Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Era uma masmorra fétida e úmida. A mesma onde Alti e Callisto tinham morrido. Xena girou a faca entre os dedos, um esgar maldoso em seus lábios, o prazer de causar dor em alguém dominando seus sentidos.

– Então você achou que domaria a besta, an? Logo você, uma criatura tão insignificante?

Gabrielle, presa por correntes nas paredes de pedra, gania de dor. O corpo dela estava roxo e vermelho dos golpes que Xena havia lhe dado.

– Xena.. por favor… – a voz era quase inexistente – por favor… não me machuque.

A imperatriz socou o rosto da mulher, fazendo o sangue escorrer por sua boca. Girou mais uma vez a faca entre os dedos e encostou a ponta afiada no braço direito da mulher, penetrando a carne. O sangue rubro, quase preto, escorreu pela lâmina e manchou os dedos de Xena, que gargalhou.

Gabrielle acordou com o barulho de um grito rascante. Levantou-se de pronto e percebeu que Xena, ao seu lado, arquejava enquanto apertava com força os próprios braços. Empalideceu quando percebeu que havia sangue manchando os dedos da imperatriz.

– Xena! – ela exclamou, horrorizada.

Xena lutava para controlar a própria respiração, os ecos no pesadelo ainda reverberando em sua alma, quase sobrepujando a dor física que sentia nos braços. Percebeu que dessa vez, as feridas tinham aparecido em seu corpo. Aquilo a fez compreender que aquilo era algo mais que pesadelos provocados por sua culpa.

– Gab… – o nome não conseguiu sair de sua boca.

Gabrielle levantou-se imediatamente e molhou um pano na bacia com água que havia em seu quarto, com o qual começou a limpar as feridas de Xena. Percebeu também que o corpo da imperatriz estava repleto de marcas, como se ela tivesse levado uma surra.

– Xena, pelos deuses! – Gabrielle engoliu em seco, tentando não soar desesperada, mas mal conseguindo – o que está acontecendo?

Xena ergueu os olhos para a mulher, percebendo que teria que, mais uma vez, inserir Gabrielle na sua escuridão. Ela segurou a mão de Gabrielle que pressionava o pano na sua ferida, e preparou-se para contar a verdade.

– Eu não tenho certeza… – a imperatriz falou – mas desconfio.

– Xena, como você pode acordar toda machucada no meio da noite, sem nada ter acontecido???

Xena segurou as mãos de Gabrielle e a fez sentar-se ao seu lado.

– Gabrielle… existem forças sombrias nesse mundo. Forças que atravessam o véu entre a vida e a morte. Forças com as quais eu já me relacionei um dia.

Gabrielle sentiu um aperto no coração, sabendo que aquelas palavras prenunciavam algo sombrio.

– Xena, por favor, me explique – disse, com voz branda – não estou entendendo.

A imperatriz sorriu, desconsolada.

– Eu vou te contar tudo… mais uma vez sob o risco que você se afaste de mim. As coisas que preciso contar envolvem uma parte muito nefasta de meu passado. Você disse que queria que eu mostrasse meu coração, minhas dores…

Gabrielle desviou os olhos por um momento e estremeceu. Trêmula, pegou a mão de Xena e a beijou.

– Conte-me. Seja o que for.

Xena, por um momento, deixou-se consolar pelo toque em sua mão. Depois levantou-se e, mancando e olhando para o vazio, começou a narrar sua história:

– Há muito tempo atrás, quando cavalgava pelo norte junto com Borias, conheci uma xamã chamada Alti. Ela tinha sido expulsa da tribo das amazonas do norte, segundo ela mesma, devido aos seus poderes imensos. Eu era uma criatura selvagem e qualquer promessa de poder me fascinava, então logo a tomei sob minha tutela.

As lembranças daquele tempo preencheram a mente de Xena. Apoiou uma mão na parede, como se quisesse que a pedra absorvesse suas emoções desencontradas.

– Ela sabia perfurar o véu entre a vida e a morte. Ela era capaz de fazer sua alma viajar para o mundo dos mortos para fazer você se vingar de um espírito. Para fazer uma viagem assim… você precisava da alma de um ser vivo. Eu matei muitas pessoas, Gabrielle, muitos inocentes, simplesmente para usar seu sangue para viajar pelo mundo dos mortos.

