Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

O quartel estava em plena atividade, soldados marchando, armas sendo afiadas, e ordens reverberando pelos corredores. O som dos passos de Xena, firmes apesar da ressaca, ressoavam no ambiente, chamando a atenção dos guardas e oficiais que se encontravam pelo caminho. Os olhares respeitosos se voltavam para ela, alguns a cumprimentavam e batiam continência, mas algo na postura da soberana lhes indicava que não deviam fazer muita coisa além disso.

Ao aproximar-se do escritório de Theodorus, Xena parou por um instante, ouvindo a conversa que acontecia atrás da porta semiaberta. A voz dele, grave e segura, discutia estratégias com outro oficial, e, pelo tom, parecia algo importante. Ela hesitou, mas decidiu que não podia esperar – as agruras de seu coração atormentado eram mais importantes que burocracias militares.

Empurrou a porta, interrompendo a conversa sem cerimônia. Theodorus e o oficial voltaram-se rapidamente, surpreendidos com a súbita entrada. Ao ver que era Xena, os oficiais se puseram de pé e bateram continência em respeito, mas Xena mal registrou aquela formalidade.

– General, eu preciso falar com você. A sós – disse.

Theodorus lançou-lhe um olhar atento, e os olhos percorreram rapidamente o rosto da imperatriz, captando a exaustão visível, o leve inchaço nos olhos, e o desconforto que ela tentava esconder.

– Claro, majestade – ele respondeu, fazendo um sinal para que o outro oficial saísse, o que ele fez prontamente, fechando a porta atrás de si.

Xena fez sinal para Theodorus sentar-se novamente, e o oficial aquiesceu e permaneceu em silêncio, aguardando. Ele indicou uma cadeira, mas Xena permaneceu em pé, e começou a dar passos pela sala.

– Fiz uma porcaria, Theodorus. Mais uma vez, agi como uma idiota.

O homem suspirou, como se já soubesse do que aquilo se tratava.

– Xena, era a única saída. Você tinha que matá-la.

A soberana parou e colocou a mão na testa, balançando a cabeça e deixando sair um sorriso inconformado.

– Não estou falando dessa porcaria. Mas entendo, tenho feito tantas ultimamente que preciso ser mais específica.

A imperatriz finalmente desabou na cadeira diante de Theodorus e escondeu o rosto nas mãos, suspirando pesadamente.

– Sabe, Theo – ela começou – eu estava me sentindo um lixo completo ontem, quando matei a maldita da Callisto…

– Compreensível, minha senhora.

– E sabe o que fiz? Peguei uma garrafa daquela droga de álcool japonês que você gosta e comecei a beber…

– Também é compreensível.

– Cala a porra da boca, seu velho insuportável – Xena reclamou, e rosnou quando viu que seu comentário tinha despertado um sorriso no general.

– Não dou mais um pio – ele respondeu.

– Enfim… por algum motivo que só as fases da lua podem explicar sabe o que eu fiz? Fui importunar a coitada da Gabrielle.

Xena percebeu pelo olhar do general que o pior tinha passado pela mente dele, mas o general não proferiu uma palavra.

– Consigo ver o que você está pensando seu maldito – ela resmungou, dando um leve soco na mesa, seu rosto uma careta de remorso – eu não a matei, nem fiz nada ainda pior que isso. Mas quase fiz. E esse é o problema. Eu a aterrorizei – Xena inclinou-se novamente em direção à mesa, apoiou os cotovelos nela e segurou a cabeça entre as mãos – eu quase… eu quase fiz algo muito perverso, Theodorus. E ela viu. Ela viu a perversidade em mim.

Xena passou um tempo de cabeça baixa, até que o silêncio de Theodorus começou a incomodá-la. Ela ergueu os olhos e não conseguiu decifrar a expressão do general. Havia algo de compassivo e algo de cômico que a irritou.

– Você acha isso engraçado, seu bosta? Fale de uma vez o que pensa.

– Bem, agora que posso falar – o homem se ajeitou na própria cadeira – faz muito, muito tempo que não a vejo tão preocupada com o que alguém pensa de você. Por que acha que está sentindo isso?

Estava esperando que você me falasse.

– Leitura de mentes ainda não é meu forte, senhora – o general respondeu com um meio sorriso – mas vou dar o meu melhor chute. Você se sente responsável pela tragédia na vida dessa jovem como se sente responsável pela tragédia de Callisto?

Xena jogou a cabeça para trás e deixou um suspiro longo escapar por entre seus lábios.

– Eu sou responsável, Theo. Eu sou inteiramente responsável.

– Callisto é responsável, Xena.

– Você sabe por que Callisto tentou matar Gabrielle?

– Por que ela era uma lunática imprevisível?

– Não. Por que eu, como a criatura irresponsável que sou, naquela noite dei uma volta com Gabrielle na floresta, e veja só, acabei beijando-a. Callisto viu isso, conectou com alguma profecia estúpida de Alti e resolveu matá-la. Achando que estava me protegendo. E agora estamos aqui.

