Honra
por DietrichTerreis adentrou o salão real, seus passos elegantes e graciosos ressoando com suavidade. Curvou-se diante de Xena, que estava sentada em seu trono.
– Vim despedir-me imperatriz – falou a princesa amazona – parto hoje mesmo de volta à minha terra.
Terreis ergueu a cabeça e o silêncio da imperatriz a deixou confusa. Olhou atentamente para o rosto da soberana, que parecia encarar o vazio, e percebeu que ela trazia profundas olheiras e o olhar devastado. Aquilo fez o coração de Terreis apertar-se, perguntando-se se algo tinha acontecido com Gabrielle.
– Senhora? – Terreis questionou, com voz ansiosa.
Xena voltou vagarosamente os olhos para a mulher diante de si. Seu coração logo disparou, tomado por um ciúme violento que quase sobrepujou as dores do seu corpo e da sua alma. Controlou o tremor das mãos e fechou os olhos, o cansaço levando o melhor dela.
– Terreis – a imperatriz murmurou – quais seus sentimentos por Gabrielle?
A princesa amazona cerrou os punhos e manteve um olhar sério e digno. Ergueu o queixo apenas o suficiente para transmitir sua honradez e respondeu em voz firme:
– Tenho por Gabrielle grande afeição, que certamente transformaria-se em amor, caso ela não tivesse me confessado que seu coração já pertence à outra… à você.
Xena riu baixinho, sem humor, sentindo o verme do ciúme corroer sua carne por dentro. A expressão imaculadamente íntegra e honesta de Terreis era quase o suficiente para atiçar seu demônio interior e querer destruir aquela mulher, que parecia tão melhor para Gabrielle do que ela mesma, com suas próprias mãos.
– Fico feliz em ouvir isso – a soberana falou, seu tom sarcástico e dolorido – confio que isso a tornará mais propensa a aceitar a proposta que lhe farei.
O semblante de Terreis encheu-se de dúvida. Xena ergueu-se de seu trono e desceu as escadas lentamente, até chegar onde Terreis estava. Deu uma volta ao redor da amazona, que manteve todos os seus sentidos alertas, sem saber o que esperar.
– Talvez você não acredite Terreis… – Xena falou – mas eu… – Xena engoliu em seco, as palavras pareciam farpas em sua boca, difíceis de pronunciar – eu amo Gabrielle com todas as forças da minha alma.
O coração de Terreis agitou-se. Uma parte dela sentia alívio, por saber que a mulher correspondia aos sentimentos de Gabrielle e a outra afundava-se em melancolia, pois aquilo apenas confirmava que Gabrielle jamais seria sua.
– Compreendo perfeitamente, senhora – Terreis disse, num tom conformado e amargo.
– Ela, por algum motivo que só os deuses podem explicar, preferiu uma genocida violenta à uma amazona virtuosa. Suponho que eu deva me sentir sortuda.
– Infinitamente sortuda, senhora. Porém, caso não seja insolente de minha parte, pode ir direto ao ponto? Essa conversa não me agrada, como bem pode adivinhar – a amazona falou, tentando manter a polidez.
– Direto ao ponto, então – Xena se postou na frente de Terreis – Gabrielle está partindo em uma missão. Uma missão perigosa, para enfrentar um desafio que se interpõe entre nós. Uma missão na qual não podemos ir juntas – o rosto de Xena, antes sarcástico, tornou-se novamente cansado e com um toque de súplica – eu lhe peço, Terreis, como um favor pessoal e, se necessário, como um favor ao império, que a acompanhe e a proteja nessa missão… pois eu não posso – a última frase saiu da boca da soberana como a admissão de um crime nefasto.
Terreis ficou estupefata. Aquela era a última coisa que esperava ouvir. Esperava que a imperatriz fosse vangloriar-se ou mesmo atacá-la fisicamente. Imediatamente, soube que a situação deveria ser realmente séria, ou Xena jamais lhe pediria algo que feria tão diretamente seu orgulho.
– Eu não sei do que se trata – respondeu Terreis – mas irei sem hesitação.
Xena quase odiou a mulher por aceitar tão rápido. Mas sabia que se podia confiar em alguém, era naquela que faria por Gabrielle o que ela mesma faria, se pudesse.
– O império será eternamente grato à você e à Nação Amazona – Xena estendeu a mão, seu tom formal se transformou num clamor – Terreis… traga-a de volta para mim.
Terreis apertou a mão oferecida, sentindo o tremor que corria por entre os dedos da imperatriz. Aquilo, uma fraqueza que jamais esperara presenciar, fez com que por um instante enxergasse a mulher por trás do manto imperial, com suas dores, seu orgulho, seu amor desesperado. Percebendo o peso do que acabava de prometer, ela respondeu:
– Eu a trarei de volta, imperatriz. Palavra de amazona.
***
Gabrielle estava sozinha nos estábulos, os sons abafados dos cascos e dos ventos frios a cercando enquanto ela ajustava a sela no cavalo que usaria para partir. Suas mãos, cuidadosas e firmes, faziam os últimos ajustes nas correias, mas sua mente estava longe dali, repassando cada palavra de Xena com precisão obstinada.
Vá até a tribo das amazonas do norte. Fale com a xamã. Ela saberá como quebrar a maldição.
Gabrielle repetia as instruções como um mantra, tentando preencher a mente com o foco da missão, em vez da dor de deixar Xena para trás. Ela sabia o que precisava ser feito, mas, no fundo, temia o desconhecido que a esperava. Ela tomou um fôlego, tentando acalmar o coração inquieto.
