Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Gabrielle estava sentada em sua pequena mesa de trabalho, um pergaminho aberto à sua frente. Havia mais de quinze minutos que seus olhos encaravam as mesmas linhas, mas a mente não absorvia nada. O texto, que normalmente seria fácil de ler e até prazeroso, agora parecia um borrão sem sentido. Tudo dentro dela parecia entorpecido e, ao mesmo tempo, latejava com perguntas não resolvidas.

A noite anterior voltava à sua memória com intensidade. A voz de Xena quebrando em um sussurro, a expressão que ela raramente permitia que alguém visse… era quase impossível acreditar que aquela mulher, que parecia ser uma força indomável da natureza, fosse capaz de tanta dor. Gabrielle havia se deixado levar pela empatia, pelo impulso de acolher, de dizer que ela entendia.

Mas será que entendia?

Ela respirou fundo e ergueu os olhos para a janela, onde o sol começava a baixar, tingindo o céu de um laranja suave. A visão deveria trazer conforto, mas só aumentava o vazio crescente dentro dela. Quanto mais ela pensava, mais percebia o peso da verdade que Xena havia revelado. A história de Solan não era apenas sobre o filho que Xena perdeu; era um fragmento do passado sombrio que Xena carregava, um passado que Gabrielle não conhecia.

Gabrielle sentiu uma pontada de angústia. Se Xena foi capaz de esconder algo tão profundo e doloroso durante tanto tempo, o que mais haveria? Quais outros segredos ela guardava, enterrados nas sombras de suas muitas batalhas, nas ruínas de impérios que ela devastou?

– Xena, eu consigo ler sua alma, mas não sei nada sobre seu passado ou sobre as coisas que você realmente é capaz… – murmurou Gabrielle para si mesma, o pergaminho deslizando de suas mãos até a mesa. Essa frase, tão pequena, pareceu invadir seus pensamentos como um grito. E era parcialmente mentirosa. Ela sempre soubera que Xena era perigosa: já a tinha visto lutando, já ouvira histórias de suas conquistas e derrotas e tinha sua própria história de terror para contar sobre a conquistadora.

O que seria necessário para uma mulher se tornar aquilo que Xena era? Quantas vidas, quantas decisões sombrias, quantos atos que jamais poderiam ser perdoados? E agora, Gabrielle estava ali, ao lado dela, envolvendo-se cada vez mais…

Seus dedos tremiam levemente ao segurarem o pergaminho, e ela o colocou de lado, incapaz de ignorar o turbilhão que explodia em seu peito. O que significava estar ao lado de alguém que carregava tanta escuridão? Ela sempre quisera ser uma força de luz, alguém que ajudasse a transformar o mundo para melhor. Mas como poderia fazer isso ao lado de uma mulher que talvez fosse o próprio símbolo da destruição?

Gabrielle respirou fundo, tentando afastar o nó na garganta. Sentiu uma tristeza inesperada, quase como se uma parte de si já tivesse decidido o que precisava ser feito. Todos aqui me chamam de garota, pensou, talvez crescer seja tomar a decisão certa, mesmo quando dói. Talvez Xena estivesse certa quando falou que era melhor para mim não tê-la por perto.

 

***

 

A sala de audiências estava silenciosa, mas carregada com uma tensão palpável. Xena observava os líderes centauros dispostos ao longo do salão, com Solan em pé ao lado de Kaleipus. O menino mantinha o olhar fixo em qualquer lugar que não fosse ela, mas a presença dele dominava o espaço, tornando-se o centro da atenção de Xena, mesmo que ela não demonstrasse.

Ela respirou fundo, chamando a si mesma à razão. Precisava deixar as emoções de lado e agir como a imperatriz. Esse era o momento de estabelecer o que havia prometido – uma paz duradoura com o povo centauro.

– Estou aqui para propor uma aliança de amizade – Xena começou, com a voz firme – Ofereço a vocês o mesmo acordo que estendi às Amazonas: autonomia sobre suas terras e total liberdade para conduzirem suas tradições. Em troca, espero assistência militar em caso de grande necessidade do império.

Kaleipus, com olhar duro e calculado respondeu:

– Autonomia é algo que sempre buscamos, mas… o que impede que essa promessa seja quebrada, como outras foram no passado?

Xena encontrou o olhar do centauro e tentou transmitir a verdade de suas intenções:

– A diferença, Kaleipus, é que hoje estou disposta a consolidar algo duradouro. Não é de meu interesse fragmentar relações sem bons motivos. Quero que o povo centauro prospere… para que todos que estão sob minha proteção tenham uma vida pacífica.

Kaleipus encontrou o olhar enérgico da imperatriz e assentiu, compreendendo, mas a desconfiança ainda persistia em seus olhos.

– É certo que as histórias sobre você tem mudado… Destruidora de Nações – a evocação daquele título antigo fez Xena estremecer, e ela se ressentiu do sorriso cínico no rosto de Kaleipus – somos um povo pequeno, e não temos muitas opções além de acreditar que os anos a fizeram mais sábia e moderada, agora que está imbuída com as responsabilidades do poder.

