Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

A biblioteca estava silenciosa e vazia, exceto pela presença de Gabrielle, sentada entre pilhas de pergaminhos. Ela manuseava distraidamente um rolo, mas sua mente estava a quilômetros de distância, perdida em pensamentos sombrios. Não ouviu os passos de Xena, que se aproximava em silêncio e parou ao lado da mesa, observando-a por um momento antes de se anunciar.

– Gabrielle – a voz da imperatriz foi baixa, quase hesitante.

Gabrielle levantou o olhar, os olhos claros ligeiramente alarmados ao vê-la ali, mas logo baixou o rosto, recompondo-se.

– Xena – ela respondeu, forçando um sorriso breve, que não alcançou os olhos – eu… não esperava por você aqui.

Xena respirou fundo, preparando-se. A lembrança das palavras de Gabrielle – “quando quiser e puder, gostaria de conversar com você” – a fizera vir até ali, mesmo que seu instinto a prevenisse de que a conversa seria dolorosa.

– Você disse que queria falar comigo – Xena começou, tentando manter a voz firme, como se fosse apenas mais uma das muitas questões administrativas do império – sobre… nós.

Gabrielle hesitou, umedecendo os lábios. A expressão dela misturava angústia e determinação, como se cada palavra fosse um esforço.

– Sim, eu disse – murmurou, desviando o olhar para as estantes ao redor – e, para ser sincera, venho pensando nisso desde então. Em tudo o que… isso significa.

Xena assentiu, mas o olhar dela não vacilava. Estava concentrada, tentando decifrar Gabrielle, tentando adivinhar o que ela realmente queria dizer, temendo, talvez, já saber a resposta.

– Gabrielle… – Ela deu um passo mais próximo, mas a jovem se retraiu quase imperceptivelmente, e isso foi suficiente para fazê-la parar – eu… quero que saiba que pode ser sincera. Não precisa temer a verdade.

Gabrielle respirou fundo, tentando manter o coração calmo e determinado, mas sem muito sucesso. As palavras dela saíram quase num sussurro.

– Eu sei. E é exatamente isso que me faz pensar que… que talvez seja melhor assim – os olhos dela finalmente encontraram os de Xena, e neles havia uma tristeza profunda – você sabe que tanta coisa nessa vida é nova para mim. Eu saí de um mundo pequeno para um oceano de possibilidades. E você… – Gabrielle prosseguiu, a coragem e a tristeza estampadas em seus olhos – tenho a sensação que você desperta o melhor de mim, mas também o pior.

Xena sentiu as palavras como uma lâmina fria atravessando-lhe o peito, mas não demonstrou. Sua expressão se manteve calma, apesar da tempestade interna.

– E o que seria isso? – perguntou ela, a voz baixa e controlada.

– Minha capacidade de acolher… e minha imprudência.

Gabrielle hesitou novamente, e Xena notou o leve tremor em suas mãos, o brilho relutante de uma lágrima que se recusava a cair. Gabrielle continuou.

– Eu não quero mais ser imprudente. Eu preciso me proteger. Por mim, por minha filha. Não quero correr perigos desnecessários. Você é um mar infinito, Xena… que parece ter as melhores aventuras – Gabrielle sorriu, a lágrima finalmente descendo por seu rosto – mas também um risco imenso que eu me afogue.

Xena permaneceu em silêncio, absorvendo cada palavra como um golpe que, mesmo não sendo mortal, feria fundo. A sensação de rejeição, a dor de saber que a presença dela não era uma segurança, mas uma ameaça para o que Gabrielle desejava para si, pesava sobre seus ombros. Mas Xena manteve-se imperturbável, a máscara de força intacta.

– Entendo… – Xena disse, a voz mais rouca do que pretendia.

Gabrielle assentiu, apertando os lábios numa linha tensa. Olhava para Xena com uma expressão de despedida, como se já soubesse que, no momento em que Xena saísse dali, levaria junto uma parte dela.

– Peço que não me evite – Gabrielle continuou, tentando recuperar o controle apesar da dor no próprio coração – afinal de contas, sou sua funcionária. Posso continuar exercendo meu ofício. Podemos nos tratar com respeito, com educação. Pelo menos é o que espero. A não ser que… – engoliu em seco – você prefira me transferir de posição.

Xena sorriu de forma amargurada.

– Eu lhe prometi, naquele dia no teatro, que nenhum impulso desregrado meu afetaria sua posição, Gabrielle. É uma verdade. A não ser que mudar de profissão seja seu desejo.

– Não é. Nunca fui tão feliz como sou aqui.

– Então está decidido.

Um longo silêncio pairou por um momento. Xena buscava palavras para aquele momento, mas elas lhe faltavam. Finalmente, como se as palavras queimassem seus lábios, as pronunciou:

– Gabrielle, eu não posso mudar o que fiz – Xena disse suavemente, a voz traindo a dor que sentia – mas eu mudaria se pudesse. E se há algo que possa fazer para te ajudar a encontrar o que busca… basta pedir.

Gabrielle fechou os olhos por um momento, lutando contra a onda de emoções que ameaçava transbordar. Finalmente, ela se levantou e se aproximou de Xena, a distância entre elas menor do que antes, mas também carregada de uma tristeza inevitável.