Xena fez de tudo para evitar olhar Gabrielle. Não queria ver como a mulher reagia à confissão dos seus atos mais macabros.

– Alti também fazia profecias, e elas se concretizavam quase sempre. O que eu não percebia, na época, era que parte das profecias dela eram, na verdade, maldições. Ela profetizava, e depois garantia que sua profecia se tornasse real.

– Ela me fez promessas. Ela prometeu que se eu a seguisse, ela me tornaria A Destruidora de Nações. Aquilo me fascinou e, por um tempo, eu fazia tudo que ela ordenava. Sob as ordens dela eu… eu dizimei uma tribo amazona inteira, com minhas próprias mãos. E Alti usou o sangue delas para aumentar ainda mais seus poderes.

Xena finalmente teve coragem para se voltar e observar o rosto de Gabrielle, que era uma mistura de choque e horror. Aquilo a feriu por dentro, mas ela sabia que, se aquela relação realmente fosse para algum lugar, ela precisava ser real com Gabrielle.

– Antes de eu matar Callisto ela me revelou… me revelou que Alti tinha feito uma profecia. Sobre… você.

O rosto já estupefato de Gabrielle adquiriu mais uma camada de confusão.

– Sobre mim?

– Sim, você. Callisto disse que Alti tinha revelado que você me destruiria. E que tentou matar você para me proteger desse destino.

Gabrielle olhou para o chão, seu corpo tremendo, a revelação que suas tragédias faziam parte de algo muito maior do que pensava caindo sobre ela com a força de uma tempestade.

– Eu já estava cansada das maldições de Alti – continuou Xena – cansada do controle que ela exercia sobre minha vida. Eu a mantinha presa num calabouço, mas aquilo já não era suficiente. Então escolhi matá-la.

Gabrielle cerrou os olhos. A facilidade com que Xena falava sobre assassinar pessoas era assustadora e doía em seu peito.

– Eu acho que Alti previu… previu que você entraria na minha vida. E que isso me mudaria. E ela não queria isso. Ela queria que o pior em mim permanecesse vivo, e ela sabia que você mudaria isso. Por isso acho… acho que ela nos amaldiçoou. Mesmo estando morta.

Xena encostou a testa na parede fria, seu corpo inteiro doía.

– Nos pesadelos que tenho… – a voz dela denotava o mais profundo cansaço – estou sempre te machucando. E quando acordo, as feridas estão em mim. Ela quer usar o meu amor por você para me torturar e me matar. Para se vingar. Ela quer me levar para o mundo dos mortos porque lá ela pode exercer domínio completo sobre minha alma.

Gabrielle sentia-se entorpecida, aquelas palavras macabras cortando sua alma como navalhas, mas uma palavra se destacou dentre elas com um peso maior que o do desespero.

Amor.

– Eu acho – continuou Xena, sem se dar conta do que tinha revelado – que quando mais perto eu estiver de você… piores serão os pesadelos – Xena sorriu com amargura – ela está me dando a escolha entre morrer ou viver sem você. Engraçado… as escolhas me soam como a mesma coisa.

Gabrielle escondeu o rosto nas mãos, tentando conter o turbilhão em sua mente. Sentiu-se nauseada, como se correntes de forças sombrias aprisionassem seu destino. Dentre a confusão e a dor, uma raiva latente começou a se manifestar.

– Ela… – murmurou Gabrielle – ela não tem o direito de fazer isso.

– Ela já fez.

– Então precisamos desfazer – Gabrielle se levantou, movida por uma força incontida – deve haver um jeito de desfazer essa maldição.

Xena observou Gabrielle, impressionada com a determinação feroz que surgiu naquele rosto. Aquela chama inesperada, vinda da alma gentil e compassiva de Gabrielle, era ao mesmo tempo uma esperança e um lembrete do preço que Gabrielle pagava para estar ao seu lado.

– É provável que haja – Xena falou, hesitante – mas Gabrielle… isso significa entrar em contato com forças tão sombrias que… – Xena cerrou os punhos  – mancham sua alma de forma irremediável.

Gabrielle foi até Xena e beijou-a com todo o amor que sentia. Xena hesitou por um segundo em se entregar, mas logo se deixou levar por aquele carinho.

