar as oportunidades que ela teria com essa nova vida.
Eu sei que, de onde você estiver, apesar de tudo, você está feliz por nós, Perd. Você está, não está? Eu preciso imaginar que você está.