Nesse momento, passos delicados soaram atrás dela, e ela se virou rapidamente para encontrar Terreis à entrada dos estábulos, com uma expressão séria e decidida.
– Terreis? – Gabrielle franziu o cenho, visivelmente surpresa – o que faz aqui?
Terreis deu um passo à frente, mantendo um olhar firme sobre Gabrielle.
– Vim comunicar que vou acompanhá-la nesta missão – declarou Terreis, a voz calma, mas convicta.
Gabrielle sacudiu a cabeça, confusa.
– Como você soube?
– Xena me pediu pessoalmente para acompanhá-la. Não sei do que se trata, mas aceitei de pronto.
– Terreis, Xena não devia ter feito isso – Gabrielle massageou a testa, com uma expressão de frustração – Eu aprecio sua disposição em me acompanhar, Terreis, mas essa é uma jornada que preciso fazer sozinha – disse, tentando manter o tom firme.
Terreis cruzou os braços, sem desviar o olhar.
– E o que você vai fazer para me impedir de ir com você?
Gabrielle desviou o olhar, respirando fundo. Ela queria protestar, insistir que era capaz de seguir sozinha, que já não era mais uma mulher indefesa, mas algo no olhar resoluto de Terreis a fez hesitar.
– Terreis, eu… Eu sei que sou capaz de enfrentar isso – disse Gabrielle, quase como um apelo – se eu não puder fazer isso sozinha, que tipo de força posso oferecer a ela?
Terreis se aproximou, sua expressão suavizando apenas um pouco.
– Gabrielle, isso não é sobre força – respondeu Terreis, numa voz gentil – às vezes, aceitar ajuda é a verdadeira demonstração de coragem – Terreis baixou os olhos – Xena sabe o que sinto por você… e ainda assim me pediu para acompanhá-la. Então ela confia em nós duas. Você vai lutar para proteger o seu amor… e eu vou lutar para proteger você.
Gabrielle olhou para o chão, comovida pelas palavras de Terreis. Parte de si lamentou não poder corresponder aos sentimentos da amazona. Todas as pessoas naquela luta estavam dispostas a sacrifícios e ela sentiu-se fazendo parte de algo maior. Aquilo encheu-a com a certeza de que triunfaria no final.
– Está bem, Terreis… Aceito sua companhia – murmurou, levantando o olhar – mas saiba que esta é uma jornada difícil, e eu não vou recuar.
Um leve sorriso apareceu no rosto de Terreis, um lampejo de respeito brilhando em seus olhos.
– Não espero nada menos de você, Gabrielle – ela colocou uma mão firme no ombro da outra, num gesto de apoio silencioso – você pode me explicar nossa missão?
– Te conto no caminho – respondeu Gabrielle, voltando a arrumar sua montaria.
***
As noites tornaram-se silenciosas e sem sonhos desde que Gabrielle partira. Xena acordava sem os tormentos dos pesadelos, sem sentir o peso da maldição sobre seu corpo. As feridas, tanto externas quanto internas, começaram a fechar, mas o alívio físico era uma bebida amarga. A saudade de Gabrielle ardia fundo e constante, como uma ferida que nunca cicatrizava. Cada hora que passava sem notícias era uma lâmina cravada mais fundo.
No salão do trono, Xena estava pensativa, os olhos perdidos na memória de Gabrielle. Foi então que Theodorus entrou e curvou-se respeitosamente diante dela, seu rosto carregando uma expressão de urgência.
– Imperatriz, trago notícias dos centauros – anunciou ele – eles estão sob ataque de Dagnine. A situação é crítica, e eles solicitaram ajuda do império.
Ao ouvir aquele nome, o rosto de Xena se contraiu de raiva. Dagnine, o tenente que havia traído sua confiança anos atrás.
– O que aquele maldito quer com os centauros? – ela perguntou.
– Ele quer retomar a busca pela pedra Ixion que a senhora mesma desistiu anos atrás, senhora – o general se aproximou mais – senhora, não podemos permitir. Ele se tornará uma ameaça real se conseguir a pedra. E devemos honrar nossos dever com os centauros.
– Não precisa me convencer, Theodorus. Conheço meus deveres – Xena sentiu uma fúria intensa, o desejo de se vingar de Dagnine, que quase ofuscava a dor da ausência de Gabrielle. Aqueles dois sentimentos juntos eram uma combinação explosiva. Levantou-se do trono, sua decisão já tomada.
– Prepare as tropas – declarou, com uma firmeza fria – eu mesma liderarei a campanha contra Dagnine.
Theodorus hesitou por um momento, surpreso com a resposta de sua soberana.
– Senhora… – começou ele, com cautela – tem certeza de que deseja ir pessoalmente? Não seria mais seguro enviar um destacamento?
Xena o interrompeu, sua voz carregada dos vestígios de sua fúria e de sua dor mal disfarçada.
– Se alguém vai derrubar aquele traidor, esse alguém serei eu. Ele traiu minha confiança e agora ameaça nosso território. E, além disso, preciso de algo… algo em que eu possa focar todas as minhas forças.
Theodorus a observou, percebendo o cansaço emocional que transparecia por trás daquela determinação. Mas, como bom soldado, ele apenas assentiu.
– Como desejar, imperatriz. As tropas estarão prontas ao seu comando.
Xena assentiu e virou-se, seus passos ecoando pelo salão conforme ela deixava o trono. Finalmente, teria uma válvula de escape para a angústia que a consumia.