O general arregalou os olhos e soltou um suspiro que quase saiu como um assobio.

– Uau – ele falou.

– Pronto, agora você sabe a imperatriz que tem.

Ele riu.

– Algum dia eu não soube?

Xena revirou os olhos.

– Me diga, o que faço?

– De novo, Xena. Por que está tão preocupada com o que Gabrielle sente e pensa sobre você? Honestamente, você poderia simplesmente matá-la ou mandá-la embora.

– Assassinato é sua resposta para tudo?

– Não, mas costumava ser a sua.

– Então você não tem nada a me dizer, é isso.

Theodorus coçou o queixo, parecendo refletir antes de responder. Então, respirou fundo, como quem está prestes a compartilhar um segredo pouco glorioso.

– Sabe, Xena, eu entendo bem esse sentimento de estar perdido, sem saber como consertar uma estupidez – ele olhou para um canto da sala, um pouco sem jeito, e continuou – esta semana mesmo, tive uma discussão idiota com Artemisia.

Xena franziu o cenho, já se arrependendo de ter pedido um conselho. Theodorus apenas sorriu de canto e prosseguiu:

– Por um motivo bobo, eu admito. Ela encontrou uma adaga antiga na sala de armas e disse que a lâmina estava enferrujada, que eu precisava aprender a cuidar melhor das coisas. Mas eu, bom, acabei perdendo a cabeça, dizendo que ela não sabia nada sobre armas. Fui duro demais.

Xena lançou-lhe um olhar cético, mas o general a ignorou.

– A questão é que, depois disso, fiquei remoendo a briga a noite inteira. Fui de um lado para o outro, pensando em como me desculpar, e, no fim, decidi que precisava compensá-la – ele deu de ombros – então, preparei um café da manhã para ela, com as flores que ela mais gosta, e uma bandeja com frutas e pães. E deixei uma carta, falando o quanto valorizo a opinião dela, mesmo que eu nem sempre demonstre.

Theodorus riu de si mesmo e olhou para Xena, que mantinha os braços cruzados, impassível.

– E o que isso tem a ver com qualquer coisa, Theodorus?

-Tem certeza que não sabe, Xena?

– Sinceramente, Theo, não tenho tempo para as picuinhas entre você e sua mulher – ela olhou para ele – mas… talvez isso tenha me dado uma ideia de como resolver essa situação.

Theodorus apenas assentiu, contendo um sorriso.

 

***

Gabrielle passara o dia em estado de tensão na biblioteca, mas tudo fora absolutamente ordinário. Nobres e conselheiros iam e vinham em busca de pergaminhos para consultas rápidas. Fez revisões de documentos que já conhecia de cor. Quando Joxer apareceu para vê-la e trocar algumas palavras amigáveis, por alguns minutos, Gabrielle conseguiu se distrair da angústia sufocante em seu peito. No entanto, cada vez que a porta rangia, um calafrio lhe percorria a espinha, trazendo de volta as imagens da noite passada.

Tudo tinha corrido como só mais um dia comum, até a visita inesperada que surgiu quando o sol já começava a se pôr.

O general Theodorus entrou na biblioteca com passos pesados. Ele não costumava ir ali, e sua presença chamou imediatamente a atenção de Gabrielle, reavivando toda a tensão que ela tentara aplacar. O homem de feições duras fez uma breve mesura em sua direção.

– Senhora Gabrielle – ele falou – a imperatriz solicita que a senhora me acompanhe até os quartéis, por favor.

Gabrielle sentiu o sangue sumir de seu rosto, sua mente disparando por caminhos sombrios, imaginando todos os piores cenários. Os olhos do general pareceram captar seu pavor, e ele tentou desfazer a expressão séria e sisuda que sabia ser seu habitual. Caminhou com passos suaves na direção da loira.

– Senhora Gabrielle, perdoe-me as palavras intrusivas. A imperatriz confessou-me que vocês duas tiveram um… desentendimento.

Gabrielle engoliu em seco, ainda se sentindo tonta de medo.

– Não tem motivos para acreditar em minha palavra – prosseguiu o general – mas mesmo assim as direi: Xena está profundamente arrependida e está tentando fazer algo para compensá-la pelo… susto que causou. Ela não conseguirá dizer isso à senhora com palavras. Ela não é muito boa nisso. Mas arranjou uma maneira de mostrar seu arrependimento.

– Theodorus… – Gabrielle baixou os olhos, a voz quase um sussurro – não sei se o que aconteceu é perdoável.

– Compreendo, senhora. Bem, então é mais uma coisa na lista de coisas imperdoáveis que Xena carrega. Ainda assim, senhora, temo que deva me acompanhar, pois o que trago é uma ordem. Ela ainda é sua soberana.

Gabrielle sentiu um sabor acre na boca e assentiu, amargurada. Seguiu o general como quem se dirigia ao seu próprio martírio.

Nota