Rato
por DietrichXena, ainda acorrentada, foi atirada na cela e os soldados trancaram a porta. Eles pararam e ficaram observando-a por um momento. Pareciam assustados, apesar de não haver possibilidade de Xena fazer qualquer movimento para atacá-los.
– Gostam do que veem, garotos?
Os soldados se entreolharam.
– Estou decorando o rosto de cada um de vocês – disse Xena – vocês não tem ideia do que os aguarda assim que eu sair daqui.
– Nunca mais vai sair daqui… majestade – um dos soldados criou coragem – as coisas serão diferentes agora.
– Esperem e vejam – disse Xena – acreditem, vocês não sabem metade do que está acontecendo.
– Temos um líder de verdade agora – disse outro soldado, encorajado pelo seu companheiro.
– Oh sim – riu Xena – Acestes. Um verdadeiro gênio estrategista.
– Ele a derrotou. Ele está no comando, e você está presa.
– Continuem acreditando nisso. Vão precisar desse pensamento para poderem dormir à noite. Aproveitem enquanto podem. Por que quando eu sair daqui, vocês vão jantar as próprias tripas.
Os homens recuaram ante as palavras. Suas imaginações visualizaram as imagens evocadas pelas palavras de Xena. Sabiam que a mulher era capaz de fazer exatamente o que estava dizendo. Num covarde acordo silencioso, eles saíram apressados da masmorra.
Xena mexeu-se devagar, limitada pelas curtas correntes que prendiam seus membros. Os grilhões eram apertados e pesados, e os buracos das flechas em seu corpo, porcamente atados com bandagens sujas, latejavam. Fechou os olhos e se concentrou. Um instinto familiar vibrou nas suas células. Um sorriso de escárnio surgiu em seu rosto.
– Sinto cheiro de rato – sussurrou.
Um clarão súbito tomou a cela. O ar farfalhou.
– Você é a única mortal que conheço que consegue fazer isso – disse a voz grave e baixa.
Xena virou-se para encarar o deus da guerra.
– Não imaginei que sentiria minha presença tão rápido – falou Ares, aproximando-se de Xena e andando ao seu redor.
– Acestes não seria capaz de me tirar do poder sem intervenção divina.
– De fato – disse Ares – você escolheu bem sua marionete. Não imaginei que pudesse existir alguém tão burro entre o Tártaro e os Campos Elísios. Mas nada que o toque de um deus não pudesse resolver.
Ares acariciou o rosto da guerreira.
– Mas ele não é digno, Xena. Enoja-me trabalhar com ele.
– Então por que o faz?
– Por que você me recusou! – gritou Ares – Você se atreveu a conquistar o mundo sem mim! – Ares ergueu a mão como se fosse esmurrar Xena, mas mudou de ideia e baixou o braço.
– Como eu disse, e como você se recusa a entender desde o começo, Ares – sussurrou Xena – eu não preciso de você.
– Oh, mas parece que precisa, não é mesmo? – Ares debochou – você pode ser a mais poderosa guerreira que esse mundo já viu ou verá, Xena. Mas mesmo seu reino poderoso cai diante do poder de um deus.
– Então suponho que agora tenho que me livrar dos deuses – disse Xena, calmamente.
– Dificilmente está em posição para isso, não é, Xena? Essa é a última, a última de suas chances. Se me recusar agora, não terei escolha senão permitir que aquele mortal asqueroso e estúpido a transforme em comida de cachorro. E você sabe que eu não quero isso, Xena. Eu quero você, governando o mundo. Mas não posso permitir que a maior guerreira do mundo conhecido zombe de mim.
– Prefiro ser comida de cachorro a ter qualquer coisa com você, Ares. Já devia saber disso.
Ares fechou os olhos e baixou a cabeça.
– Eu a deixei ir o mais longe possível Xena. A deixei chegar ao topo. Mas não deixarei você permanecer nele. É isso então. Estamos acabados. Vejo-a no Tártaro.
Ares desapareceu.
***
Gabrielle foi empurrada bruscamente dentro de um dos aposentos do castelo, quase perdendo seu equilíbrio.
– Não sei por que Acestes quer manter essa selvagem aqui – ouviu um dos soldados sussurrarem – como se algum dia ela pudesse ser uma mulher.
Passos soaram logo atrás dos soldados e Gabrielle se surpreendeu ao ver Eris sendo empurrada logo atrás dela. Anteia surgiu na porta. Parecia abatida.
– Eris, você vai ajudar Gabrielle – disse Anteia, desanimada – voltarei mais tarde para buscar ela. Espero que a deixe pronta.
– Pronta para o que? – perguntou Gabrielle.
Anteia a olhou em silêncio. Virou-se e saiu. Os guardas trancaram a porta atrás delas.
– Eris – Gabrielle correu até a escrava – Eris, você está bem?
Eris tremia e não conseguia tirar os olhos do chão.
– Eris, por favor. Se acalme.
Após alguns minutos, a jovem escrava parou de tremer. Pôs uma mão no bolso e tirou uma pequena chave.
– Eles me deram isso, para você – começou a abrir as correntes que prendiam Gabrielle. A amazona suspirou aliviada assim que os pesados ferros pararam de comprimir seus pulsos.
– Eris, você sabe do que Anteia estava falando?
Eris assentiu e lágrimas começaram a correr por seu rosto.
– Vão jogar ela na arena.
Gabrielle franziu a testa. Não sabia o que dizer à jovem escrava. Não lamentava que Xena fosse morrer, mas sabia que a jovem nutria um sentimento pela conquistadora.
– Estamos mal, Gabrielle – soluçou Eris – estamos muito mal.
– Sei que gosta dela, Eris – disse Gabrielle – mas não pode dizer que ela é inocente. É uma mulher cruel.
Eris ergueu olhos contrariados para a amazona.
– Não estou falando disso, Gabrielle. Você não entende. Todos sabemos quem Xena é. Mas você não sabe como era aqui antes.
– Como assim?
– Passei a vida inteira aqui, e meus pais antes de mim – disse Eris – eu era pequena quando Xena tomou o castelo. Estávamos sempre famintos. Mal podíamos dormir. Meus pais pareciam muito mais velhos do que eram de fato. Xena mudou isso. Passamos a ter boa comida, bons aposentos, podíamos descansar o suficiente para trabalhar no dia seguinte.
Gabrielle sacudiu a cabeça. Não queria ouvir desculpas para a mulher que destruíra sua vida.
– São escravos, Eris. Essa mulher os escraviza. E os mata sem pestanejar por qualquer erro.
– Já eramos escravos e já morríamos antes dela – contestou Eris – sei que não entende, Gabrielle. Eu nunca fui livre, não conheço outra vida. A única coisa que sei é que pude ter um pouco de felicidade depois que Xena se tornou rainha. E sei que esse novo tipo que agora comanda acredita nos modos antigos. Ficaremos mal, Gabrielle. Bem, talvez você não fique – Eris a olhou, ressentida – ele vai mantê-la viva e bem alimentada. O resto de nós vai perecer e trabalhar até a morte.
– Ainda não sabemos, Eris. Não sabemos o que Acestes vai fazer ou como quer governar.
– Eu sei – disse Eris – todos lá embaixo já estão sabendo. Já começou.
– Eris, eu não sei o que ele quer de mim – disse Gabrielle – mas se existir qualquer coisa que eu possa fazer por vocês, eu farei.
– Sei que fará – disse Eris – uma pena que não poderá. Será tão escrava quanto nós. Apenas melhor vestida.
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