Futuro
por DietrichXena, acompanhada por dois soldados, desceu a escada de pedra que levava às masmorras de Corinto. O ar era fétido e úmido, havia barulho de ratos e os passos ecoavam no ambiente. Passou por diversas celas, até chegar à última.
– Abra – ordenou ao guarda que estava postado ao lado da porta da cela. O homem girou uma pesada chave de metal na fechadura – vocês dois – se dirigiu aos soldados que a acompanhavam – não me sigam.
Os homens se entreolharam, mas não disseram nada enquanto a soberana entrava na cela sozinha.
No centro da cela, amarrada a um trono de madeira, estava Callisto. Tiras de couro prendiam seus braços, pernas e pescoço. Estava de olhos fechados.
– Parece confortável – falou Xena.
Callisto abriu os olhos vagarosamente. Olhou para a conquistadora e sorriu.
– Estava me perguntando quando viria me visitar – falou a loira – senti sua falta.
– Posso imaginar – respondeu Xena, erguendo uma mão e acariciando o rosto da outra mulher – Callisto, Callisto… você não está numa situação muito boa. Me causou muitos problemas.
– Nada que não tenhamos contornado antes – a loira inclinou o rosto o máximo que podia, dentro das restrições que a prendiam, em direção à mão que a afagava.
– Callisto… Não somos mais um bando de arruaceiros sedentos de poder pilhando vilas. O que você faz tem consequências na minha imagem, na forma que os súditos me veem.
– Está preocupada com sua imagem? Não devia sair por aí se enroscando com estúpidas camponesas casadas – a mulher retrucou com tom de voz agudo. Xena baixou a mão.
– Um ato que seria inócuo se você não tivesse tido um rompante ciumento assassino.
– Ciúme? – Callisto gargalhou de forma maníaca – por favor Xena… não me tome por idiota… – a mulher se remexeu, forçando as tiras de couro e rosnou – estava tentando salvar você. Seu poder, para ser mais exata.
– Mas que delírio é esse agora, mulher?
– Aquele camponesinha maldita… ela vai te destruir.
– Oh, realmente? O que ela vai fazer? Quebrar um forcado nas minhas costas?
Callisto desviou os olhos. Xena estreitou as pálpebras e perscrutou as feições da loira.
– Não tem conversado com Alti… Tem, Callisto?
– Ela já errou alguma previsão, Xena?
Xena rosnou e virou as costas em fúria.
– Realmente, Callisto. Ter você ao meu lado foi uma das decisões mais estúpidas que já tomei em minha vida – andou até as grades da cela. Voltou o rosto para a loira – vai passar algumas semanas sentadinha aí, pensando no que fez. Depois decido o que farei com você.
Callisto mais uma vez deu uma risada desvairada.
– Depois de tudo, ainda não tem coragem de simplesmente me matar, não é, princesa guerreira?
Xena não respondeu. Deixou a cela e acenou para o guarda trancar as grandes. Saiu da masmorra acompanhada pelos soldados.
***
Xena abriu os portões da biblioteca e adentrou o recinto. Caminhou com passos suaves pelas estantes, observando o ambiente. Não costumava frequentar aquele espaço, deixando tudo a cargo dos seus administradores. Atravessou o espaço até a última estante, de onde via o balcão.
Gabrielle lá estava, muito concentrada a escrever em um pergaminho. A loira não estava mais em seus trajes de camponesa. Usava as vestes típicas dos cidadãos gregos cosmopolitas, numa cor verde que combinava com seus olhos. Tinha o cabelo arrumado em uma única trança que lhe descia pelo ombro esquerdo, e usava uma tiara e braceletes dourados. Xena sorriu. Tinha uma intuição que aquilo tinha o dedo de Vidalus, pois a moça não tinha lhe dado a impressão de ser afeita a vaidades.
– Olá, Gabrielle – saudou a imperatriz, saindo de trás da estante.
A loira pareceu hesitar um segundo, depois ficou de pé e fez uma mesura formal.
– Bem vinda, minha senhora. Posso ajudar-lhe em algo?
Xena achou graça.
– Parece que já recebeu uma boa dose de Vidalus, não é?
Gabrielle quase não conseguiu controlar a revirada de olho ao lembrar do insistente homem a corrigindo. Sua postura, sua mesura, até seu jeito de caminhar o homem tinha criticado.
– Pode-se dizer que sim, minha senhora – respondeu Gabrielle, tentando manter o tom formal.
– Bem, devo lembrá-la do que combinamos anteriormente. Sem formalidades quando estivermos sozinhas, certo? Me dá nos nervos toda essa etiqueta da aristocracia.
– Certo, senh… Xena – Gabrielle deixou os ombros caírem e a postura relaxar – me dá nos nervos também.
– Está se adaptando ao trabalho?
Xena observou o sorriso que despontou nos lábios da loira, assim como o brilho nos olhos.
– Estou… acho que estou. Está indo bem, suponho.
– Pelo que conversei com Atrius, está indo mais que bem. Ele ficou chocado ao saber que você não teve educação formal. Disse que você tem uma das mentes mais ágeis e perspicazes que ele já viu. E o velho Atrius é uma das poucas pessoas que consegue empatar comigo no xadrez, então tendo a confiar nele.
