Ladrão
por DietrichXena despertou do cochilo com o som de passos se aproximando. Uma figura encapuzada se esgueirava no escuro e vinha na sua direção.
– Xena – chamou a voz de Gabrielle, enquanto ela se livrava do cobertor que usava de capa – como está a perna?
Xena dobrou e esticou o citado membro. Doía bastante, mas tinha aliviado com o descanso prolongado.
– Boa o suficiente para chutar umas bundas – respondeu – o que tem a me dizer?
Gabrielle sentou-se ao lado dela no chão.
– A prisão é bem protegida. Pulula de guardas – disse Gabrielle, sorrindo.
– E é por isso que está sorrindo? Soa como um fiasco – retrucou a morena.
– Tem uma ala temporária onde eles colocam os baderneiros. Chamam de salão de entrada. Imaginei que podíamos entrar dessa forma.
Xena ergueu uma sobrancelha.
– Quer que sejamos presas?
– Me parece a única forma de entrar.
– Eu tenho uma ideia melhor – contestou Xena – matamos todos os guardinhas, pegamos o que queremos e caímos fora.
– Sutil – respondeu Gabrielle – meu plano é muito menos danoso para sua perna e tem menos chances de nós duas morrermos no processo.
– Hum. Só porque não estou no meu melhor, faremos do seu jeito. O que exatamente está pensando?
***
O guarda esfregou os olhos, tentando mantê-los abertos. Seu turno mal começara e o sono já batia. Lembrou de como seu chefe tratava os guardas que dormiam em serviço e o arrepio de medo o despertou. Enrijeceu-se e olhou para o colega ao seu lado, que se divertia vendo-o tentar se manter alerta. Ele era novo, mas o colega já era experiente e vigiava calmamente os arredores.
– Que emprego de merda – resmungou, sonolento.
– Vai se acostumar – respondeu o colega – e não devia reclamar. As coisas estão piorando para todo mundo desde que Xena morreu. Tem sorte de ter conseguido esse posto.
O homem concordou, e empertigou-se de novo. Balançou-se um pouco sobre os próprios pés para o movimento o despertar. Foi quando ouviu passos cambaleantes se aproximando.
Uma pequena e suja mulher de cabelos curtos andava em zigue-zagues na direção dele, uma garrafa de bebida seca na mão. A mulher tropeçou em cima dele, quase o derrubando, e sorriu quando ele a segurou.
– Oi, bonitão – a mulher tentou abraçá-lo. Fedia a álcool e arrotou no rosto dele – vamos nos divertir.
O homem fez uma cara de nojo e a empurrou. A mulher rolou no chão, enquanto o colega ria.
– Não estou desesperado assim, vagabunda – disse rispidamente o guarda.
A mulher levantou-se e atirou-se nele novamente.
– Vamos lá, não há porque ser tão rude – disse a mulher com voz pastosa. O homem tentava desviar-se do seu hálito e desvencilhar-se das investidas da mulher – a lua está bonita hoje.
O homem estava prestes a empurrá-la de novo quando outra mulher veio e puxou a loira de seus braços.
– Aí esta você! – a mulher, uma alta morena, igualmente suja e bêbada, começou a gritar com a loira, que tentava se soltar do braço dela – se oferecendo de novo para o primeiro que aparece! Sua puta!
– Me largue! – cuspia a loira – você não manda em mim! – e começou a esmurrar a morena desajeitadamente.
O outro guarda perdeu a paciência e foi separá-las.
– Arrumem outro lugar pra se engalfinharem! – disse o homem, puxando a morena pelo ombro. Esta se virou e o empurrou com força, pegando-o de surpresa e derrubando-o no chão com estrépito.
O homem levantou-se com fúria nos olhos. Encarou o outro guarda, cujo sono tinha sumido completamente, e gritou:
– Não fique aí parado feito um idiota! Vamos levar essas duas para o salão de entrada. Uma noite na pedra as ensinará uma lição.
O homem assentiu e correu para segurar a loira, enquanto o outro tentava conter a mulher alta. Os dois se entreolharam meio surpresos, tendo dificuldades em segurar as duas mulheres, surpreendentemente fortes para duas bêbadas, que não paravam de tentar se atacar e gritar impropérios uma com a outra.
– Nunca mais ponha os pés na minha casa! – gritava a morena.
– Não queria voltar mesmo para aquela pocilga imunda! – respondeu a loira, aos berros.
Os homens entraram na grande estrutura e acenaram para os outros guardas que ficavam na entrada do local. Eles vieram correndo e ajudaram a conter as mulheres descontroladas. Elas foram levadas por um longo corredor de pedra, uma série de guardas olhando para a confusão e rindo. Chegaram em um local esvaziado que tinha apenas duas celas, uma de frente a outra, e jogaram uma mulher em cada.
– Vou acabar com você! – berrava a mulher mais alta.
– Quero só ver você tentar, górgone! – devolveu a menor.
O guarda sacou um cassetete de ferro maciço e bateu nas grades da cela. O barulho estrondoso calou as duas mulheres.
