Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Sem saber se desviava ou sustentava o olhar, Gabrielle escolheu sustentar. A mulher de cheios cabelos vermelhos que a encarava sorriu, e Gabrielle sorriu de volta, sentindo um calor inusitado no rosto. Sentiu as mãos suarem quando a mulher começou a ir em sua direção.

A ruiva parou em sua frente e estendeu a mão. Gabrielle olhou confusa por um momento, buscando na sua mente se havia algum protocolo de como apertar a mão de uma amazona. A mulher pareceu perceber sua confusão e riu. Pegou a mão direita de Gabrielle e a fez apertar seu braço perto da junção do cotovelo, enquanto fazia o mesmo com Gabrielle.

– É assim que guerreiras se cumprimentam – disse a amazona.

– Não sou uma guerreira – disse Gabrielle.

– Toda mulher é – disse a amazona, soltando o braço de Gabrielle – me chamo Terreis.

– Uma honra conhecê-la, Terreis – disse Gabrielle, com uma mesura.

– A honra é minha, Gabrielle. Então, há quanto tempo trabalha aqui?

Gabrielle ficou alerta. Sabia que estava no meio de algum jogo político com aquela visita. A mulher à sua frente tinha um olhar caloroso e simpático, mas ainda assim, não podia esquecer que ambas cumpriam um papel naquele momento.

– Há pouco mais de um mês, Alteza.

A mulher deu mais um sorriso.

– Você estava realmente atenta, Gabrielle. O que fazia antes de vir trabalhar aqui? Acho que ouvi a imperatriz falar que você é de Potedia. Está um pouco longe de casa.

Gabrielle não conseguiu segurar a tristeza que tomou seu rosto e olhou para o chão.

– Uma… sequência de infortúnios fez com que eu precisasse abandonar minha terra natal. A imperatriz me auxiliou me oferecendo emprego aqui em Corinto.

– Nossa… eu sinto muito – disse Terreis. Gabrielle ergueu os olhos e viu sinceridade no olhar da mulher – desculpe-me, não queria causar desconforto.

– Não tem problema – Gabrielle tentou sorrir – o que aconteceu, aconteceu. Tenho tentado concentrar-me no presente… e no futuro.

– Tem gostado do trabalho e de Corinto?

– Devo confessar que apesar das circunstâncias tristes que me trouxeram até aqui, tenho achado tudo por aqui… fascinante – olhou nos olhos de Terreis e sorriu – sinto que estou onde deveria estar.

– Uma mulher em sintonia com seu destino. Nem todos têm tanta sorte.

– É sorte mesmo que esse destino tenha sido assentado em tragédia?

– Desconheço um destino que não tenha tragédia em seu percurso.

– Você tem tragédias no seu percurso?

O sorriso de Terreis pareceu se tornar ainda mais convidativo.

– Eu lhe conto minha tragédia se você me contar a sua… quem sabe, depois do seu expediente de trabalho? Preciso de alguém para me mostrar os arredores.

Gabrielle sentiu o coração na garganta.

– Será uma honra.

– Então… até breve, Gabrielle – Terreis estendeu o braço novamente e Gabrielle o apertou. Teve a sensação que aquele cumprimento durou um pouco mais do que deveria e que os olhos da mulher demoraram um tanto a mais nos seus.

 

***

 

Gabrielle abriu o baú de roupas. Lembrou que quando tinha chegado naquele castelo, ele estava vazio. Tinha tentado preenchê-lo com as poucas e simples roupas de algodão grosso que trouxera de Potedia, mas Vidalus tinha contido um grito quando as vira e imediatamente providenciara uma série de vestes “dignas de uma funcionária de governo”.

Não tinha ideia do que vestir para “dar uma volta com uma amazona”. Mordeu os lábios e escolheu o traje verde que tinha se acostumado a usar casualmente. Resolveu não colocar nenhum dos adereços que usava no trabalho, apenas prendendo uma parte do cabelo com um broche dourado para que não ficassem o tempo todo caindo no seu rosto.

Saiu do castelo e caminhou pelo terreno em direção à casa das crianças. Ao chegar lá, ficou à porta, conversando com as amas. Observou com nostalgia as crianças brincando, seus pensamentos todos em Rhea. Todos os dias escrevia algo para a filha e lhe enviava tudo quando a carruagem responsável pelos recados passava pelo castelo.

– Então, Gabrielle – Jana lhe contava – estou tentando de tudo para convencer ele, mas… – a mulher interrompeu sua narração e fitou com os olhos arregalados algo atrás de Gabrielle.

A loira se virou e deparou-se com Terreis. A mulher trajava vestes tradicionais gregas de cor branca. Porém, o fato de usar calças vermelhas sob as vestes assim como portar uma bainha com uma espada na cintura era inusitado o suficiente para chamar a atenção.

– Boa noite – cumprimentou a amazona.

– Boa noite, Terreis – respondeu Gabrielle – Terreis, essa é Jana, uma das responsáveis pelas crianças. Jana essa é Terreis, ela é uma pr…

– Convidada da imperatriz – interrompeu Terreis, estendendo a mão para Jana, que a apertou hesitante – prazer conhecê-la, Jana.

– Prazer, Terreis.

– Jana, fiquei de mostrar para Terreis um pouco de Corinto. Acho melhor irmos antes que fique muito tarde. Depois volto para ouvir toda a história, tá? – falou Gabrielle.

