Fantasma
por DietrichTinham acabado de montar os cavalos quando Xena sentiu todo o seu corpo entrar em alerta máximo. Num reflexo, empurrou a outra mulher, que caiu da montaria, apenas um segundo antes de uma flecha passar bem onde estivera.
Gabrielle gritou de surpresa e reagiu à queda apenas com destreza suficiente para não quebrar o pescoço. Olhou estupefata para a flecha que agora estava espetada numa árvore próxima.
Xena desceu do cavalo e sacou a espada, olhando ao redor. Foi até onde estava Gabrielle, e a ajudou a se levantar.
– Mostre-se! – gritou Xena.
Ouviram um farfalhar na copa das árvores. Xena olhava atentamente e tentava captar os ruídos. Um farfalhar mais alto e um som sibilante logo atrás dela a fez se voltar, e agarrou mais uma flecha logo antes desta atingir o rosto de Gabrielle.
– Vai continuar sendo um covarde? – provocou Xena – nos enfrente cara a cara, escória!
Um som semelhante a um chicote atravessando o ar ressoou, e uma pessoa desceu das copas das árvores por meio de algo que parecia um cipó. Era uma garota que não devia ter mais que dezoito anos. As olhava com o mais absoluto desprezo.
– Afaste-se daqui, Xena – disse a desconhecida – não tenho rixa com você.
Xena olhou para Gabrielle, que encarava a jovem, pálida.
– Ikari? – sussurrou Gabrielle.
– Vocês se conhecem? – questionou Xena.
– Oh, sim – respondeu a garota – nos conhecemos.
Xena encarou a jovem, que devolveu seu olhar.
– Como eu disse, Xena, você não tem nada a ver com isso. Apenas me entregue Gabrielle e a deixarei ir – a jovem sacou a espada que trazia nas costas.
Gabrielle olhava sem reação. Não conseguia acreditar nos seus próprios olhos. Tentou respirar e recuperar a voz.
– Ikari, o que você quer? – perguntou Gabrielle, se adiantando e ficando na frente de Xena.
– Cuidado, loirinha – alertou Xena.
Ikari deu alguns passos à frente, de espada em punho.
– Eu achava que apenas queria ver você morta – disse a jovem – mas estando aqui agora na sua frente, não quero só isso. Quero acabar com você da mesma forma que matou minha mãe.
Gabrielle empunhou o bastão defensivamente, enquanto a jovem se aproximava. Xena fez menção de avançar, mas Gabrielle a impediu com uma mão.
– Xena, fique pra trás – alertou Gabrielle.
– Isso Xena, não se meta – falou Ikari – não tem porque defendê-la. Sei que gosta de mantê-la como seu animalzinho de estimação, mas não vale a pena se desgastar tanto por uma cadelinha qualquer, não concorda?
– O desgaste é seu, garota – disse Xena – somos duas, você é uma. Se não quiser se machucar, melhor sair correndo agora.
– Xena, por favor – pediu Gabrielle – deixe isso comigo.
Gabrielle adiantou-se e chegou mais perto da jovem.
– Ikari, não precisa fazer isso.
– Oh, mas eu preciso – disse a jovem ferozmente – você me tirou tudo que eu tinha. Não sou mais nada, graças a você.
– Isso não é verdade – contestou Gabrielle – eu poupei sua vida.
– De que me serve minha vida? – retrucou a jovem – você destruiu as amazonas! Não, Xena, não a culpo – disse Ikari, olhando para a outra mulher que observava alerta o desenrolar da situação – você nunca teria acabado com as amazonas se Gabrielle não as tivesse corrompido primeiro.
– Ikari, por favor, apenas vá embora – implorou Gabrielle – não quero machucá-la.
A jovem riu.
– Você nunca gostou de espadas – disse Ikari, olhando zombeteiramente para o bastão de Gabrielle – sempre foi fraca, e tornou as amazonas tão fracas quanto você.
– Ikari… – começou Gabrielle.
A jovem gritou, avançando para atacar Gabrielle. Gabrielle desviou, mas Ikari rapidamente armou outra investida, que Gabrielle teve que aparar com o bastão. A garota atacava furiosamente e Gabrielle apenas se defendia.
Xena observava a luta. A garota lutava com habilidade e fúria, mas Xena sabia que Gabrielle conseguiria vencê-la se quisesse. A loira se continha de propósito.
– Ikari, vá embora – disse Gabrielle mais uma vez.
– Só sobre o seu cadáver – e atacou novamente.
Dessa vez Gabrielle atacou, atingindo as pernas da jovem, que caiu no chão, mas se levantou rapidamente. Ikari atacou de novo e Gabrielle acertou a mão da garota, que derrubou a espada.
– Eu não quero machucar você – disse Gabrielle.
A jovem pegou novamente a espada.
– Deveria ter me matado junto com minha mãe, Gabrielle – disse Ikari.
E atacou mais uma vez. Gabrielle novamente atingiu a espada da garota, lançando-a longe, e acertou-lhe no rosto, quebrando seu nariz. A jovem cambaleou e Gabrielle a golpeou no estômago. A garota curvou-se sem fôlego e levou mais uma bordoada, dessa vez na perna, caindo mais uma vez.
– Pare! – gritou Gabrielle, ao ver a jovem levantar-se aos tropeços.