– Silêncio agora! – berrou o homem – se eu ouvir um maldito barulho nesse lugar as colocarei junto com os assassinos!
O homem sorriu ao ver o olhar apavorado das duas mulheres silenciosas.
– Agora fiquem quietas e botem esse álcool pra fora. Tenho certeza que amanhã serão melhores amigas novamente. Malditas rameiras – resmungou o homem, saindo e deixando-as sozinhas.
Xena olhou para Gabrielle.
– Retiro o que disse sobre você, loirinha – sussurrou Xena – você tem senso de humor.
Pela primeira vez, Xena viu Gabrielle dar-lhe um sorriso.
***
A loira pegou uma pequena haste de ferro escondida em sua bota e começou a tentar arrombar a cela. Após algumas interrupções motivadas pelo constante passeio dos guardas, ouviu o estalido que indicava que a tranca tinha sido aberta.
Quando um guarda solitário passou, Gabrielle chamou:
– Moço, moço, por favor.
O homem parou, irritado.
– O que quer, vagabunda?
– Preciso… preciso… – Gabrielle foi escorregando aos poucos pelas grades, a voz baixando, os olhos fechando.
– O que está dizendo? – o guarda se aproximou para ouvi-la – fale alto, mulher!
Quando ele estava próximo das grades, Gabrielle abriu a porta de supetão, atingindo o homem, que caiu. O homem estava tão surpreso que não gritou, mas estava prestes a fazê-lo, quando Gabrielle o golpeou no queixo, desacordando-o.
A loira olhou mais uma vez para o deserto corredor, antes de puxá-lo para dentro da cela, colocando o corpo num canto escuro e fechando as grades. Foi apenas tempo suficiente para outro guarda percorrer o corredor, assobiando uma velha cantiga popular. Assim que ele sumiu, Gabrielle saiu de sua cela e jogou para Xena o molho de chaves que tinha tirado da cintura do guarda.
Na outra cela, Xena repetia as ações de Gabrielle. Mas, em vez de nocautear o homem, golpeou-lhe o pescoço com as pontas dos dedos. O homem começou a sufocar.
– Cortei o fluxo de sangue para seu cérebro – Xena falou – e sei que você consegue sentir sua vida se esvaindo. Me diga onde está Autolycus e talvez eu deixe você viver.
– Xena – Gabrielle lhe advertiu, preocupada com a chegada dos guardas.
– Será rápido, loirinha – Xena voltou os olhos para o homem – pelo menos se ele não quiser morrer.
– No… no subsolo! – sangue escorria do nariz do guarda, sua voz era um fio – apenas ele está lá!
– Obrigada – disse Xena – e boa noite. Gabrielle viu Xena aplicar aquele estranho golpe novamente e o homem voltar a respirar, mas Xena logo nocauteou-o e ele desmaiou.
– Está vendo, loirinha? Estou seguindo as regras – disse Xena, sorridente, começando a tirar o uniforme do homem.
– Você está se divertindo um pouco demais – disse Gabrielle.
As duas mulheres colocaram os homens deitados enrodilhados no chão de pedra, apenas visíveis o suficiente para qualquer guarda que passasse não imaginasse que elas tinham fugido. No breve segundo que o corredor ficou deserto, saíram em direção ao subsolo.
– O subsolo é ao leste – sussurrou Gabrielle – as pessoas falam na rua que há uma espécie de monstro lá.
– Está mais para um coelhinho – disse Xena – Autolycus é um grande ladrão e escapista, por isso a segurança reforçada, mas por dentro é mole como um cordeiro recém-nascido.
Caminharam pelos corredores sombrios a passos velozes, sem levantar as suspeitas dos guardas que patrulhavam o austero composto. Chegaram a um vão apertado e escuro que era o começo de uma longa descida. Ao fim da descida havia uma pesada porta de ferro maciço, vigiada por um alto homem sisudo.
Xena e Gabrielle ficaram uma de cada lado do vão. Dois guardas passaram por elas. Um deles deu uma olhadela para trás, desconfiado, mas seguiu em frente.
– Ok, loirinha – sussurrou Xena – deixe o grandão comigo.
Antes que Gabrielle pudesse se manifestar, Xena começou a descer a escada estreita. O homem imediatamente levantou os olhos para ela e ficou em posição de alerta.
– O que quer? – o homem perguntou.
Xena apressou o passo na descida. O homem já estava a postos, olhar atento.
– Perguntei o que quer! – o homem inquiriu, a mão no punho da espada, tentando dar uma última chance para a pessoa que supunha ser um colega de trabalho.
Quando não ouviu resposta, Xena percebeu que ele ia dar o alarme. Num salto rápido, a mulher deu uma cambalhota no ar e aterrissou ao lado do homem, golpeando-o na garganta. O homem ficou sem voz, mas tentou atacá-la. Xena derrubou-o no chão e imobilizou seus braços e pernas com pontos de pressão. Puxou a pequena adaga que trazia na bota e pressionou bem em cima da pulsação no pescoço do homem, que começou a suar frio.