– Se uma força tão destrutiva como Alti está fazendo o esforço de nos separar, mesmo depois de morta, isso significa que estarmos juntas é o certo, Xena – disse Gabrielle, sua resolução implacável aparecendo um suas palavras – e eu vou lutar com tudo o que eu tiver para ficar com você. Me prometa, que vai lutar por nós.

Dessa vez, Xena não conseguiu evitar que as lágrimas escorressem com força de seus olhos. Abraçou Gabrielle como quem encontrou seu abrigo depois de uma tormenta.

– Eu prometo – sussurrou a imperatriz – mas como podemos fazer isso? A maldição de Alti impede que fiquemos juntas.

– Então eu irei para longe – Gabrielle falou – eu irei em busca do que vai quebrar a maldição. Posso pesquisar algo na biblioteca e…

– Não! – a voz de Xena quase se transformou num grito – eu devo ir. Você não vai pagar pelos pecados do meu passado.

Gabrielle recuou, com um olhar contrariado.

– Xena, olha para você. Além do mais, você é responsável por um império. Não pode simplesmente largar tudo numa missão que você nem sabe qual será o resultado.

– Gabrielle, não vou deixar você ir! – Xena socou a parede, a raiva a dominando – eu irei! Além do mais, não precisa pesquisar. Eu sei exatamente onde devo ir.

– Então me conte onde é, que eu irei!

– Fora de questão!

– Xena! Eu tenho tanto direito de lutar por nós quanto você!

– Deuses! Como você é teimosa! Eu sou sua soberana e ordeno que me obedeça!

Os olhos de Gabrielle se cobriram de mágoa, e Xena imediatamente recuou. Virou-se e socou a parede com ambos os punhos, maldizendo-se. Tentou controlar a própria respiração.

– Gabrielle, escute-me, eu… – começou, tentando manter a voz calma.

– Não! Você me escute – a voz de Gabrielle carregava uma frieza que Xena jamais tinha ouvido – você decida, agora mesmo Xena, quem eu sou na sua vida. E se você decidir que estou ao seu lado, como uma igual, então você me deixará ir.

Xena voltou a olhá-la, a raiva tinha se dissipado, e seus olhos estavam carregados de súplica.

– Você não tem ideia do que está pedindo, Gabrielle.

– Então me explique.

Xena apertou os olhos com força, esfregando a testa, desejando que estivesse passando por qualquer situação, menos aquela.

– Xena – Gabrielle falou, a voz mais suave, embora ainda eivada de resolutividade – confie em mim. Eu já não sou mais uma pessoa indefesa. Eu sei lutar e me defender. Eu posso ir nessa jornada – Gabrielle queria desesperadamente se aproximar de Xena, mas temia que aquilo ativasse a maldição e a ferisse – olha para você. Essas feridas não são apenas físicas. Tudo que você carrega… Você não precisa de mais dores, mais feridas – Gabrielle apertou o punho contra o próprio peito – Xena, essa maldição é sobre seu passado e minha vida. Talvez eu possa confrontar isso de uma forma que você não consegue, porque eu não tenho essas sombras na minha história. Por ser quem eu sou, talvez eu tenha uma chance maior contra as sombras que Alti deixou.

– Essa jornada… vai machucar sua alma, Gabrielle – Xena retrucou, num fio de voz.

– Não mais do que ficar longe de você.

– Não posso deixar que você corra esse perigo.

– Xena! Eu irei, com ou sem sua permissão. A questão é: você vai me ajudar ou não?

Xena encarou os olhos decididos, mas carregados de ternura que a mulher lhe direcionava. A força de uma dura verdade se espalhou por sua alma. Gabrielle era a incorporação dos únicos sentimentos capazes de derrotar Alti: a empatia, o acolhimento, a coragem de enfrentar o desconhecido em nome do amor por alguém: essas eram as forças contra as quais a maldição de Alti não teria defesa. Sua própria alma manchada sucumbiria, e a profecia de Alti se concretizaria de uma forma ou de outra.

Xena respirou fundo, o conflito em seu olhar tão intenso quanto os trovões de uma tempestade. Ela sabia o que Gabrielle significava para ela, sabia da força daquela bondade contra as sombras de Alti. Ainda assim, o medo de perder Gabrielle a consumia, rasgando qualquer resquício de sua armadura. Por fim, cedeu.

– Eu te ajudarei, Gabrielle… – a voz de Xena soou frágil – eu lhe contarei onde você deve ir e o que deve fazer.

Nota