Sonho
por Dietrich– Joxer – disse Xena, quando finalmente os alcançou – vá dar uma volta.
O homem arregalou os olhos, levantou, fez uma mesura e se afastou, dando umas olhadelas para trás. Xena sentou-se ao lado de Gabrielle.
– Então, você e Joxer são amigos agora? – perguntou Xena.
– Ele é gentil – respondeu Gabrielle – acho que somos amigos, sim.
– Ele está caído por você.
– Você acha? – Gabrielle corou e olhou para o chão.
– Sim, e pela sua cara você sabe – a soberana a observou – ele é um bom rapaz. Se for para Rhea ter um novo pai, ele não é uma má escolha.
– Oh, Rhea não vai ter um novo pai – Gabrielle falou rapidamente, se surpreendendo um pouco com a velocidade das próprias palavras.
Xena ergueu uma sobrancelha.
– Eu duvido muito que você permaneça solteira, Gabrielle. E porque descarta essa possibilidade?
Gabrielle suspirou.
– É algo que simplesmente não vai acontecer. E eu prefiro não falar mais nada além disso, Xena.
– Certo. Que Zeus me atinja com um raio se esse assunto passar pelos meus lábios novamente.
– Por que vem treinar pessoalmente com os soldados? – questionou a loira.
– Por que o único poder legítimo é o da força bruta, Gabrielle. Não importa quantas intrigas e disputas mesquinhas eu tenha com os aristocratas, se as armas estão do meu lado, eu os controlo. E vindo aqui de vez em quando, faço-os sentirem-se especiais e mantenho-os leais.
– Entendi. Tudo que você faz é calculado, então. Um jogo.
– Tudo.
– Até mesmo essa conversa comigo.
Xena sorriu perante o olhar desafiador da loirinha.
– Até mesmo essa conversa com você. Já lhe falei que é insolente?
– Pelo menos duas vezes – respondeu Gabrielle – mas não é insolência – parou e pensou – acho que é apenas como eu sou. Não é de propósito. Quero dizer, não estou tentando ser insolente. Apenas fico curiosa e pergunto. E você não tenta me barrar, então…
– Esse tipo de espírito não é bem visto em simples e pacatas aldeias.
– Eu sei bem.
– Eu também não era lá muito comum quando era uma camponesa.
– Tenho certeza disso – disse Gabrielle, rindo.
– Batia em todos os garotos – Xena riu, deixando-se levar pelas lembranças – era meio selvagem. Pavio curto. Só uma pessoa me segurava.
– Quem? Seu pai?
– Não conheci meu pai – respondeu a soberana, displicentemente – não, era meu irmão mais novo, Lyceus.
– Era?
– Morreu.
– Sinto muito.
Xena deu de ombros.
– Já tem mais de dez anos. Mas porque estou lhe contando essas coisas?
Gabrielle franziu a testa.
– Bem, quem faz jogos é você. Você me diz.
– Você não faz nenhum jogo, Gabrielle?
– Não. Pelo menos acho que não. Me parece algo que… cansa o espírito. Você nunca, nunca… simplesmente relaxa e olha a vida? Simplesmente… existe?
Xena suspirou fundo.
– Não lembro a última vez que fiz isso.
– Entendo. É a espada de Damocles.
– O que?
Gabrielle riu.
– Realmente não presta atenção em nada das histórias, dos bardos, do teatro?
– Nem um pouco.
– Bem, pois deveria. Quem sabe lá não encontrava algum alento.
– Sabe onde tenho alento? Ali – a mulher apontou para alguns soldados que ainda treinavam no campo.
– Aquilo é para o corpo. E para a alma?
– Não acredito que eu ainda tenha uma. E não estou interessada em ter.
Gabrielle ficou em silêncio. Xena revirou os olhos.
– Mais uma vez estou me queixando para você – continuou a morena – imagino o quanto me considera patética por isso.
– Achei num momento de raiva. Já não acho mais.
– Sério?
– Sério.
– Então sente compaixão genuína por uma imperatriz banhada em terras, ouro e poder quase absoluto?
– Bem, sim – olhou para a morena – você acha que está jogando o tempo todo, mas vejo relances. Durante milésimos de segundo, mas estão lá.
Xena estreitou os olhos.
– E o que vê?
– Dor.
A morena engoliu em seco, mas recobrou-se rapidamente. Levantou-se.
– Bem… acho que então está na hora de tomar um dolorido banho quente e deitar-me na minha dolorida cama – estendeu a mão. Gabrielle olhou, intrigada. Xena levantou uma sobrancelha – Vidalus não a ensinou?
– Oh – Gabrielle pareceu acordar. Colocou a mão na de Xena, que a levou aos lábios – achei que devia fazer isso era apenas para homens.
– É a regra geral – Xena soltou a mão dela e começou a se afastar – mas nós fazemos nossas regras também, correto?
– Hum – Gabrielle permaneceu sentada, vendo a morena se afastar. Quando esta sumiu no horizonte, levantou-se e voltou também para o castelo, pronta para também encerrar sua noite.
***
Lábios suaves em seu pescoço. Um arrepio desceu por sua espinha enquanto um suspiro fugia de seus lábios. A boca descia em beijos ternos por suas costas. Virou-se para encontrar os familiares olhos negros e afáveis. Beijou-lhe a boca, sentindo o gosto do conforto e da familiaridade.
Fechou os olhos e deixou aquela boca descer por entre seus seios. Sentiu uma mão acariciar seu rosto e seu coração acelerou com força. Havia algo diferente. O dedo polegar acariciou seus lábios e não resistiu ao desejo de sugá-lo. O sabor infamiliar fez seus olhos se abrirem arregalados.