– Agora me escute, verme – Xena sussurrou – vou tirar o nó que coloquei na sua garganta. Mas se eu sentir, se eu sequer imaginar que você vai gritar, será a última coisa que fará na vida. Me ouviu?
O homem arquejava e tentava se mover, sem sucesso.
– Me ouviu?!
O guarda assentiu, apavorado. Xena pressionou dois dedos num ponto na garganta do homem, que voltou a ter voz, ao mesmo tempo que arranhava a lâmina no pescoço dele.
– Vamos conversar um pouco – lá em cima, ruídos de passos indicavam que guardas transitavam e Xena apertou mais um pouco a adaga no pescoço do homem – Autolycus está aqui? Sim ou não?
– Sim – o homem tremia.
– Algo que eu preciso saber sobre essa cela?
– Só… Só eu tenho a chave – o homem guinchava – os cadeados… são… são… especiais…
– Imagino – Xena deu dois tapinhas no rosto dele – grandão, você vai entrar comigo nessa cela, e se tiver alguma armadilha, umazinha só que você não me contou, você é um homem morto, entende?
– São apenas os cadeados, juro.
– Veremos.
Xena abriu a tranca e entrou na cela arrastando o guarda imobilizado. Deu um assovio. Gabrielle olhou para baixo e desceu até onde estavam.
– Vou soltá-lo, loirinha. Fique de olho aqui.
Gabrielle assentiu, encostando a pesada porta. Espiou pela pequena abertura o movimento que acontecia lá dentro.
Um homem alto, pálido e magro estava na cela, de pé, algemado nos pulsos, calcanhares e pescoço.
– Olá, Autolycus – cumprimentou a morena.
– Xena – respondeu o homem com uma fraca voz surpresa – me disseram que estava morta.
O guarda caído arregalou os olhos ao ouvir o nome de Xena.
– Pretendo continuar morta por algum tempo – respondeu a mulher – preciso de uma informação, Autolycus.
O homem fez uma expressão de curiosidade.
– Para vir até aqui, deve realmente precisar dessa informação.
– Sei que tentou roubar a adaga de Hélios. Você conseguiu?
O homem se mexeu dentro das correntes.
– Como disse, deve ser uma informação valiosa, para se dar a todo esse trabalho.
– Pretendo tirá-lo daqui, Autolycus – continuou Xena.
– Bem, assim que eu sair, te digo onde a escondi – disse Autolycus – pra que quer?
– Assunto meu – respondeu a mulher.
Xena abriu as algemas do prisioneiro. Autolycus gemeu de alívio quando os ferros caíram no chão.
– Oh deuses! – ele exclamou, esticando os braços e pernas – Xena, não tenho como agradecer.
– Tem sim – Xena tirou o uniforme do guarda. Autolycus o vestiu. A mulher prendeu o homem imobilizado nas correntes, o nocauteou e liberou os pontos de pressão – vamos sair daqui.
***
Caminharam o mais rápido que podiam pelos corredores da prisão. Autolycus estava fraco e tonto, parecendo prestes a desmaiar. Gabrielle e Xena o espiavam, preocupadas, pois a aparência dele podia denunciá-las a qualquer momento. Quando finalmente estavam fora da prisão, Autolycus cambaleou e caiu no chão.
As duas mulheres o levantaram, mas logo os guardas no portão se aproximaram.
– Ei! Alto! O que ele tem? – um dos homens perguntou.
Xena percebeu pela expressão do guarda que ele tinha reconhecido o prisioneiro. A mulher nocauteou os dois homens, mas outros guardas tinham percebido a estranha movimentação e se aproximavam. As mulheres continuaram em passo apressado, carregando Autolycus pelos braços, quando um grito de alerta soou atrás delas.
Os arqueiros nas torres se armaram. Os guardas correram até elas. Gabrielle derrubou-os. Flechas caíram ao seu redor. Xena derrubou mais dois atrás de si, mas outros continuavam vindo. Com um grunhido resignado, Xena pegou o corpo fraco de Autolycus, jogou sobre os ombros como se fosse um saco de batatas e começou a correr a toda velocidade.
Gabrielle olhou para a outra mulher e seu queixo caiu.
– Feche a boca e corra, loirinha! – gritou Xena.
Um guarda puxou Gabrielle pelo ombro. Ela pegou o braço do homem e o torceu, derrubando-o. Outro guarda tropeçou nele e os dois se embolaram. Gabrielle disparou atrás de Xena. Atrás delas uma pequena multidão de homens se formava, uma flecha passou zunindo pelo ouvido da loira. Gabrielle alcançou Xena, a morena tinha os dentes cerrados de concentração e determinação. Xena viu adiante os dois cavalos onde os tinham amarrado. Sacou a adaga e a lançou, cortando as cordas de ambos. Jogou Autolycus em um cavalo, montando em seguida, e fez o cavalo partir. Gabrielle estava logo atrás.
– Prepare-se para uma longa noite, loirinha! – Xena gritou.
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