Depois
por DietrichQuando seus lábios se encontraram, Gabrielle precisou segurar o impulso intenso de paixão que ameaçou dominá-la. Seus lábios reconheceram aquele sabor e aquela textura, e mesmo as dores antigas não foram o suficiente para aplacar o efeito que tinham em seu corpo e sua alma.
Eles insuflavam vida em seu peito, a empurravam do ordinário com a força de um terremoto.
Xena a apertava com força indômita, mas ainda assim, não parecia suficiente. Gabrielle pressionou-se mais contra ela, e sentiu as mãos da morena deslizarem por suas costas e por sua cintura. Um gemido baixo escapou dos lábios da loira quando sentiu Xena tomar o controle daquele beijo. Pareceu sentir a intensidade do desejo da outra mulher derramar-se por ela e incendiá-la.
Era quase demais para suportar. Num nível não consciente, soube que Xena poderia fazer o que quisesse com ela naquele momento que ela não seria capaz de negar.
Mas os lábios de Xena deixaram os seus, embora seus rostos continuassem colados. A dor da separação a atingiu num nível físico, mas não retomou o contato.
Preciso ir devagar, pensou. Pelos deuses, preciso ir…
Sentiu um dedo passar suavemente pelo seu lábio inferior, e aquele toque suave pareceu inflamar ainda mais seu corpo já ardente. O dedo continuou deslizando por seu rosto, tracejando seu queixo e descendo por seu pescoço, escorregando por entre seus seios depois subindo novamente. A mão abarcou seu rosto e puxou-a para mais um beijo, dessa vez mais compassado.
***
Quando os lábios de Gabrielle tocaram os seus, após o lapso de incredulidade, aferrou-se à mulher como se sua respiração dependesse daquele beijo. Percebeu, no reconhecimento do gosto daquela boca, que tinha sentido falta dele desde aquele dia distante em que primeiro o tinha provado.
Queria ser capaz de refrear mais seus impulsos, mas não conseguiu segurar a força ardorosa com que pressionou aquele corpo contra o seu, e ao perceber a loira se entregando e se apertando ainda mais nela, deixou suas mãos correrem livremente pelas costas e pela cintura da mulher. Aprofundou o beijo, tomou aqueles lábios e aquela língua com voracidade, e o gemido baixo de Gabrielle a levou à beira do descontrole completo.
Era quase demais para suportar. Tudo que queria era tomá-la naquele momento, daquele jeito, no chão, se fosse o que tinha, devorá-la inteiramente, fazê-la sua.
Mas precisava oferecer mais à chance que a mulher lhe dera. Precisava valorizar o presente precioso que era aquele perdão e aquele beijo.
Com uma força que não sabia que tinha, afastou seus lábios dos de Gabrielle, quase se arrependendo no segundo seguinte. Com devoção, tocou aqueles lábios com seus dedos, depois o rosto, o pescoço, e permitiu-se descer um pouco no pequeno vale entre os seios que desejava, mas retornando antes de lá chegar.
Puxou-a para um novo beijo, tentando dessa vez manter-se mais suave.
****
Ambas se entregaram àquele beijo lento, mas ainda carregado de paixão. Após o que pareceram longos minutos, finalmente seus corpos se afastaram.
Elas permaneceram ali, os rostos ainda próximos, as respirações entrelaçadas, enquanto a intensidade do momento se dissipava em um silêncio denso e cheio de tudo que não conseguiam verbalizar.
Gabrielle foi a primeira a falar, quase num sussurro, as palavras hesitantes:
– Eu… não pensei que isso realmente aconteceria.
Xena a encarava, seus olhos estavam mais suaves, vulneráveis de uma maneira que Gabrielle raramente via.
– Nem eu – admitiu, sua voz grave e baixa.
Gabrielle desviou o olhar, tentando processar a onda de emoções conflitantes dentro dela. Hesitante, abraçou Xena, aconchegando-se no colo dela. Sorriu ao sentir o cheiro do perfume da imperatriz misturado com o suor que ficara da sessão intensa de treino. Aquilo lhe trazia uma sensação de intimidade quase imediata. Imaginou que ela também provavelmente cheirava a suor.
Xena, novata na arte do carinho, decidiu apenas seguir seus impulsos e cedeu à vontade que tinha de sentir o cheiro dos cabelos de Gabrielle, e sua textura. Apreciou a forma como a diferença entre a estatura delas parecia fazer a loira encaixar-se perfeitamente nela. Acariciou os cabelos dourados e ainda levemente úmidos de suor, e descobriu um prazer inesperado naquele simples gesto.
Xena suspirou profundamente, passando o polegar suavemente pela face de Gabrielle, sentindo a pele macia sob seu toque. Por um momento, tudo o que se podia ouvir era o som de suas respirações. Antes que pudesse evitar, sentiu novamente a intensidade do desejo reacender dentro dela. Ver Gabrielle daquele jeito, parecendo tão entregue e vulnerável… Não poderia aguentar muito tempo.
