Festa
por DietrichNa manhã seguinte, toda a vila estava repleta de barracas com comida, música, contação de histórias para as crianças e outras atrações. As árvores e casas estavam enfeitadas com arranjos florais diversos. O barulho de conversas era alto, risos de crianças ecoavam por todos os lados.
Da curva na estrada que levava à Potedia, surgiram três rapazes correndo. Assim que alcançaram uma distância onde seriam ouvidos, começaram a gritar a plenos pulmões:
– Ela está vindo! Ela está vindo!
Os primeiros que ouviram começaram a alertar os demais, e logo todos os aldeões tinham conhecimento do recado. Correram para se enfileirar ao longo dos dois lados da estrada, cada um carregando em seus braços algum tipo de oferenda. Junto a eles, estavam Gabrielle, Perdicas e Rhea. A menina carregava uma pequena cesta com frutas.
– Mamãe, papai, olhem! – Rhea apontou para a curva da estrada, dando pulinhos de excitação.
Todos prenderam a respiração quando o começo da caravana começou a despontar na estrada. Uma pequena multidão caminhava em direção à vila. Gabrielle estreitou os olhos, tentando localizar uma liteira ou semelhante, onde certamente a Imperatriz estaria sendo carregada por súditos.
Foi quando apareceu, no centro do grupo, um conjunto de cavaleiros. Dentre eles, a imperatriz vinha, em seu próprio cavalo. Trazia um olhar sereno e um leve sorriso. Dessa vez não trajava uma armadura, e sim uma calça preta, botas de montaria e uma blusa branca de mangas compridas. Nada indicaria que aquela mulher era a imperatriz de toda a Grécia. A única coisa que a destacava dos demais era a enorme capa azul escura, presa por um broche dourado em seu peito, abaixo do ombro direito, assim como o fato de seu cavalo de pelagem dourada estar soberbamente adornado com jóias.
Ao lado da conquistadora, além de diversos soldados, uma presença chamava a atenção. Uma mulher loira, de olhos grandes e castanhos, que cavalgava ao lado da soberana. Usava uma armadura de couro preta, portava uma espada nas costas e disparava olhares lancinantes para todos os lados.
Quando a caravana se aproximou, os aldeões que ladeavam a estrada começaram a entregar as cestas com frutas, grãos e flores, aos servos que circundavam a conquistadora. Estes recebiam as ofertas e agradeciam com sorrisos, logo direcionando as cestas para as carroças que vinham mais atrás na turba.
– Mamãe, como ela é bonita! – disse a pequena Rhea, fitando a figura augusta da imperatriz.
– É sim, filha – Gabrielle afagou os cabelos da pequena – Está pronta?
– Sim! – disse a menina, estendendo a cesta de frutas assim que a caravana chegou até eles. Quando a imperatriz finalmente passou em sua frente, Gabrielle esticou o rosto, tentando encará-la, mas a mulher simplesmente seguiu, seu olhar disperso pela multidão.
– Ela parece diferente – murmurou Perdicas perto do ouvido de Gabrielle – mas confesso que ainda me causa arrepios.
– Suponho que ela suavizou após se tornar oficialmente governante – respondeu Gabrielle.
– Ainda acho que temos que ter cuidado – o homem olhou pressuroso para a esposa, que riu diante do olhar preocupado dele.
– Perd, não vou me meter em problemas. Não sou mais uma criança.
Rhea puxou a barra da saia de Gabrielle.
– Mamãe, posso ir assistir o teatrinho do Lucian?
– Espera a caravana passar, filha.
– Tá demorando!
– Tenha calma, é falta de educação. Logo você vai.
Rhea cruzou os braços, emburrada, e Gabrielle e Perdicas se olharam e balançaram a cabeça. Observaram em silêncio quando todo o cortejo finalmente adentrou Potedia por completo. Os aldeões começaram a dispersar e voltar para onde estavam. Cada um agora ia tentar se esmerar no que podia para chamar a atenção da imperatriz.
– Gaby, vou ajudar os homens da barraca de flecha-ao-alvo – disse Perdicas.
– Tá bom. Vou ver o teatrinho com Rhea.
Ambas se dirigiram ao local onde um homem, Lucian, narrava histórias com fantoches. Lila se aproximou e se juntou a elas, carregando no colo sua filha ainda bebê, Sarah. Gabrielle não prestava atenção na história, reparando no movimento que se dava ao redor da imperatriz.
A mulher tinha descido do cavalo, e um séquito de homens muito armados circundava ao seu redor, moderando os curiosos que queriam dar uma boa espiada na imperatriz, apesar dos anciãos terem orientado todos a agir normalmente. A loira de olhos castanhos caminhava ao lado da morena como uma sombra particularmente irritada.
A governante começou a caminhar pela aldeia e por todas as barracas e atrações. Gabrielle não conseguiu evitar um riso ao perceber que a mulher não era realmente capaz de fingir que tinha qualquer interesse no que certamente considerava estúpidos entretenimentos de camponeses.