– Tá, Gaby. Tenha cuidado, sair do castelo depois do anoitecer é um tanto perigoso.

– Terei cuidado. Vamos? – Gabrielle falou para Terreis, que acenou um tchau para Jana antes de começarem a caminhar.

– Para que a espada? – perguntou Gabrielle.

– Como sua amiga disse, o mundo é perigoso à noite. E eu meio que me sinto nua sem uma arma.

– Hum – Gabrielle imaginou como seria tal sentimento – nunca usei nenhuma arma. A não ser que você conte um forcado como uma arma.

– Pode ser, a depender do uso. Você trabalhava no campo?

– Em Potedia, sim, passei a maior parte da minha vida no campo. Cuidado de terra, animais – Gabrielle riu – tenho certeza que nada nem remotamente interessante para uma amazona.

– Ei, mas fazemos isso também. Me diga, estou suficientemente disfarçada de mulher corintiana?

– Exceto pela espada e pelas calças, sim. Mas não sou a melhor referência, eu mesma não consigo me disfarçar ainda.

Atravessaram os portões do castelo. Havia um trecho relativamente longo e semi deserto antes de chegarem até a área mais movimentada da cidade e Gabrielle não conseguiu segurar um sorriso de empolgação. Lembrou-se de quando Xena lhe perguntara se era afeita ao perigo e começava a desconfiar que talvez fosse.

– Você não parece com medo do escuro – comentou Terreis.

– De fato não estou. Talvez devesse ter. Acho que a parte da minha alma que interpreta o medo não funciona muito bem.

– Bem, no mínimo deveria aprender a defender a si mesma.

– Talvez eu devesse. Essa espada, você sabe usá-la?

– Amazonas aprendem a usar armas desde a infância. A arte da guerra e do combate é ensinada lado a lado com todos os outros saberes e artes.

Gabrielle estava tentando fortemente segurar a curiosidade para respeitar as regras da etiqueta, mas não resistiu.

– Poderia me falar sobre as Amazonas? Quero dizer… ouvimos muitas histórias. Não sei quais são verdade e quais não são.

Terreis deu uma gargalhada contida.

– Deixe-me adivinhar… ouviu que jogamos os bebês meninos no rio, ou pior, os comemos, odiamos homens, e mais algum tipo de ritual bizarro para termos filhos?

– Coisas nessa linha – respondeu Gabrielle, corando um pouco.

– Bem, sinto desapontar, mas temos filhos do jeito tradicional. Temos épocas do ano dedicadas à fertilidade, onde visitamos as aldeias dos homens.

– Isso é… diferente – comentou Gabrielle.

– Só quando mulheres o fazem. Quando homens fazem o mesmo… são apenas homens.

– E se nasce um menino?

– O entregamos às aldeias dos homens – disse Terreis, e Gabrielle detectou um tom de tristeza na voz da Amazona.

Gabrielle ficou em silêncio um momento.

– Essa é sua tragédia? – perguntou a loira, baixinho.

Terreis encarou Gabrielle, com um sorriso melancólico.

– Sim. Tenho um filho, que não sei onde está, nem sei seu nome, ou se sequer está vivo.

– Sinto muito. Não consigo imaginar… Sabe… eu tenho uma filha. Não está aqui no momento… está em uma escola em outra cidade.

– Qual o nome dela?

– Rhea.

– E o pai?

Gabrielle baixou os olhos, uma dor lancinante pareceu perfurar seu coração e não conseguiu evitar que as lágrimas chegassem aos seus olhos.

– Suponho que essa é sua tragédia – continuou Terreis, apertando suavemente o ombro de Gabrielle.

– Sim – Gabrielle enxugou os olhos – ele foi morto… por uma das soldadas da imperatriz. Por isso estou aqui. O tesouro está pagando a educação de Rhea e Xena me ofereceu um emprego.

– Perdoe-me a pergunta – Terreis parecia um pouco chocada – mas como algo assim aconteceu?

– Era uma mulher meio desequilibrada. Achava que eu estava numa conspiração contra a imperatriz ou algo assim – disse Gabrielle. Estava repetindo tanto aquela versão da história que estava começando a acreditar nela.

– Xena é uma das mulheres mais inteligentes que a Grécia já viu. Difícil crer que tenha cometido um erro de julgamento tão crasso.

– Todos dizem isso – Gabrielle deu de ombros – e ela aparentemente tinha sim suas razões. Mas quer saber? Nada disso importa para mim. Perdicas está morto e não vai voltar. Só quero fazer o que for melhor para Rhea agora.

– Você o amava?

Mais uma vez a dor atravessou o peito da loira. Olhou desconsolada para Terreis. Quase suplicante.

– Desculpe-me, Gabrielle – a ruiva se apressou ao ver o rosto de Gabrielle – podemos mudar de assunto.

– Não, eu preciso falar – Gabrielle parou de caminhar e escondeu o rosto nas mãos – preciso falar para alguém.

Terreis também parou.

– Pode falar para mim. Prometo para você, seja lá o que tenha para contar, guardarei comigo.

Gabrielle baixou as mãos e viu honestidade e compaixão genuínas no rosto da outra mulher. Antes que pudesse pensar nas consequências, toda sua dor saiu num jorro de palavras.

Nota