Xena então tomou uma decisão silenciosa, recuando um pouco, embora com relutância.
– Acho melhor você ir – falou – em breve ficará tarde.
Gabrielle sorriu levemente, ainda com o coração disparado.
– Você quer que eu vá?
Xena balançou a cabeça, mas a intensidade em seus olhos falava mais do que suas palavras.
– Não. Mas se você ficar, eu não sei se vou conseguir ir devagar.
Gabrielle ruborizou e assentiu, compreendendo.
– Então eu vou. Por agora.
Xena inclinou a cabeça, a sombra de um sorriso cruzando seu rosto.
– Por agora.
Renitente, Gabrielle deu um passo para trás, afastando-se de Xena. Ela manteve o olhar fixo na mulher por mais um instante, como se quisesse guardar aquele momento dentro de si. E então, com um último sorriso, virou-se e foi embora.
Xena ficou ali, sozinha, sentindo o eco do beijo ainda pulsando em seus lábios.
***
Gabrielle chegou em seus aposentos, banhou-se, vestiu sua camisola e deitou-se na cama. Seus olhos fixaram-se no teto de pedra, onde as sombras dançantes projetadas pela vela que acendera formavam desenhos efêmeros.
Fechou os olhos e tocou levemente os próprios lábios. Engoliu em seco quando deu-se conta da vontade dolorosa que tinha de simplesmente sentir novamente o beijo da imperatriz. Seu corpo estremeceu, e uma fagulha de inquietação começou a nascer em seu peito.
Aquilo não podia ser saudável.
Abriu novamente os olhos, e pareceu ver diante de si a alternância entre o rosto vulnerável da soberana e aquela máscara do que parecia pura maldade a desfigurar aquelas feições.
Quem era Xena de verdade?
Virou-se na cama. Não podia dizer que Xena mentira para ela. A resposta tinha sido clara. Ainda assim, consciente de que que estava diante de alguém que admitia a escuridão da própria alma, tudo que ela tinha desejado era beijá-la e perder-se nos seus braços.
– Bem que os filósofos alertaram sobre os vícios decadentes da aristocracia. Quem sabe é isso que está te contaminando.
Ainda assim… invadia sua mente a imagem de Xena chegando naquele momento em seu quarto e a tomando em seus braços. Aquele mero pensamento fazia seu corpo inteiro arder.
– Oh Xena… – Gabrielle sussurrou – eu vou ser estúpida ao ponto de morrer por causa de seus beijos?
***
Xena demorou a voltar ao castelo. Poucos minutos após a saída de Gabrielle do campo de treinamento, ela viu-se atormentada por uma sucessão de tantas emoções diferentes que achou que fosse derreter ali mesmo.
Ela lidou com aquilo da única forma que sabia. Sacou armas e treinou vigorosamente, até o limite da exaustão física. Foi só quando percebeu que mal conseguia levantar a espada que arrastou-se de volta à câmara real.
Desabou na tina de água, e a sensação fria do líquido foi um alento para seus músculos esgotados. Sorriu e sentiu a calma e o entorpecimento que só uma boa sessão de exercícios físicos podia proporcionar. Quando sentiu toda a sujeira e suor deixarem seu corpo, deitou-se nua, na cama, entre seus sedosos lençóis e almofadas.
Ela percebeu então que poderia realizar infinitas sessões de treino e ainda assim não conseguiria ser capaz de pensar no fato de que Gabrielle a beijara. Roçou os lábios na maciez do lençol e aquilo a levou imediatamente de volta ao instante em que a boca da mulher tocara a sua.
Xena só lembrava de sentir algo remotamente parecido com aquilo uma única vez, com uma única pessoa, há muito tempo atrás, em Chin. Mas mesmo a força daquela lembrança, o mais próximo que ela tinha conhecido de algo semelhante ao amor, era opaco frente às sensações que Gabrielle lhe despertava.
O mais que doía era saber que se ela se dirigisse naquele momento ao quarto de Gabrielle e a tomasse, a mulher se entregaria. Mas ela não queria fazer aquilo. Por que? Desde quando se refreava em tomar o que e quem desejasse?
Atordoada, percebeu que tinha receio que aquilo fosse tudo que Gabrielle queria. Ela sabia que Gabrielle estava experimentando coisas novas. Era uma pessoa comum que vivera a maior parte da vida na simplicidade pastoril, e vinha explorando novas possibilidades em uma nova fase da vida. Nunca tinha perguntado a idade de Gabrielle, mas sabia que pelos menos uns 10 anos de vida separavam suas experiências. A imprudência da mulher em se lançar nos braços de alguém que claramente era violenta, aumentava sua convicção que Gabrielle estava apenas buscando novas sensações.
Xena riu. Será que muitas das jovens apaixonadas que ela deixara pelo caminho tinham perdido noites de sono perguntando-se exatamente o que ela se perguntava nesse momento? Os Destinos não falhavam em fazer girar a roda do seu passado contra ela mesma.