Ela percebeu que Solan se mexeu, desviando o olhar com um suspiro audível. A expressão no rosto dele parecia uma mistura de desprezo e resistência, e isso perfurava as defesas emocionais de Xena, mesmo enquanto ela tentava ignorá-lo.

O líder continuou, ainda cauteloso:

– Se suas palavras são verdadeiras, Imperatriz, então estamos dispostos a aceitar o tratado. A paz interessa a todos nós.

Xena assentiu, firmando o compromisso.

– Nos próximos dias, providenciarei os documentos oficiais e assegurarei o apoio necessário para as suas fronteiras. Não quero mais conflitos. Quero que… nossos filhos cresçam num mundo melhor.

As palavras escaparam antes que ela pudesse repensá-las, e ela percebeu que tinha atraído a atenção de todos – inclusive a de Solan. Ele a encarou por um breve instante, o olhar dele cheio de uma incredulidade quase ácida.

Ela forçou-se a manter o controle e concluiu:

– Que este seja o primeiro passo para algo que dure mais que a nossa geração.

O líder dos centauros fez uma reverência respeitosa:

– Que assim seja.

Selaram aquele momento com um aperto de mão firme.

Com isso, a reunião foi concluída, e os líderes centauros começaram a sair, um a um. Contudo, quando Xena pensou que Solan sairia junto com os outros, ele parou, hesitante, como se estivesse lutando contra uma vontade interna.

Ela se aproximou, cautelosa, não querendo assustá-lo ou tornar a interação mais difícil do que já era.

– Solan – ela disse, baixinho, o nome saindo de seus lábios como uma oração contida.

Ele parou, mas não a olhou.

– Não pense que isso muda alguma coisa – respondeu ele, com uma frieza que cortava – meu tio pode fazer as pazes com você – o menino finalmente a olhou – mas eu sou o seu maior inimigo. Não a perdoarei por ter matado meu pai e minha mãe.

Xena, pela primeira vez olhou bem para o rosto do menino e aquilo quase a derrubou. Viu ali traços de si mesma, traços de Borias. A voz amaldiçoada de Alti reverberou em sua memória, Ele vai ter a boca do pai e os olhos da mãe. O impacto daquela memória e das palavras do menino atingiu Xena em cheio, mas ela conteve qualquer reação que denunciasse a dor. Em vez disso, ela apenas assentiu, aceitando a verdade de que ele ainda não poderia vê-la como algo além de um inimigo.

– Talvez não – ela disse, com a voz quase um sussurro – mas vou continuar tentando merecer sua confiança. Um dia de cada vez.

Solan a olhou por um instante, com uma expressão indecifrável, e então se afastou, juntando-se ao grupo de centauros que saía. Xena permaneceu imóvel, o peso da breve interação ecoando em seu peito.

Quando o último centauro desapareceu pelo corredor, ela respirou fundo, tentando se recompor. Cada passo para essa paz era uma vitória, mas também um lembrete doloroso de tudo que havia perdido.

 

***

 

Naquela noite, Gabrielle desceu com receio ao campo de treinamento. Temia encontrar Xena, temia que ela lesse em seus olhos a decisão que tinha tomado e, principalmente, temia fraquejar na própria decisão. Sentiu um misto de tristeza e alívio quando viu que lá só estavam os soldados. Ao mesmo tempo, sabia que mais cedo ou mais tarde se encontraria com a conquistadora.

Glafira a cumprimentou com cordialidade. De todos ali, era com ela que Gabrielle tinha um grau maior de afinidade. Apesar de Gabrielle ainda ser um diamante bruto, ela tinha paciência para ensinar-lhe com calma a arte do combate. Apesar de seu corpo ter destreza, Gabrielle tinha uma limitação quase incontornável: ela detestava a ideia de machucar alguém. Isso tornava quase impossível ela vencer um combate corpo-a-corpo com seus parceiros de treino, por mais que eles lhe dissessem que tinham condições de aguentar as pancadas, que estavam acostumados.

– Espero que nunca se veja na situação de realmente ter que lutar pela própria vida, Gabrielle – dizia Glafira – mas se esse dia chegar, é importante que esteja pronta, não só para se defender, mas para neutralizar o inimigo.

Neutralizar era um eufemismo para matar ou ferir gravemente outra pessoa, e Gabrielle realmente esperava nunca precisar estar em tal posição.

Começaram o treino como de costume. Gabrielle mantinha seu estilo defensivo, tanto com o corpo, como com o bastão. Exaurir-se fisicamente tinha a vantagem de acalmar as dores da alma. Era um bálsamo. Começava a entender porque Xena via naquilo um refúgio. Sacudiu a cabeça ao perceber a imperatriz mais uma vez invadindo seus pensamentos e voltou a concentrar-se no combate.

Nota