Respiração
por DietrichGabrielle sentiu a mão latejar. O sangue gotejava de seus dedos. Embaixo dela, Xena tinha parado de respirar.
Saiu de cima do corpo da mulher, se sentindo tonta. Sua visão estava borrada.
Fechou os olhos por um momento, depois olhou para o corpo de Xena ao seu lado. Estava imóvel. Colocou, trêmula, os dedos no pescoço da mulher para sentir sua pulsação.
Ainda estava lá, quase imperceptível.
– Xena – chamou Gabrielle, baixinho – Xena.
Sacudiu levemente os ombros da mulher. Não obteve reação.
– Xena! – chamou mais alto, sacudiu-a mais forte.
A morena puxou uma lufada de ar. Abriu os olhos e gemeu, mas não se moveu.
– Gabrielle – sussurrou Xena, quase inaudível – me escute.
Gabrielle baixou o ouvido até próximo da boca da mulher. Todo o seu corpo ainda tremia.
– Vá até o povoado mais próximo… Espere…. Um dia… se eu não voltar… tudo acabou… entende?
Gabrielle balançou a cabeça, sinalizando que havia entendido e olhou para a mulher estendida no chão.
– Ah… acabe com o maldito Acestes… se eu… você devia ser a rainha dessa porcaria de mundo sujo…
– Xena, poupe suas forças – retrucou Gabrielle.
– Loirinha… devia ter dado o golpe final…
Gabrielle sacudiu a cabeça e disse suavemente:
– Xena, simplesmente acabe com Ares. Estou indo agora. Te vejo daqui a um dia. Certo?
Xena sorriu, o sangue escorria de sua boca.
– Certo.
Gabrielle levantou-se e saiu correndo, sem olhar para trás.
***
Xena passou algumas horas deitada. Cada centímetro do seu corpo doía. Algumas formigas começaram a andar sobre ela. Percebeu que em breve atrairia animais mais perigosos.
Sua cabeça girava. Gabrielle provavelmente lhe dera uma bela de uma concussão. A loirinha se contivera logo antes da linha de chegada. Xena sabia que bastava apenas mais um golpe certeiro em seu crânio e ela estaria dando olá para Hades no Tártaro.
Testou o movimento de seus braços. Doíam, mas estavam funcionado. Não havia nada quebrado, embora a mulher tivesse machucado seus músculos. Talvez houvesse algum sangramento interno.
Esperou até sentir que conseguia pensar com um pouco mais de clareza. Quando sentiu que tinha melhorado o máximo que podia sem cuidados, chamou baixinho:
– Ares…
Ouviu imediatamente o barulho de deslocamento de ar ao seu redor e uma luz branca irradiar.
– Então os rumores são verdadeiros – disse a voz grave do deus – você está viva… ou quase.
Ares andou até Xena e agachou-se ao seu lado.
– Que situação deplorável, Xena. Quem fez isso com você?
Xena riu e sentiu gosto de sangue na boca.
– Apenas um bando de ladrões comuns… acredita nisso?
– Nem por um minuto – retrucou Ares.
– Bem… meu corpo não é o mesmo desde que aquelas feras me tiraram uns pedaços.
– Ah, eu estava assistindo de longe – comentou Ares, inclinando-se sobre ela – um show e tanto. O rapaz é burro, mas tem pendor para o espetáculo, não acha?
Xena sentiu a cabeça girar. Temeu perder a consciência.
– E pensar que está nessa condição por causa de um orgulho idiota, Xena – zombou o deus – se estivesse ao meu lado, teria tudo.
Ares começou a afagar as mechas escuras da mulher.
– Sabe, agora que sei que está viva, basta dizer, Xena. Basta dizer que me aceita, e descarto aquele idiota num piscar de olhos. Você sabe que é, e sempre será, minha primeira opção.
– Eu finalmente tenho uma resposta definitiva para você, Ares.
– Qual, Xena?
– Essa – enfiou a adaga no peito do deus.