Gabrielle corou.
– É gentileza da parte dele. Ele foi muito paciente ao me ensinar seu ofício.
– Como está Rhea?
Xena viu um lampejo de tristeza pelos olhos da loira.
– Está bem. Muito adaptada. Empolgada com a ideia de ir para a escola.
– Se ela herdou sua inteligência, há de ter um futuro brilhante.
– Que os deuses te ouçam – Gabrielle olhou de lado.
– Quando ela parte?
– Segundo as amas, na próxima semana – os olhos da loira marejaram e uma lágrima caiu – me desculpe – falou, enxugando o rosto – a ideia de ficar tanto tempo longe dela ainda me parte o coração.
– Nada mais compreensível – respondeu a imperatriz.
Gabrielle deu de ombros e se recompôs.
– Enfim… Posso ajudá-la com algo, Xena?
A imperatriz tentou bolar alguma desculpa na mente, mas resolveu falar a verdade.
– Na verdade, só vim ver como você estava se adaptando mesmo.
Gabrielle fez uma expressão confusa.
– Sério? Quero dizer – pigarreou – bem, então, agradeço a… consideração.
– Não há de que – Xena voltou-se para sair, mas parou e encarou Gabrielle novamente – Gabrielle, eu e alguns dos membros da corte vamos ao teatro hoje. Ver.. ah…
– Prometeu Acorrentado, de Ésquilo? – a loira completou, com voz ansiosa – me disseram que ele ia apresentar para a corte hoje.
– Esse aí mesmo – Xena sorriu – quero que você vá, como minha convidada de honra. Tem interesse?
A loira ficou com os olhos do tamanho de pratos.
– Eu… ar… bem… – balançou a cabeça discretamente, sorriu e se recompôs – sim?
– Ótimo. Pode levar Rhea, se quiser. Se apronte quando acabar seu expediente. Vista sua melhor roupa e blá blá blá… enfim, ponha em prática todo o treinamento de Vidalus. Ele deve ter lhe explicado que ser escrivã da biblioteca real não é um cargo menor. Nada mais apropriado que seja apresentada aos figurões.
– Estarei pronta – Gabrielle não conseguiu disfarçar e excitação na voz – obrigada, Xena.
– Mais uma vez, não há de que – virou-se e saiu da biblioteca, deixando para trás uma Gabrielle que se controlava para não dar pulinhos.
***
Xena desceu, pela segunda vez naquele dia, as escadas úmidas de um calabouço. Dessa vez, não trazia nenhum soldado consigo. Tirou do próprio bolso as chaves da única cela daquele local e entrou.
A mulher que estava lá encarcerada estava presa apenas por uma corrente fincada no chão que a prendia pelo pé. Estava sentada no solo frio, encostada na parede e encolhida. Ela sequer levantou os olhos ante a chegada da imperatriz.
– Eu sabia que você viria hoje – murmurou a prisioneira, sua voz era rouca e baixa – e eu sei o que vai fazer.
– Ótimo – Xena falou duramente, caminhando com passos decididos na direção dela – assim não precisamos de arrodeios.
– Não vai conseguir sem me tocar – a mulher finalmente a encarou – e quando me tocar… você vai saber.
– Então é melhor eu ser rápida – Xena agarrou os cabelos da mulher e a levantou com brutalidade. Assim que o fez, imagens e lampejos múltiplos nublaram sua visão.
Sangue em suas mãos. Gritos ensurdecedores de pessoas torturadas. Olhos verdes banhados em lágrimas em um rosto familiar.
– Vai abrir mão de todo esse poder, Xena? – a mulher riu – se me matar… nunca mais terá o dom do futuro.
– O futuro está escondido por um motivo – Xena tentava concentrar-se na figura à sua frente, através do turbilhão de visões que a inundavam – não pertence a nós, mortais.
Um garoto adolescente, de longos cabelos loiros, a atacou com uma espada em cujo punho tinha uma enorme pedra cravejada.
– Oh, Xena, desde quando você tem receio do poder? Como os anos a tornaram covarde?
Eu quero tocar no coração das trevas. Na vontade pura e nua por trás de todo desejo, ódio e violência. Eu me tornarei a própria face da morte, capaz de destruir não apenas o corpo de uma pessoa, mas sua alma. Me siga, e te farei Destruidora de Nações.
– Mate-me e você selará sua destruição – Alti continuou – mantenha-me viva e a mostrarei como mudar seu destino. Mate a mulher… antes que ela mate você.
Um perfume cítrico que emanava de cabelos dourados. Uma boca sedenta que a beijava, e ela sentia como se nada ao seu redor importasse. Uma dor penetrante em seu peito.
– Nada é feito para durar para sempre, Alti – resmungou Xena, sua cabeça já doía – nem eu… nem você.
Sacou o chakram e cortou a garganta da mulher. O sangue escorreu em borbotões por suas mãos, manchando sua roupa. A mulher caiu, as mãos apertando a ferida, gorgolejando e arquejando. Xena ficou olhando-a até ela parar de se mexer.