Olhou para baixo, para o mar de cabelos negros e longos. O rosto se ergueu e os olhos azuis pareceram perfurá-la. Sentiu seu peito vibrar com a velocidade dos seus batimentos cardíacos. Os lábios subiram novamente e tomaram os seus num mergulho profundo. A sensação dos seios nus pressionando os seus fez todo seu fôlego desaparecer.
Aquela mão de dedos longos desceu até o meio de suas pernas.
Quando abriu os olhos, o suor escorria por sua testa. Respirou fundo, numa tentativa de acalmar o corpo carregado de sensações. Escondeu o rosto nas mãos, num misto de vergonha e culpa. Quando finalmente ergueu o rosto percebeu que o sol já estava forte na janela e se levantou de um pulo.
Vestiu o mais rápido que conseguiu suas roupas de trabalho, arrumou os cabelos como pode e correu para abrir a biblioteca. Corou ao perceber a serva esperando do lado de fora com seu café da manhã em uma bandeja.
– Desculpa, Eleni – Gabrielle balbuciou – eu…
– Tudo bem, Gabrielle – a moça riu – já estamos acostumados – ela lhe estendeu um pergaminho enrolado – me pediram para lhe entregar isso.
– Obrigada – disse Gabrielle – pegando a bandeja e o recado.
A loira voltou meio correndo para o balcão. Sentou-se e começou a comer a refeição, ainda sem se sentir completamente acordada. Vinha tentando, mas seu mau hábito de dormir até o sol já estar alto estava se mostrando difícil de contornar. Vidalus já tinha lhe dado uma bronca oficial mas ela não sabia o que fazer para mudar aquilo.
Enquanto bebia o copo de leite começou a ler o recado.
À escrivã da biblioteca, sra. Gabrielle
Prepare a biblioteca para uma visita oficial das amazonas que ocorrerá hoje no período da tarde, após o almoço.
Mestre de Cerimônias,
Vidalus.
Gabrielle sentiu as mãos adormecerem num misto de medo e empolgação. Amazonas de verdade? O resto de sono que nublava sua mente desapareceu e devorou o café da manhã num ímpeto.
Tinha a sensação que em um mês em Corinto já tinha vido e vivido coisas mais interessantes do que as mais de duas décadas que passara em Potedia. Passou a manhã dedicada a deixar a biblioteca o mais limpa e apresentável possível.
Pouco depois que tinha almoçado, Vidalus apareceu para inspecionar a biblioteca. Lançou um olhar perscrutador por todo ambiente e pela própria Gabrielle. Pela primeira vez desde que o conhecia, a loira viu um sorriso moderadamente satisfeito no rosto do homem, que lhe fez uma mesura antes de sair.
Gabrielle voltou para o balcão, onde tentou ficar calma, mas seu ouvido permanecia atento ao sinal de qualquer coisa diferente nos corredores. Depois de cerca de uma hora de ansiedade ouviu definitivamente sons de passos e vozes diferentes dos habituais. Levantou-se para postar-se ao lado dos portões da biblioteca.
Um grupo de pessoas entrou no espaço e Gabrielle usou toda a sua força de vontade para não deixar a quantidade imensa de informação que assaltou seus olhos não interferir na performance de etiqueta que tinha que desempenhar. Era algo que já estava se tornando automático e já podia reproduzir quase sem pensar tanto.
Xena tinha entrado, acompanhada de cerca de dez das mulheres mais fantásticas que Gabrielle já tinha visto na vida, além dos habituais guardas de sempre.
– Rainha Melosa – Xena dirigiu-se a uma mulher imponente de cabelos negros e ondulados – essa é nossa escrivã, Gabrielle de Potedia.
A mulher olhou para Gabrielle, sorriu e fez uma mesura, a qual Gabrielle retribuiu com graça.
– Uma honra conhecê-la, Gabrielle – a mulher tinha uma voz firme e penetrante.
– A honra é minha, Rainha Melosa – respondeu Gabrielle – estou à vossa disposição.
– Se nos permite, Gabrielle – falou Xena – a Rainha Melosa e suas acompanhantes gostariam de conhecer a biblioteca real.
– Estou aqui para servi-las – respondeu Gabrielle.
Xena começou a caminhar, acompanhada pelas mulheres, pelos guardas e por Gabrielle. Eventualmente, as mulheres perguntavam coisas sobre a biblioteca que Gabrielle respondia rigorosamente. Nos intervalos, ocupava-se de observar o comportamento das amazonas.
Todas tinham posturas altivas, olhares corajosos e confiantes. Trajavam vestes principalmente de couro, adornadas por motivos florestais. Estavam desarmadas, provavelmente por cortesia, mas ainda assim pareciam perigosas. Gabrielle percebeu que era porque os fortes músculos das mulheres estavam todos à mostra. As roupas que usavam não cobriam muita coisa, e a loira teve a sensação que aquilo era de propósito. Pareciam dizer meu corpo é uma arma, não um objeto.
Num determinado momento, Melosa e Xena se afastaram para discutir algo em voz baixa num canto da biblioteca. As demais amazonas se espalharam pelo espaço, algumas pararam para ler pergaminhos nas mesas disponíveis.
Gabrielle se postou modestamente em um canto onde podia estar à vista delas, e tentou, o mais discretamente possível, continuar sua observação do comportamento daquelas mulheres tão diferentes.
Achou que estava sendo discreta, mas um par de olhos castanhos encontrou os seus e lá se fixou.