O chão estremeceu. Xena sentiu ondas de energia emanarem do corpo de Ares enquanto ele convulsionava. O olhar no rosto do deus era de surpresa, decepção e tristeza.
– Oh, Xena – ele tossiu sangue – como….
E caiu.
Xena perdeu a consciência.
***
Acordou sentindo cheiro de tinta. Percebeu que estava em cima de um macio colchão e que havia faixas na sua cabeça. Suas costelas latejaram e gemeu com a dor. Ouviu barulho de passos em sua direção, e uma mão suave encostou em sua testa.
– Xena? – era a voz de Gabrielle.
Tentou abrir os olhos, mas estavam muito inchados. Sentiu a mão de Gabrielle tomar seu pulso.
– Está acordada? – perguntou Gabrielle.
– Hum – Xena resmungou – preferia não estar.
– Como se sente?
– Como se tivesse sido espancada por uma loirinha furiosa.
– Falo sério, Xena.
– Eu também. Estou um lixo. Mas se acordei depois de ter tido minha cabeça quase arrancada, provavelmente não morro mais.
– Que bom – Gabrielle suspirou aliviada.
– Como vim parar aqui? Não lembro…
– Você não apareceu depois de um dia. Eu fui atrás de você.
– Oh, mesmo? Sempre salvando minha vida inútil, não é?
– Aparentemente – respondeu Gabrielle.
– Sabe, estou começando a achar que gosta de mim.
– Não sei como não foi devorada por animais da floresta – disse Gabrielle, desconsiderando a última frase da mulher – aliás, não havia um bicho à vista.
– Eu acho que sei – resmungou Xena – quando Ares morreu teve uns tremores esquisitos, umas ondas de energia. Acho que os bichos correram todos.
– Eu o enterrei – disse Gabrielle – lá mesmo. E trouxe a adaga.
– Boa. Acho que precisarei ficar com ela. Algum deus putinho pode tentar se vingar por Ares. Se eu estiver com a adaga, talvez fiquem quietos.
– Pensei o mesmo – respondeu Gabrielle.
– Muito bem, loirinha – Xena sorriu, fraca – agora tenho um trono pra pegar de volta.
***
Gabrielle observava Xena carregar as bolsas na sela do cavalo. Aproximou-se e parou ao lado da mulher.
– Xena.
– O que? – Xena continuava seu trabalho.
– Por que fez com que eu te ferisse?
– Ora, Gabrielle, era o plano – verificou se os arreios do cavalo estavam ajustados.
– Não – retrucou Gabrielle, tocando o ombro de Xena e fazendo-a virar-se – você é uma mulher inteligente. Encontraria outra maneira de chamar a atenção de Ares para matá-lo. Por que fez especificamente isso?
Xena olhou a mão em seu ombro. Gabrielle retirou-a.
– Como se sentiu me dando aquela surra? – perguntou Xena.
– Muito mal.
– Depois, tenho certeza. Mas na hora?
Gabrielle baixou os olhos.
– Fale a verdade – disse Xena.
– Eu queria fazer aquilo – respondeu Gabrielle – queria acabar com você.
– Exatamente.
– Mas não fez aquilo para que eu me vingasse, Xena. Houve um momento em que você parecia pronta para morrer.
– Gabrielle – disse Xena – só existem dois destinos que aceito para mim. Governar o mundo inteiro ou morrer pelas suas mãos. Qualquer um que tivesse se dado, para mim estaria correto.
Gabrielle arregalou os olhos diante daquela afirmação. Fitou os olhos azuis e não entendeu o que viu neles.
– Isso é um pouco maluco – disse a loira.
– Bem, não sou conhecida pela minha sanidade.
Gabrielle sacudiu a cabeça, sem compreender. No entanto, sua alma estava exausta demais naquele momento para investigar o que aquilo poderia significar. Soltou o ar em seus pulmões, baixou os ombros, e esfregou a testa. Dirigiu-se ao próprio cavalo, e montou, saindo logo após a conquistadora.
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