Sentiu a boca secar um pouco quando viu que a mulher se dirigia ao teatro. Olhou para Lucian, onde o único sinal de nervosismo no homem era uma grossa gota de suor que escorria por sua têmpora e uma olhada rápida que ele deu ao perceber a aproximação da governante.
Os poucos adultos que lá estavam espiavam a imperatriz enquanto ela dava a volta lentamente pelo espaço. As crianças mal olharam, por demais entretidas com o conto que era narrado. Gabrielle seguia fixamente a figura e sentiu suas mãos adormecerem quando a conquistadora parou à pouca distância dela e a atravessou com os olhos.
– Você – disse a imperatriz, com uma sobrancelha erguida – eu lembro de você.
Gabrielle não conseguiu emitir nenhuma palavra, mas percebeu com o canto do olho que Lila estava rígida de tensão ao seu lado. A conquistadora passou a mão no queixo.
– Hummm… Gabrielle, não é mesmo? – questionou a governante.
Gabrielle teve que fazer força para segurar o seu queixo, que quis cair. Percebeu que a loira de olhos castanhos lançou um olhar questionador para a soberana, e logo depois para ela.
– Sim… senhora – pareceu finalmente ser capaz de se mover e se levantou, fazendo uma mesura desajeitada.
– Se bem me lembro – continuou a conquistadora – estava grávida da última vez que a vi. Onde está o pivete?
– Ar… – Gabrielle podia sentir o olhar indagador das pessoas ao redor delas, que ouviam atentamente a conversa – Rhea, diga oi para a Imperatriz – disse Gabrielle, passando a mão nos cabelos da filha.
– Olá, senhora imperatriz – a menina acenou para a mulher – a senhora gosta de teatro?
A governante ficou em silêncio por um segundo, depois respondeu.
– Não particularmente.
– Eu gosto muito. E de histórias também. A mamãe me conta muitas histórias.
– Oh, é mesmo? De que tipo?
– Muitas. Algumas sobre a senhora. A senhora se importa se eu voltar a assistir o teatro?
Gabrielle ficou pálida e a governante abriu um sorriso que mostrava os dentes. Voltou os olhos para Gabrielle:
– Tem certeza que essas histórias são apropriadas para a idade dela?
– Eu… ar… – Gabrielle sentia que suas pernas iam ceder a qualquer momento – mudo a narrativa.
– Hummm. Xena, Destruidora de Nações, para crianças. Aí sim é algo que eu pagaria para ver. Bem… não vou mais atrapalhar seu entretenimento. Tchau, Gabrielle – e voltou a caminhar pela vila.
Gabrielle se sentou novamente, e assim que a soberana se afastou, Lila olhou exasperada para a irmã.
– Deuses, Gaby! Essa menina é bocuda igual a você!
Gabrielle apenas riu, meio de nervoso, meio de alívio. Ainda se perguntava como diabos a Conquistadora lembrava seu nome.
***
Gabrielle afagou os cabelos do marido e da filha, que dormiam abraçados na cama. Levantou-se e, com passos lentos, desceu as escadas até o andar de baixo, onde sentou-se em uma cadeira à janela. Potedia estava escura e deserta, mas ela podia ver ao longe os pontinhos amarelos das fogueiras que indicavam o local onde a imperatriz acampava com seu cortejo.
Mais uma vez se surpreendera com a mulher, quando lhe comunicaram que ela e seus servos iriam simplesmente se alojar na floresta. “Excentricidades da conquistadora” lhe dissera Perdicas, balançando a cabeça.
Gabrielle apoiou o cotovelo na janela e o rosto na mão esquerda. Como seria viajar a Grécia inteira acampando em florestas? Lembrou-se quando, não muito tempo atrás, sentava-se à janela da casa dos pais, se fazendo a mesma pergunta, e desejando ardentemente lançar-se no mundo para ver o que ele lhe destinava.
Sabe-se lá que sequência de decisões a tinham feito perceber-se, um dia, cumprindo o destino de todas as garotas de Potedia. Casando-se, tendo filhos, preocupada com a manutenção da casa, das ovelhas, das colheitas.
Não podia dizer que era infeliz. Perdicas era gentil e amoroso, um pai dedicado. Rhea era a melhor filha que os deuses poderiam ter lhe dado. Isso fazia com ela conseguisse ignorar, a maior parte do tempo, a sensação de que havia um buraco em seu peito, que ansiava algo que ela não tinha ideia do que era.
Mas, hoje, particularmente, ela não estava conseguindo ignorar aqueles pensamentos. Pensamentos sobre estudar na Academia de Bardos de Atenas. Sobre conhecer mais que as dez milhas de terras que cercavam Potedia. Saber mais do que mapas e nomes de lugares que talvez jamais visitasse.
Seus olhos marejaram. Se recriminou, se sentiu infantil, uma criança boba, uma ingrata.
– Se recomponha, Gabrielle – murmurou para si – o tempo dos sonhos já passou.
Levantou-se e dirigiu-se às escadas que levavam ao quarto. Parou diante do primeiro degrau, a mão no corrimão. Estancou. Girou o corpo devagar, marchou até a porta, abriu-a e saiu de casa.
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