– Você já fez muito, Xena. Mais do que talvez imaginasse que faria por alguém como eu – disse ela, a voz trêmula.

– Espero que encontre o que está procurando – ela disse, a voz falhando apenas no final, quase inaudível.

Gabrielle sorriu tristemente e, num gesto rápido, tocou de leve a mão de Xena. Sentiu a pele dela quente sob a sua, e por um instante tudo o que queria era esquecer as razões e o medo, deixar-se levar por aquele sentimento que a consumia quando estava perto da imperatriz. Mas logo retirou a mão, dando um passo para trás.

– Cuide-se, Xena.

Quando Gabrielle se afastou, sumindo entre as estantes da biblioteca, Xena ficou imóvel, sentindo o vazio deixado pela ausência dela. Quando finalmente se moveu para sair, apertou os próprios punhos, numa tentativa de conter a dor que não podia mostrar, a única emoção que poderia ameaçar sua compostura.

 

***

 

Xena solicitou a Gabrielle, por meio de uma nota, que ela lhe trouxesse uma série de documentos históricos, registros de estratégias de guerra antigas que poderiam ser úteis para uma campanha próxima. Gabrielle passou horas na biblioteca, vasculhando os arquivos mais profundos, até encontrar o material necessário. Quando finalmente ficou tudo pronto, ela levou o conjunto de documentos até o salão de reuniões, onde ela estava terminando uma reunião com outros conselheiros.

Gabrielle entrou no cômodo silenciosamente, aguardando que os conselheiros saíssem para que pudesse entregar o material diretamente a Xena. Ela observou a maneira como os olhos de Xena nunca a procuraram diretamente, concentrando-se nos pergaminhos e nas instruções para os guardas. Finalmente, estavam a sós.

– Imperatriz – Gabrielle disse, segurando o conjunto de documentos com as mãos firmes e a expressão contida.

Xena a olhou, uma sobrancelha arqueada, e acenou para que ela se aproximasse. Gabrielle colocou os documentos sobre a mesa, suas mãos tocando brevemente a superfície enquanto seus olhos, apesar de fixos nos papéis, traziam uma hesitação sutil.

– Esses são os registros que pediu. Encontrei também algumas correspondências antigas com aliados, que achei que poderiam ser de interesse estratégico – Gabrielle explicou, a voz calma e profissional.

Xena assentiu, pegando um dos pergaminhos e examinando-o rapidamente. Após alguns segundos de silêncio, ela disse, sem tirar os olhos dos documentos:

– Fez um trabalho meticuloso. Como sempre.

O elogio soava mais como uma formalidade do que como algo sincero. Aquilo causava em Gabrielle uma sensação agridoce. Significava que Xena respeitava sua decisão. Mas o coração da jovem mulher, ainda que firme em sua decisão, ansiava por intimidade e familiaridade. Ela tinha pedido a Xena que não a evitasse, mas tinha subestimado como seria difícil estar perto da imperatriz… sem realmente estar perto.

– É minha função – ela baixou os olhos, lutando para manter o tom neutro. Mas, após uma pausa, suas emoções levaram a melhor – na verdade, encontrei algo interessante entre os registros… uma carta, de um general antigo. Ele mencionava que, por vezes, um coração impulsivo e desenfreado pode se tornar o maior obstáculo em uma campanha.

Xena ergueu os olhos para Gabrielle. As duas se encararam em silêncio, e por um instante, algo indefinido passou pelo rosto de ambas. Um lampejo de arrependimento, talvez, ou uma pontada de algo que elas se recusavam a aceitar.

– Sábias palavras – Xena murmurou, voltando a atenção para os documentos, tentando esconder a profundidade do impacto que a observação de Gabrielle causara – sentimentos são, de fato, distrações que um líder não pode se permitir.

– Parece que o preço de ser um líder é imenso – comentou Gabrielle.

Xena sentiu se formar dentro dela a frase “Lá vem você de novo querendo ser a porcaria de um Sócrates” mas resistiu antes que o comentário pudesse sair. Precisava lembrar que eram agora nada mais, nada menos, que uma soberana e sua funcionária.

– Gabrielle, além desses documentos de campanhas, preciso que faça o inventário anual do acervo. Creio que Atrius lhe mostrou como produzir esse relatório. Preciso que o apresente para mim daqui a no máximo um mês, certo?

– Sim, senhora – comentou Gabrielle, que na verdade já tinha começado a trabalhar no inventário.

– Verifique como andam as produções científicas e literárias e veja o que precisamos complementar. Parte do meu acordo com as amazonas e os centauros envolveu armazenar os fatos essenciais de seus dados históricos na biblioteca real. Preservá-los para gerações futuras. Creio que um carregamento de pergaminhos de ambas as nações deve chegar a qualquer momento. Se precisar de mais estantes, por favor, avise.

– Certo, imperatriz. Farei tudo isso. Necessita de algo mais?

Xena não conseguiu disfarçar o sorriso triste que surgiu mediante aquela pergunta. Necessito abraçar você, pensou. Necessito beijar você mais uma vez antes de minha vida nessa terra acabar.

– Não, Gabrielle, isso é tudo. Pode se retirar.

A loira fez uma breve mesura e saiu do recinto.

Nota