Furiosa, o rosto banhado de sangue, Ikari sacou uma adaga da cintura e avançou para Gabrielle, que a derrubou novamente. A jovem levantou-se sofregamente e estava pronta para um novo ataque quando uma adaga atravessou sua garganta.
– Ikari! Não! – Gabrielle largou o cajado e foi até a garota caída. Tentou pressionar a garganta dela para conter o sangue, que jorrava aos borbotões. A jovem lançou-lhe um último olhar de ódio antes de seus olhos ficarem opacos.
– Oh, não! – Gabrielle lamentou e chorou. Levantou-se e foi até Xena, furiosa.
– O que você fez? Eu disse para ficar de fora! – empurrou a mulher mais alta.
– O que eu fiz? – retrucou Xena, com raiva – livrei você dos pesadelos que ia ter por espancar aquela garota até a morte. Ela não ia desistir.
– Eu ia desacor…
– Ah, não me venha com essa bobagem! – interrompeu Xena – ia desacordá-la e daqui a alguns dias ela ia vir novamente! Já te disse, loirinha! A morte é a única solução definitiva!
– Está certa sobre isso! – Gabrielle avançou e empurrou Xena novamente, as lágrimas correndo por seus olhos.
– Você não quer brigar comigo, loirinha. Já estivemos nessa situação e você sabe o que acontece.
Gabrielle atacou mais uma vez. Xena segurou o braço dela e torceu-o, derrubando a mulher no chão e segurando-a. Gabrielle rugiu e tentou se soltar, mas o aperto da mulher parecia uma algema. Parou de se debater, e Xena a soltou. Gabrielle levantou-se e se afastou, dando as costas à Xena. As lágrimas ainda desciam livremente.
– Ah, que merda – resmungou Xena – não temos tempo pra isso. Estamos em uma missão. Lembre-se, os pobres estão morrendo de fome. Preciso voltar a ser a déspota dessas terras.
Gabrielle não respondeu. Xena imaginou se devia dar-lhe um tabefe, mas não achou a ideia agradável. Em vez disso, fechou os olhos, respirou fundo, e aproximou-se devagar da outra mulher.
– Ela disse que você matou a mãe dela – disse Xena.
Gabrielle continuou em silêncio.
– É a tal de Velasca? – perguntou a morena.
Gabrielle pigarreou para limpar a garganta. Finalmente olhou para Xena, e no seu rosto se via a marca das lágrimas.
– Não – respondeu baixinho – a mãe dela se chamava Piamma.
– Uma amazona?
– Sim.
– Quantas amazonas matou, loirinha?
Gabrielle voltou a encarar o chão. Xena praguejou mentalmente. Não entendia porque agora se importava com o efeito que suas palavras causavam. Mas tinha que acabar logo com aquilo para voltarem à sua tarefa. Como não queria esbofeteá-la, a única saída era falar.
– Quero dizer – tentou se reformular – o que aconteceu?
Gabrielle olhava o corpo de Ikari.
– Algumas mulheres questionavam meu direito ao trono. Porque eu não tinha nascido de um ventre amazona. A mãe de Ikari estava entre as líderes de uma rebelião. A rebelião foi contida. Matei as líderes e bani as demais rebeldes.
– Bem, esse foi seu erro. Devia ter matado todas – argumentou Xena.
– Ephiny também achava.
– Quem é Ephiny?
– Minha esposa – disse Gabrielle, encarando Xena.
Os círculos verdes lhe atravessaram como lanças. Xena precisou de todas as suas forças para não baixar os olhos.
– Hum. Uma mulher sábia – disse Xena.
– Sim, ela era – respondeu Gabrielle.
Xena desviou os olhos para o corpo da garota, incapaz de sustentar o olhar da outra mulher por mais tempo.
– Sabe, loirinha, essa pirralha estava errada. As amazonas estavam no fim dos seus dias antes de você ser rainha. Tinham se tornado uma piada. Você lhes devolveu grandeza e respeito. Não durou muito e jamais seriam grandes o suficiente para eu não acabar com vocês. Mas hoje as amazonas são vistas com admiração por sua causa.
Gabrielle sacudiu a cabeça, discordando.
– Me pergunto se elas ainda estariam vivas se outra rainha tivesse assumido.
– Oh, não. Eu teria matado todas. Ou teriam acabado nas mãos dos escravistas.
Gabrielle escondeu o rosto nas mãos. Xena procurou desesperadamente em sua mente algo melhor para dizer, mas não encontrou. Começava a considerar novamente a hipótese da surra quando ouviu a voz de Gabrielle:
– Quero fazer um funeral para ela.
Xena abriu a boca para protestar, mas em vez disso se ouviu dizendo:
– Claro.
Passaram a manhã recolhendo lenha e montaram uma pira. Gabrielle limpou o corpo ensanguentado da garota e o colocou sobre a pilha de madeira. Acariciou o rosto da jovem, beijou-lhe a testa e fez uma breve prece à Ártemis. Xena observava a mulher honrar a garota que atentara contra sua vida.
– Xena – Gabrielle olhou para a morena, séria – salvou minha vida duas vezes hoje. Obrigada.
– Estamos quites, então?
– Não force a barra – respondeu Gabrielle – vamos.
Xena suspirou, cansada. Que trabalhoso era não resolver as coisas na força bruta.
0 Comentário